Foucault: vida e obras

Michel Foucault é um dos pensadores mais importantes de nosso tempo, foi filósofo, historiador e crítico francês, pertencente à geração do pós-guerra, posterior a Sartre, Camus e Merleau-Ponty. Foi aluno de Georges Canguilhem e Louis Althusser, estudou filosofia e psicologia, perpassando a fenomenologia, o marxismo, a psicanálise, a epistemologia francesa, Kant e Nietzsche.

Em suas obras abordou diversos temas, entre eles a loucura, o saber, o poder, o sujeito, a sexualidade e a ética de si, trabalhando sempre em relação com a história, a filosofia, a psicologia, o direito, a arquitetura, a medicina, a pedagogia, a cultura e as artes, evidenciando a condição histórica e contingente dos saberes, das relações de poder e das práticas de si.

Enquanto crítico, rompeu com o modo tradicional de se fazer filosofia, que buscava encontrar verdades eternas e universais, entendendo o pensamento resultante de relações temporais e contextuais, envolvidos num conjunto de elementos em condições históricas específicas. Por isso, pesquisou sobre as condições de possibilidade históricas da constituição dos saberes e práticas.

“Desde seus primeiros escritos, a grande pergunta que domina todo o pensamento foucaultiano é, em definitivo, a seguinte: como foi possível o que é? Essa possibilidade é sempre histórica, não é a expressão de nenhuma necessidade; as coisas poderiam ter sido de outro modo e também podem ser de outro modo.”
(Edgardo Castro, em 'Introdução a Foucault')

Paul-Michel Foucault nasceu em 15 de outubro de 1926, na cidade de Poitiers, na França, numa família de classe média. Seu pai e seu avô foram médicos, seu pai inclusive foi professor da escola de medicina de sua cidade. Foucault estudou inicialmente no liceu da sua cidade, depois foi estudar em Paris, na Sorbonne e na Escola Normal Superior.

Na Sorbonne cursou filosofia, tendo seu diploma em 1948. Na Escola Normal Superior, fez uma licenciatura em psicologia, em 1949, além de fazer uma especialização em psicopatologia. Foucault iniciou seu percurso acadêmico num contexto onde se fazia presente a fenomenologia, o marxismo, o estruturalismo e a epistemologia francesa. Sua tese de doutorado, teve como título "Loucura e desrazão - história da loucura na idade clássica", defendida em 1961.

Em suas primeiras obras, se dedicou ao tema da loucura, entendendo que os modos de perceber e lidar com a loucura não foram os mesmos em diferentes períodos históricos. Em 1954, publicou "Doença mental e psicologia", onde abordou sobre as relações entre a doença mental e sua evolução, a doença e a história do indivíduo, a doença e a existência, a relação entre loucura e cultura, comentando brevemente a constituição histórica da doença mental.

Foucault contestou a psiquiatria tradicional, que entende a loucura enquanto elemento da natureza humana e condição biológica. Em seus estudos constatou que a loucura não é um fato biológico, mas uma experiência percebida e abordada de diferentes maneiras na história, a partir de distintos saberes, e referências culturais, religiosas e morais. Em sua tese, descreveu o modo como a percepção e as sensibilidades para com a loucura e o louco se transformaram no tempo.

A "História da Loucura" apresenta as condições que possibilitaram a separação da razão e da desrazão no percurso da história do Ocidente, que gerou um progressivo domínio da razão sobre a loucura, colocando a razão no lugar de falar a verdade sobre a loucura e decidir o que fazer com ela. Foi apenas após isolar o louco, olhar para ele como objeto de estudo, que foi possível a noção de “doença mental”, no século XIX.

Em 1963, publicou o "Nascimento da Clínica", uma arqueologia da percepção médica, abordando sobre as condições de possibilidade da experiência médica da anatomopatologia. A medicina clássica deu lugar à medicina clínica, o corpo doente passou a ser o foco do pensamento médico. A noção vaga de “saúde” foi substituída pelo objetivo de levar o paciente de volta ao "normal", conceito que aparece em descrições como "temperatura normal" ou "pulsação normal".

Em 1966, publicou "As palavras e as coisas", uma arqueologia das ciências humanas, uma análise da constituição histórica dos saberes sobre o ser humano. O sujeito, como hoje entendemos, é uma noção que teve seu nascimento na Modernidade. Ele contraria o entendimento do ser humano como universal, como se tivesse sempre as mesmas características. Segundo Foucault, o sujeito foi inventado num dado momento, diante de condições históricas, sociais e econômicas, e que, se essas condições se transformarem, darão lugar a novas formas de sujeito, diferente do anterior.

Não há verdades únicas, cada tempo histórico possibilita certos saberes e discursos de verdades e impossibilita outros, entende que os saberes e as verdades são construídos e se transformam. Portanto, o filosofar não deveria buscar verdades universais, pois os saberes são sempre temporais, mas promover uma atividade crítica de pensamento sobre o próprio pensamento, de modo a pensarmos aquilo que ainda não foi pensado e nos tornar o que ainda não somos.

Suas obras iniciais priorizam uma passagem histórica específica, da chamada Idade Clássica (séculos XVII e XVIII) para a Modernidade (século XIX em diante), retratando as transformações na ordem do saber, evidenciando o modo como se constituíram os discursos de verdade e o momento em que se tomou um homem como objeto de conhecimento. A tomada do homem como objeto de estudo possibilitou um novo campo de conhecimentos: as ciências humanas, que no século XIX possuem como base uma estrutura antropológica, positivista e humanista.

Em 1969, publicou a "Arqueologia do saber", onde tratou sobre a constituição histórica dos saberes e dos discursos tomados como verdadeiros, que desqualificam outros discursos entendidos como falsos. Constatou um processo de construção histórica dos saberes, entendendo a verdade como um produto histórico, buscando as descontinuidades e rupturas dos discursos a constituição de um campo de saber que se instituiu como "verdadeiro", envolto em pressupostos, tendências e preconceitos de uma época específica.

Uma de suas principais questões, deste momento, era compreender como um saber se tornava possível, aceito e legitimado, e sob quais condições e estruturas se sustenta. Tomando contato com as estruturas ocultas dos saberes, que se referem a um período histórico específico, determinando e submetendo aquilo que somos capazes de perceber em cada momento. Como arqueólogo, ele estudou as camadas de conhecimento que se acumulam ao longo do tempo, buscando características perdidas e implícitas nos saberes.

Os saberes e as teorias são contingentes, não são naturais ou eternos, mas temporais e incertos, pois dependem de uma série de condições de conhecimento - históricas, culturais, sociais e econômicas - para sua efetivação. Cada "verdade" é apenas uma verdade sobre uma realidade onde foi concebida num dado momento particular. Essa verdade pode conter falhas, lacunas e até mesmo contradições, mas, uma vez que funcione bem para o momento, continuará sendo aceita.

No final dos anos 1960, Foucault se envolve ativamente em atividades políticas estudantis e nos protestos contra medidas disciplinares. Em 1970, Foucault é nomeado professor no famoso Collège de France, substituindo Jean Hyppolite, ocupando a cátedra de "História dos sistemas de pensamento". Sua aula inaugural foi "A ordem do discurso", publicada em livro. Deste período em diante, ele oferece diversos cursos no College de France, sobre temas variados dos quais ele estava pesquisando em cada momento.

Em 1971 ele participou do Grupo de Informações sobre as Prisões (GIP), e em 1975 publicou "Vigiar e punir", estudando o poder no campo de sujeição, atuando sobre os indivíduos, onde fez uma análise histórica das transformações das formas de poder e do sistema penal francês. Uma genealogia o poder e das mudanças das teorias jurídicas, constatando o surgimento de novas técnicas de poder, que chamou de "poder disciplinar". O poder não é entendido apenas como uma instância punitiva, mas produtora, que produz saber e modos de vida, e os saberes são utilizados para manter as relações de poder.

Foucault percebeu o nascimento da prisão, na passagem do século XVIII para o XIX, quando a tortura e a execução em praça pública deram lugar ao encarceramento e as técnicas de poder sobre o corpo, ao invés de destruir o corpo do criminoso, passou-se a controlar ele. No mesmo período em que as fábricas necessitavam de uma força de trabalho organizada e disciplinada. A disciplina é uma nova técnica de poder sobre os corpos, visando sua eficácia produtiva, controlando suas atividades e sua distribuição espacial, para maximizar sua utilidade e docilidade.

A instituição penal não surgiu da filantropia dos reformistas ou de mudanças humanitárias no direito penal, mas foi consequência de novas técnicas de poder. O poder que antes havia triturado o corpo, estava agora assumindo controle sobre o corpo. Nas prisões, assim como nas escolas, fábricas e no exército, o corpo passou a ser submetido à disciplina e vigilância. A prisão foi acompanhada do surgimento das ciências sociais: a criminologia, a sociologia e a psicologia. Saber e poder conduziram a um maior entendimento sobre o ser humano e a um maior controle sobre o mesmo. Foucault constatou que o poder produz modos de vida, subjetividades, e saberes. As relações de poder engendram formas de saber, e estas sustentam as relações de poder.

Em 1976, iniciou seu projeto de uma História da Sexualidade, seu primeiro volume foi “A vontade de saber”, onde entendeu que o sexo foi se tornando cada vez mais objeto de verbalização no ocidente, relacionando com a questão da identidade, de quem somos nós. Deste período em diante, também passou a se dedicar mais sobre o sujeito, sobretudo sobre como nos constituímos sujeitos na relação com os poderes e saberes, inclusive como se dá a relação do sujeito consigo mesmo e as práticas de cuidado de si.

Em 1984, ano de seu falecimento, são publicados "O uso dos Prazeres" e "O cuidado de si", que refletem e problematizam as práticas de cuidado e de trabalho na cultura greco-romana, marcando uma terceira fase de sua trajetória. Para Foucault, as práticas de si e os modos de subjetivação acontecem de uma maneira ambígua entre a sujeição e a resistência, onde a subjetivação produz também a objetivação do indivíduo, a partir de uma relação consigo.

Suas últimas obras abordam sobre as condutas e a possibilidade de exercer resistência. Sua questão passa a ser: -Como não ser governado, assim, dessa maneira? Buscando compreender o que o sujeito pode fazer em meio a uma sociedade que constantemente lhe dá diretrizes sobre o que fazer de si, tratou sobre as práticas de cuidado de si, e sobre como nos tornamos o que somos, apontando estratégias de resistência e liberdade, onde a subjetividade resiste criando a si mesma num embate com as relações de poder e de sujeição.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
CASTRO, Edgardo. Introdução a Foucault. Trad.: Beatriz de Almeida Magalhães. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2014.
DÍAZ, Esther. A filosofia de Michel Foucault. Trad.: Cesar Candiotto. São Paulo: Editora Unesp, 2012.
REVEL, Judith. Michel Foucault: conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005.
YAZBEK, André. 10 lições sobre Foucault. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.