Heráclito e Parmênides: mudança e permanência

Detalhe da 'Escola de Atenas', de Rafael Sanzio, 1510

Os pensadores Heráclito e Parmênides, da Grécia Antiga, trazem uma das primeiras grandes contradições da filosofia, sobre como conhecemos os seres e o mundo. Heráclito entende a partir da mudança, do não-ser, da experiência sensível e transformação, enquanto Parmênides defende a permanência, o ser, o teórico e a identidade, perspectivas distintas que ainda persistem em nosso tempo.

Heráclito viveu entre o século VI e V a.C., buscou compreender a multiplicidade das coisas do mundo sem rejeitar suas contradições aparentes, apreendendo a realidade em sua mutabilidade. Os seres e as coisas do mundo estão constantemente em transformação, o que temos num dado momento é diferente do que foi há pouco tempo atrás, e será diferente num momento seguinte.

"Nunca nos banhamos nos mesmos rios."
(Heráclito de Éfeso)

Segundo Heráclito, não há como nos banhar nos mesmos rios, as águas nunca serão as mesmas, pois o rio está em constante fluxo, e nós também não seremos os mesmos, pois estamos em permanente transformação. Nos mesmos rios correm outras águas, e em nós mesmos a mudança acontece continuamente, estamos sempre deixando de ser algo para nos tornar outro.

Entendendo o mundo e o ser em constante movimento e transformação, utilizou o elemento fogo para representar sua perspectiva que consiste no movimento contínuo e incessante, a agitação do devir. Para o filósofo, o ser é múltiplo, pois se constitui de diversas oposições internas, numa luta constante entre os opostos: entre a euforia e a melancolia, a alegria e a tristeza, a completude e a ausência.

Parmênides, contemporâneo a Heráclito, contrariou sua perspectiva. Segundo ele, o ser é imóvel, imutável e estático, inclusive era impensável imaginar que uma coisa pudesse ser e não ser ao mesmo tempo, como acontece na mudança e na transitoriedade da experiência da vida. Com isso, estabeleceu indícios do princípio de identidade e repetição, posteriormente utilizado na lógica.

Ele negou a existência do movimento que percebemos no mundo, onde as coisas aparecem e desaparecem, nascem e morrem, buscando o que havia de permanente nessa mudança. Segundo ele, esses movimentos acontecem apenas na experiência sensível de nossa percepção que é ilusória, os sentidos nos enganam e apenas o mundo inteligível é verdadeiro. O movimento não tem lógica, pois o ser é único, imutável, imóvel e infinito.

Entendia que o mundo percebido por nossos sentidos é composto de aparências falsas e opiniões enganosas contrariando, portanto, a concepção de ser e mundo mutável, defendendo uma noção de ser e mundo estável. Ele dizia "o ser é", no sentido de ser sempre idêntico a si mesmo, eterno, imutável, que pode ser concebido por meio do pensamento. Foi o primeiro a defender a ideia de que a aparência sensível das coisas não corresponde à verdade, contrapondo "ser" ao "não-ser".

"O ser é e não pode não-ser, o não-ser não é e não pode ser."
(Parmênides de Eléia)

Deste modo, se opôs à filosofia de Heráclito, que se dedicava ao devir e a constante transformação das coisas, como o dia que virava noite, o novo que envelhecia, ou o vivo que morria, enfatizando a multiplicidade do mundo e dos seres. Parmênides afirmou que a verdade exige a identidade, a imutabilidade e a unidade do ser, negando, portanto, a mudança e o "não-ser". Para ele, a verdade corresponde à estabilidade, ao invés da mudança e da contradição.

A filosofia, que havia iniciado com os primeiros filósofos como uma cosmologia, buscando entender o mundo em seus aspectos físicos, passa a se dedicar à metafísica e à ontologia, onde as concepções de mudança, multiplicidade e contradição passam a ser entendidas como meras aparências falsas. Essa forma de pensamento será reforçada com Platão (428-347 a.C.) em sua teoria das ideias, que entende o mundo sensível como falso e perecível, e o mundo das ideias como o verdadeiro e eterno.

Essa tendência de desvalorizar o mundo sensível se fará presente mais intensamente nas filosofias posteriores, influenciando a filosofia medieval e moderna. Na contemporaneidade ideias de mudança e transitoriedade sobre o ser e o mundo são retomadas por filósofos como Friedrich Nietzsche (1844-1900), Jean-Paul Sartre (1905-1980), Michel Foucault (1926-1984), entre outros, e tendências como o existencialismo, a fenomenologia e as filosofias pós-modernas.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
ARANHA, Maria Lúcia; MARTINS, Maria Helena. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2002.