O que significa ser-no-mundo?


Ser-no-mundo", é uma das características do "ser aí" (Dasein), na filosofia de Heidegger, que entende o ser humano não como um mero organismo natural, neutro e separado do mundo, mas como um ser que habita e convive no (e com o) mundo.

Diante desta perspectiva, o ser humano não é uma consciência separada do mundo, mas se relaciona com o mundo, habita num período histórico e num espaço geográfico, onde convive com pessoas, objetos e relações com a linguagem e a cultura, de certo modo nos constituímos neste mundo.

Entender a pessoa como um "ser-no-mundo" é diferente de olhar para seus aspectos meramente naturais, fisiológicos ou ideais, como um objeto, mas compreender que cada pessoa desenvolve diferentes significados e valores de acordo com o tempo e o espaço., que não somente habita um mundo, mas se constitui com o mundo.

O filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) entende que o ser humano é temporal e histórico, ou seja, se modifica de acordo com o tempo e a história. Martin Heidegger (1889-1976) utiliza o termo "Dasein", que significa "ser-aí", para descrever um ser que não é abstrato ou uma mera condição animal, mas um ser em situação, engajado numa historicidade e aberto às relações.

Não há como compreender os modos de existir de uma pessoa sem levar em conta suas relações com os espaços onde habita, as pessoas com as quais interage e os lugares que para ela são significativos, inclusive o modo como ela se relaciona perante os diferentes espaços e pessoas.

Toda pessoa experimenta a vida num espaço e num tempo, sendo sempre um ser em situação, envolta em condições que permeiam seu modo de existir. Recebemos as referências do mundo que compõem a nossa existência e nossos modos de ser, ao mesmo tempo que o transformamos propondo novos modos de ser.

Olhar para o ser humano sem levar em consideração as relações e os significados próprios de seu contexto, é o mesmo que tirar a pessoa do mundo da vida, entendendo esta como uma máquina desumanizada, ou uma peça, olhando para ela como um objeto sem significado.

A existência humana, na concepção existencialista, é compreendida em suas singularidades e particularidades que diferenciam uma pessoa da outra. Enquanto seres humanos, somos afetados pelas relações que estabelecemos com os outros, com os lugares e coisas, do mesmo modo que também afetamos os outros seres humanos e os espaços que habitamos.

Nessa perspectiva toda pessoa é um ser-no-mundo, pois está em constante relação com os espaços onde habita, sendo também um ser relacional, que se desenvolve em relação com os outros. Nossas experiências internas são resultantes de nossas experiências externas. Assim não existe um ser neutro e idealizado, todos nós somos modificados pelas condições e circunstâncias do mundo que habitamos.
"O 'no (em-o)' em 'ser-no-mundo' não significa, por exemplo, simplesmente contenção espacial, do mesmo modo que a água está em um copo. Em vez disso, o 'no (em-o)' deve conotar familiaridade ou envolvimento, nos termos de estar no comércio ou no exército. Além disso, necessitamos atentar às hifenações no rótulo, que assinalam que ser-no-mundo é o que Heidegger chama um 'fenômeno unitário'. Isso significa que o fenômeno de ser-no-mundo não pode ser entendido em partes."
(David Cerbone, em 'Fenomenologia')
E o mundo não é algo pronto, onde temos de nos ajustar a ele tal como está, mas um espaço em constante transformação, onde fazemos parte dele. Não somos somente resultantes dos modos de ser do local e tempo onde habitamos, mas também criamos novos modos de ser e interferimos nas outras pessoas e no mundo.

As dificuldades e os sofrimentos que atravessamos não são sintomas isolados, mas acontecem numa relação direta com o mundo. Entender um sofrimento emocional ou uma dificuldade humana é compreender os modos de ser de cada um, consigo mesma, com os outros e com os espaços onde habita e transita.
"Em outras palavras, ser-no-mundo tem a ver com manusear as coisas e se envolver na prática, em vez de abstrair das coisas na cognição teórica."
(Jack Reynolds, em ‘Existencialismo’)
Não existe sofrimento emocional isolado, que atinge uma pessoa independente de sua relação com o mundo. As experiências internas se relacionam com as experiências externas, fazendo parte da constituição da subjetividade e das singularidades de cada um.



Referências:
CERBONE, David. Fenomenologia. Petrópolis: Vozes, 2014.
REYNOLDS, Jack. Existencialismo. Petrópolis: Vozes, 2014.