Século XX e a crise da modernidade


O século XX foi um período marcado pela valorização da ciência e da tecnologia, que possibilitou diversas transformações nos costumes das pessoas em todo o mundo. Entre os desenvolvimentos podemos citar os transportes cada vez mais rápidos, os processos de automação de produção, a facilidade da comunicação, os aviões, o rádio, a televisão, os satélites, a internet, entre outros.

Todas essas novas ferramentas possibilitaram novos modos de se relacionar entre as pessoas, novas configurações de espaço e uma nova percepção de tempo, aproximando povos e culturas e transformando suas maneiras de pensar, viver, trabalhar e se expressar. Isso também refletiu na economia globalizada, que fortaleceu as multinacionais e enfraqueceu os Estados nacionais.

Essas transformações proporcionaram enormes mudanças nas relações de trabalho e estão mudando constantemente os modos de ser das pessoas. Partindo do entendimento de ser humano proposto pelo existencialismo, o indivíduo é sempre ser-no-mundo, que habita o mundo numa relação intrínseca, inseparável e conjunta, tal como uma gota de água está no oceano. Portanto, este ser é também constantemente transformado por este mundo, que sempre muda.

Diferente do que acreditávamos, que a informação nos possibilitaria uma vida mais autônoma, a quantidade de informações veiculadas pelos diversos meios de comunicação têm promovido muitas vezes uma homogenização das pessoas, descaracterizando as culturas tradicionais, promovendo cada vez mais a alienação e a massificação, construindo um sujeito cada vez mais autômato.

Nosso tempo prioriza muito mais a imagem ao invés do conteúdo, os meios de comunicação nos transmitem, na maior parte das vezes, as informações fragmentadas. Com isso, o mundo virou um enorme parque de lazer e diversão momentânea, o foco têm sido cada vez mais o entretenimento do que o conhecimento, o desenvolvimento ou a liberdade.

O aumento populacional, juntamente com a urbanização também promoveram transformações nos modos de vida. Se por um lado temos massas de pessoas que se amontoam em eventos de esportes e shows de música, temos também os indivíduos que se isolam cada vez mais em suas casas e vivem de um modo cada vez mais atomizado.

Todos esses acontecimentos e mudanças deixam as pessoas perplexas diante dos valores que utilizavam para se compreender o mundo e a si mesmas, transformando assim os modos de agir, pensar e sentir. Vivemos hoje essa contradição de valores e concepções de mundo diariamente, inclusive essas mudanças geram enormes dificuldades na experiência de vida das pessoas.

Se antes nossa experiência de vida estava ligada a um grupo de pessoas ou a uma crença, hoje a realidade não parte mais de valores comuns, mas de múltiplos valores fragmentados, de modo que os indivíduos não possuem mais uma unidade de valores comuns, mas uma multiplicidade que nem sempre é harmônica ou coerente, provavelmente seja mais dissonante do que eles mesmos percebam.

O paradigma da modernidade surge entre o Renascimento e a Idade Moderna, por uma série de condições, como o modelo heliocêntrico de Copérnico na astronomia, a física de Galileu e Newton, que superou o modelo de Aristóteles, além da mudança metodológica da epistemologia de René Descartes e Francis Bacon, reconhecendo o indivíduo como o sujeito do conhecimento.

Esse paradigma da modernidade se evoluiu para o Iluminismo, onde seu nome representa o caminho das luzes para guiar o ser humano no mundo e consigo mesmo, guiando este por meio da razão, entendida por Immanuel Kant como a maioridade do espírito. Alguns dos principais elementos desse paradigma são:
  • Valorização da subjetividade, reconhecimento da autonomia do sujeito, tolerância religiosa e ética laica;
  • Valorização da ciência como a principal forma de conhecimento, validada pelo desenvolvimento da tecnologia, deixando de lado as crendices e superstições, entendendo o saber enquanto poder, associando a ciência com a técnica;
  • Início do conceito de Estado representativo, sustentando as concepções de cidadania e participação, se opondo ao poder absolutista dos reis, valorizando os anseios de democracia, liberdade e igualdade;
  • Necessidade de um estatuto de direitos fundado em leis, ao invés do uso arbitrário do poder;
  • Liberação da economia de mercado, defendendo o liberalismo.
O momento atual corresponde a uma crise dos valores da modernidade, entendendo que o modo de produção capitalista, apesar de alcançar sua expansão, está também chegando em sua falência, pois a sociedade não conseguiu alcançar suas promessas esperadas. Deste modo vivenciamos um momento de crise e de vazio, por não termos ainda um modelo novo para substituir o atual falho.

A crença dos filósofos da modernidade era de que a razão científica fosse colaborar para a emancipação humana. Porém, com o passar do tempo, a história nos mostrou outros dados: a miséria, as catástrofes ambientais, as guerras, as desigualdades sociais, o acúmulo de lixo, entre outros problemas são cada vez mais comuns nas cidades.

Essa supervalorização da razão acabou promovendo a falta de reflexão, impedindo o questionamento ou a crítica sobre os fundamentos dessa razão. Com isso, a razão acabou se tornando um meio de controle autoritário, ao invés de um caminho para a liberdade. Por isso, parte dos filósofos pós-modernos discordam do uso do poder por meio da razão, criticando a ideia de uma única concepção de verdade que se apresenta de forma centralizadora sobre os sujeitos e os saberes.

As ciências e as técnicas, que pareciam oferecer uma esperança de uma intervenção mais efetiva no mundo, passaram a excluir as diferentes percepções de mundo, considerando estas inferiores. Essa razão que se desenvolveu por conta das ciências não é única, mas apenas uma possibilidade de racionalidade. Trata-se de uma razão que se ocupa dos modos de fazer, mas que não se questiona sobre o que faz.

Por conta do desenvolvimento da ciência e das técnicas, hoje dispomos cada vez mais de técnicas para fazer todo o tipo de coisa, desde consertar celulares até construir casas. As coisas são feitas seguindo manuais técnicos, porém não há um questionamento sobre o motivo pelo qual elas são feitas. O intuito desta técnica é justamente o do controle e da dominação da terra, dos bens e dos indivíduos, onde tudo se transforma em capital e serve para fins lucrativos, em favor do capital e do poder.

Tudo precisa ser bem feito, mas nunca questionamos o que estamos a fazer. Engolimos ideias prontas de sucesso, ganho e progresso, sem a menor criticidade. Com isso, as relações humanas vão se enfraquecendo, as coisas que deveriam ser utilizadas como meios acabam se tornando princípio e fim. Nesse mundo técnico e científico não há espaço para a poesia nem para a utopia, trata-se de um mundo onde tudo é lógico e passível de medição, não há mais necessidade de imaginar.

O indivíduo não se percebe mais como um ser autônomo, que escolhe a sua vida ou que guia seu destino, acaba sendo um mero autômato, que segue as regras estabelecidas pelos saberes técnicos, sem questionar, e provavelmente sem perceber a possibilidade de questionamento. Cada vez mais as pessoas estão mais voltadas para suas vidas individuais, suas necessidades momentâneas e seus prazeres. Não há mais a necessidade de agrupamento, as pessoas estão dissolvidas cada vez mais em suas individualidades.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da educação. 2 ed. São Paulo, Moderna, 1996.
GHIRALDELLI Jr, Paulo. História da educação. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2001.
LIMA, Lauro de Oliveira. Mutações em educação segundo McLuhan. Petrópolis: Vozes, 1979.