O que é Antipsiquiatria?

Cena do filme 'Um estranho no ninho', 1975

Antipsiquiatria é um movimento e um conjunto de perspectivas que criticam e questionam as práticas da psiquiatria tradicional, apontando seus problemas e suas deficiências, contestando o modelo hegemônico de tratamento para as pessoas que vivenciam sofrimentos emocionais.

Entende que os diagnósticos psiquiátricos são construções sociais e políticas, com intuitos morais. Percebendo que a psiquiatria é, na maioria, utilizada como uma forma de controle e ajustamento daqueles que não se encaixam nas normas sociais. As intervenções psiquiátricas, os medicamentos e os hospitais psiquiátricos são vistos como desumanos, causando mais danos do que benefícios.

"Quem são, porém, as pessoas sadias? Como se definem a si próprias? As definições de saúde mental propostas pelos especialistas usualmente correspondem à noção de conformismo a um conjunto de normas sociais mais ou menos arbitrariamente pressupostos."
(David Cooper, em 'Psiquiatria e Antipsiquiatria')

O termo "antipsiquiatria" foi utilizado pelo psiquiatra sul-africano David Cooper (1931-1986) em seu livro "Psiquiatria e Antipsiquiatria", publicado em 1967. Cooper contribuiu significativamente para o movimento antipsiquiátrico, propondo suas bases teóricas e filosóficas, apoiando-se no existencialismo e na fenomenologia, enquanto um suporte descritivo da experiência humana.

antipsiquiatria entende que nas sociedades industrializadas o padrão de normalidade passou a ser determinado a partir da capacidade produtiva de cada indivíduo, ou pela adesão deste a um modelo "adequado" de vida, segundo a moralidade vigente. A finalidade das instituições psiquiátricas, supostamente designadas à recuperação, na realidade consistiam em eliminar as diferenças e a improdutividade por meio de técnicas e métodos de "tratamento".

Os primeiros manicômios e instituições para o tratamento da doença mental foram construídos nos moldes da Revolução Industrial, acompanhando o modelo de uma sociedade industrializada, visando o controle e a disciplina, ordenando uma diversidade de pessoas, separando os "produtivos" dos "não produtivos", onde os últimos foram categorizados como anormais, doentes ou desviantes.

A loucura, que hoje é entendida como uma doença que deve ser submetida a um tratamento psiquiátrico e uso de psicotrópicos, nem sempre foi entendida dessa maneira, e nem sempre foi submetida a um tratamento. Quando retomamos a história da loucura, constatamos que esta já foi entendida como uma experiência libertina, uma forma de desrazão e até mesmo enquanto um obscurantismo de ordem mágica, tendo sido objeto da filosofia, das artes e do direito.

Em nosso tempo, a loucura é um objeto de estudo da psiquiatria e da psicologia, a partir de suas características empíricas e perceptivas objetivamente, que analisam e classificam as "desordens mentais" segundo os parâmetros científicos e os manuais técnicos de classificação de doenças mentais. Essa perspectiva evidencia apenas o caráter orgânico e fisiológico da doença.

"Atualmente já existe uma ideia clara acerca dos graves danos produzidos pela hospitalização prolongada e indefinida - totalmente injustificados fora das fases agudas de transtorno psíquico -, o grave efeito do hospitalismo, a ação deletéria do sanatório - com a inatividade que produz, com a perda de iniciativa que supõe o estar internado durante longo tempo -, a ação demencial das salas do hospício."
(Obiols, em 'Psiquiatria e antipsiquiatria')

Diferente das perspectivas biomédicas, a antipsiquiatria concebe a doença mental como resultante de condições familiares, sociais e históricas, não meramente orgânicas ou fisiológicas, mas como resultado de uma maneira da pessoa reagir às pressões de seu meio. Por isso contesta o uso massivo de psicofármacos como uma forma de "camisa de força química", entendidos muitas vezes como uma agressão à pessoa em sofrimento.

A antipsiquiatria surge, portanto, no final dos anos 1960, pela necessidade de se modificar o paradigma da psiquiatria, rompendo com o modelo tradicional de manicômio. Enquanto movimento científico, se iniciou com psiquiatras Ronald Laing, David Cooper, Thomas Szasz e Aaron Esterson, propondo uma nova relação entre o médico e o doente mental, sugerindo uma interação mais próxima, evitando qualquer forma de coerção ou paternalismo.

Nesta perspectiva, parte-se da realidade da pessoa em sofrimento ao invés de suas classificações médicas, entendendo prática terapêutica como uma relação entre seres humanos comprometidos com uma experiência comum. Para o psiquiatra Thomas Szasz (1920-2012), na perspectiva tradicional há uma confusão entre as linguagens do médico e do doente, onde o médico fala uma linguagem que o doente não entende, e o doente fala uma linguagem que o médico não capta.

O psiquiatra britânico Ronald Laing (1927-1989) entendia o esquizofrênico como uma pessoa com alta sensibilidade e capacidade de captar a loucura do ambiente. Sua proposta de psiquiatria buscava descrever os quadros clínicos a partir do modo como as pessoas manifestam suas experiências, visando evitar o enquadramento nosológico, destacando os mecanismos de reação pessoal diante de cada circunstância.

Laing não ofereceu uma teoria explicativa sobre a esquizofrenia, mas propôs uma fenomenologia existencial da experiência da esquizofrenia, entendendo esta como um conjunto de características pessoais que podem se apresentar em certas pessoas diante de situações específicas, constituída frequentemente por comunicações duplamente ambíguas oriundas no ambiente familiar e social.

"Esta acusação contra a psiquiatria clínica tradicional é a que serve de base a um dos pilares fundamentais da antipsiquiatria. A esquizofrenia é considerada, a partir desse momento, não como o produto de uma perturbação cuja etiologia se desconhece, mas sim como uma formação reativa a uma série de circunstâncias que se repetem através do tempo. Perante a impossibilidade de encontrar uma solução adequada, a vítima elabora essas atitudes que são estigmatizadas com o nome de 'esquizofrenia', par a qual contribui o psiquiatra com o seu diagnóstico, que em tais casos têm um autentico efeito alienante."
(Obiols, em 'Psiquiatria e antipsiquiatria')

Nesta perspectiva, a esquizofrenia pode ser compreendida a partir de suas manifestações enquanto uma tentativa de comunicação entre a pessoa e o mundo que a rodeia, acessando a linguagem e as experiências da pessoa em questão. Este movimento possibilitou a crítica das práticas psiquiátricas institucionais tradicionais, tendo influenciado a luta antimanicomial e a reforma psiquiátrica.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
COOPER, David. Psiquiatria e antipsiquiatria. São Paulo: Editora Perspectiva, 1989.
OBIOLS, Juan. Psiquiatria e antipsiquiatria. Rio de Janeiro: Salvat, 1979.

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