Fenomenologia e psicoterapia existencial

Paul Klee, Young Moe, 1938.

Fenomenologia é um método que propõe o estudo do fenômeno, tal como este se apresenta à consciência. Desenvolvido inicialmente por Edmund Husserl (1859-1938), filósofo e matemático, passou a ter contribuições de outros filósofos, como Maurice Merleau-Ponty, Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre.

O intuito da fenomenologia não é alcançar um entendimento objetivo ou ideal de mundo, mas se aproximar do fenômeno para compreendê-la do modo como este se mostra. Enquanto método, busca compreender o modo como os fatos são captados de maneira fenomênica, como uma possibilidade do real.

Para se observar a coisa como se mostra, é preciso deixar de lado nossos juízos prévios sobre a coisa observada, ou melhor, deixar entre parênteses. Neste procedimento, deixamos de lado nossas concepções prévias sobre o que estamos observando e nos colocamos a observar num estágio pré-reflexivo, antes de estabelecer elaborações ou interpretações sobre o que estamos a observar.

Em nossa experiência comum, quando olhamos para algo logo associamos com outra coisa ou situação que já vimos ou conhecemos, e quando fazemos isto não estamos a olhar para este algo, mas buscando o que desse algo já conhecemos previamente, ou seja, buscamos seu entendimento por meio do que já temos contato prévio, o que é possivelmente diferente do que estamos a observar.

Fazemos isso, pois não somos uma máquina ou um ser neutro. Todos temos uma história de vida, valores e concepções sobre algumas coisas do mundo, aprendemos e guiamos nosso olhar pelo que temos aprendido. Porém, quando olhamos para uma coisa com base no entendimento que temos, não estamos a olhar esta coisa, mas a estabelecer uma relação com o que entendemos sobre outra coisa, que no momento associamos com esta que estamos observando.

Pode ser que o que estamos a observar seja realmente parecido com o que já vimos e conhecemos, mas há sempre a possibilidade de que não seja. Por olharmos sempre partindo de algo que já conhecemos, isso nem sempre nos possibilita que vejamos o que estamos a observar, pois nos remetemos a algo que já havíamos observado anteriormente.

Esse direcionamento de nossa consciência em relação à coisa observada é chamado pela fenomenologia de intencionalidade. Trata-se de uma valoração e interpretação que elaboramos de um fato, que varia de acordo com a pessoa, o momento, a época ou os sentimentos. Isso é o que fazemos em nossa vida cotidiana, porém a atitude fenomenológica trabalha desta forma, pois não há como partir de concepções prévias.

Levando este entendimento para a psicologia, mesmo que tenhamos conhecimentos prévios sobre o que seja a depressão, a ansiedade, o estresse, o trauma, o pânico, entre outras terminologias, a questão para a fenomenologia é como essas experiências acontecem para cada pessoa. A realidade não é entendida como algo factual ou objetivo, mas como um conjunto de significações e sentidos que estabelecemos com as coisas, podendo surtir diferentes significados para cada indivíduo.

Fenômeno é tudo aquilo que aparece para uma consciência, do modo como aparece. O modo como uma coisa é captada por uma pessoa envolve suas próprias significações. O método fenomenológico, na psicologia, consiste em observar as significações de cada pessoa sobre suas captações que são sempre pessoais e subjetivas, buscando se aproximar das captações originárias. Esse procedimento nos possibilita descrever as vivências antes de qualquer reflexão ou análise, aproximando-se das coisas tal como elas se apresentam para uma consciência.

O termo "fenomenologia" costuma ser relacionado com o existencialismo, justamente pois ambos não partem de concepções prévias e universais sobre os modos de ser de cada indivíduo. O existencialismo é fundamentalmente fenomenológico, pois não busca explicações universais e por compreenderem que a existência se constrói num processo e relação, não partindo de uma essência prévia ou condição biológica.

O método fenomenológico é utilizado na psicologia em diversas abordagens, entre elas a Existencial, a Abordagem Centrada na Pessoa e a Gestalt-Terapia. Sua prática consiste justamente em observar a pessoa atendida como algo que ainda não conhecemos, com abertura para captar os modos de ser de cada pessoa, percebendo como uma pessoa se revela a cada momento, em cada encontro e em cada diálogo.

Não há como utilizar concepções prévias sobre os modos de ser de uma pessoa, pois cada um que possui uma história de vida singular que desconhecemos. A prática da psicoterapia fenomenológica existencial consiste em observar a pessoa como se mostra enquanto fenômeno, deixando de lado nossas concepções prévias e possíveis interpretações sobre esta.

O mais importante não é o fato que a pessoa descreve, mas o modo como esse fato se relaciona com a experiência de cada um. Se uma pessoa diz que está triste e atrasou o horário de chegada em seu serviço, não significa que ela esteja triste por ter se atrasado no serviço, além disso nem significa que esteja triste, pode ser que esteja sentindo raiva, decepção ou qualquer outra emoção que ela nomeou por "triste".

O intuito da prática fenomenológica existencial é compreender a pessoa que se apresenta, como ela se relaciona consigo mesma e com os outros, como ela se sente e como ela lida com seus sentimentos. Se uma pessoa diz que está triste, a primeira coisa a fazer não é pensar sobre o que levou ela a se sentir triste ou pensar se ela possa estar deprimida, mas buscar compreender o que significa este fenômeno para a pessoa que diz. E qual é o fenômeno? O fenômeno é "dizer que está triste".

Neste caso, é preciso compreender o que "dizer que está triste" significa, neste momento, para essa pessoa. Podendo usar questões como: como é "estar triste"? Como é essa tristeza para essa pessoa? Com quais sentimentos, situações e aspectos essa tristeza se relaciona nessa experiência dessa pessoa?

A fenomenologia, na prática da psicoterapia, entende que a pessoa não é algo a ser decifrado, mas uma rica experiência única e singular a ser compreendida, que vai se revelando a cada encontro, a cada momento se abre para descrever sua realidade tal como experimenta e sente. Com isso, vamos estabelecendo uma compreensão da pessoa que parte da própria pessoa, e não de um conceito externo à pessoa.

Cada pessoa tem seu tempo e seus modos de se revelar, por isso é importante respeitar o tempo e os modos de expressar de cada um, estando aberto para receber o esta que nos apresenta, por isso a abertura é uma condição fundamental. Trata-se de uma postura que valoriza a singularidade e a liberdade dos distintos modos de ser de cada indivíduo, buscando reconhecer a pessoa tal como se mostra e como deseja ser, e não como interpretamos ou esperamos que ela seja.