Sofrimento emocional e diferença

Jay Hirabayashi dançando Butoh, foto de Joe Mabel, 2014

Tem momentos que atravessamos situações difíceis, algumas com sofrimento emocional intenso, seja quando perdemos uma pessoa querida, quando sentimos muitas dúvidas sobre o que fazer ou qual escolha decidir, momentos de grande estresse e tensões, entre outras.

São situações que todos experimentamos num momento ou outro, isso não significa que temos uma doença mental ou patologia, mas que estamos diante de circunstâncias que nem sempre conseguimos resolver facilmente, que necessitam um esforço para podermos nos sentir melhor, seja com a ajuda de outras pessoas ou a tomada de contato com outras experiências e perspectivas.

Qualquer pessoa pode atravessar situações de sofrimento emocional, tanto aquelas que vivem como a maioria das pessoas, de maneira bem próxima do que é tido por "normal", como também as que vivem de maneira diferente da maioria. Portanto, viver de uma maneira padrão não evita a possibilidade de contato com o sofrimento.

"Quem são, porém, as pessoas sadias? Como se definem a si próprias? As definições de saúde mental propostas pelos especialistas usualmente correspondem à noção de conformismo a um conjunto de normas sociais mais ou menos arbitrariamente pressupostos."
(David Cooper, em 'Psiquiatria e Antipsiquiatria')

Portanto, uma pessoa viver de maneira diferente de uma maioria, ou fora dos "padrões" e expectativas sociais não é uma condição determinante ou causadora do sofrimento emocional, por isso o uso de critérios de "adequação social" para a avaliação da condição psicológica de uma pessoa é muito questionável.

O sofrimento emocional é resultante da interação entre o indivíduo e o meio em que vive, não sendo resultante de uma individualidade fechada em si, mas de sua relação concreta e afetiva com as outras pessoas, espaços, lugares e tempo. O sofrimento surge e se desenvolve na relação que estabelecemos com outros, com a família, o trabalho, a escola, ou diante de adversidades.

Além disso, se fizermos um breve estudo sobre a história da loucura, constataremos que os "desviantes da norma" nem sempre foram vistos como problemáticos, não eram classificados como neuróticos, obsessivos ou psicóticos, nem eram submetidos a tratamentos. Essas classificações relacionadas a noção de patologia começam a aparecer apenas a partir do século XVIII em diante. 

A psiquiatria clássica entende os sofrimentos emocionais, os sintomas e as diferenças como sinais de um distúrbio orgânico, como doença mental, com origem interna, que acontece dentro do organismo, sobretudo do cérebro. Partindo dessa premissa, propõe o tratamento por meio de medicamentos para o reajuste do funcionamento do cérebro a um padrão específico, tido como "adequado".

Na perspectiva psicológica, costuma se entender a doença mental como uma forma de desvio de personalidade, gerando uma alteração na estrutura de uma pessoa ou uma ruptura em seu desenvolvimento. O desvio, neste sentido, é entendido a partir da diferenciação a uma norma, ou a um modelo de uma personalidade "padrão", tida como saudável ou adequada.

Tanto a psiquiatria clássica quanto a perspectiva psicológica há implícito um modelo de normalidade e um padrão a ser "alcançado", um "normal" e "saudável". Porém, as diferenças entre o normal e patológico são muitas e acabam caindo numa posição de relatividade. O que num grupo de pessoas é considerado normal e adequado pode ser considerado anormal, desviante e até mesmo patológico em outro grupo.

A homossexualidade que, por exemplo, era comum na Grécia Antiga, passou a ser entendida como um problema no final do século XIX e por quase todo o século XX. Por isso, muitas vezes o trabalho do psicólogo ou do psiquiatra confunde-se com um agente de ajustamento de condutas, do que é moralmente reprovado, correndo-se o risco de patologizar diferentes modos de vida apenas por não serem considerado "adequada" num certo momento ou lugar.

Opondo-se à essas tendências tradicionais, normalizadoras e moralistas sobre a doença mental, há vertentes que problematizam e questionam os conceitos de normalidade convencionais, como a antipsiquiatria, que critica e questiona a psiquiatria tradicional, entendendo a doença mental enquanto criação social, que não existe por si mesma. A psiquiatria social e alternativa também questionam as tendências clássicas sobre a doença mental, apesar de não negarem as doenças.


Por Bruno Carrasco.

Referências:
BOCK, Ana M. Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, M. de Lourdes. Psicologias - uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2002.
COOPER, David. Psiquiatria e Antipsiquiatria. Tradução: Regina Schnaiderman. São Paulo: Editora Perspectiva, 1989.
FRAYZE-PEREIRA, João. O que é Loucura. São Paulo: Brasiliense, 2002.