Antidiagnóstico e antipsiquiatria contra a patologização

Cena do filme 'Um estranho no ninho', 1975

A psiquiatria tradicional parece se preocupar mais em dar nomes às doenças mentais do que cuidar da pessoa em sofrimento emocional. A postura antidiagnóstica é contrária à tendência de nomear doenças e tratar como se elas tivessem autonomia independente das pessoas, ao mesmo tempo que faz uma crítica com relação à exclusão social daquele que é diagnosticado com algum transtorno.

Os diagnósticos psiquiátricos rotulam e estigmatizam as pessoas, contribuindo para a discriminação dos indivíduos categorizados com transtorno, que apresentam uma visão redutora e simplista do sofrimento emocional e da complexidade da experiência humana. A psiquiatria tradicional medicaliza o enfermo, escamoteando as condições de produção de seu sofrimento - as questões econômicas, sociais, familiares e culturais, impedindo uma atuação sobre as verdadeiras causas.

Além disso, a maioria dos diagnósticos psiquiátricos não possuem uma base científica sólida, muitos dos transtornos mentais são estabelecidos com base em critérios subjetivos e não por meio de marcadores biológicos ou testes objetivos. O tratamento costuma se direcionar apenas para os sintomas percebidos, e não para as suas causas subjacentes. Por isso, é necessário compreender o contexto social, histórico, cultural e psicológico de produção do sofrimento emocional de cada pessoa.

"Antidiagnóstica seria a luta contra a tendência a dar nomes a doenças como se elas tivessem autonomia e contra a exclusão do indivíduo da sociedade pelo diagnóstico, que o impede de se integrar à 'normalidade'. A mãe, o pai e parentes, de um lado, induzem à alienação do enfermo, estigmatizado pelo diagnóstico; de outro, ele próprio se afasta e se alieniza ao sentir-se rejeitado. Há casos em que os doentes são escondidos pelos pais para não passarem pela vergonha de ter um louco na família."
(Elso Arruda, em 'Antidiagnóstico e antipsiquiatria')

Qualquer prática em psiquiatria que responde ao sofrimento de uma pessoa por meio de um diagnóstico, identificando esta pessoa numa doença ou num transtorno, não abre uma perspectiva nova para seu sofrimento nem amplia seus modos de existência e resistência. Pelo contrário, a coloca no estigma de um transtorno e reduz suas possibilidades de atuação sobre seu sofrimento. O diagnóstico psiquiátrico atesta um certificado de insanidade, que pode inclusive excluir a pessoa do convívio social.

O estigma dos transtornos mentais pode levar à discriminação e exclusão social, trata-se de uma marca que gera uma desaprovação com relação às normas culturais, podendo resultar em isolamento, dificuldades em relacionamentos pessoais e profissionais. Pode afetar a autoimagem e a autoestima das pessoas diagnosticadas com transtornos mentais, podendo gerar sentimentos de vergonha, culpa e inadequação, diminuindo a autoconfiança e a motivação para buscar tratamento e apoio.

Há muitos casos onde as pessoas deixam de procurar um tratamento adequado por conta do medo de serem rotuladas, julgadas ou rejeitadas, gerando um agravamento do sofrimento emocional e um impacto negativo na qualidade de vida. Isso pode também afetar relacionamentos com amigos, familiares e colegas, levando a sentimentos de isolamento, solidão, depreciação e rejeição, fazendo com que se sintam inferiores e incapazes por conta de seu transtorno.

"<Quando um alienado fala>, diz um psiquiatra, <chego rapidamente a classificá-lo numa categoria nosográfica. O saber sobre a doença me protege. A formação psiquiátrica prepara-me e blinda contra toda sensibilidade inútil>".
(Elso Arruda, em 'Antidiagnóstico e antipsiquiatria')

A pessoa que recebe um diagnóstico pode atribuir o transtorno à sua personalidade e identidade, por um lado pode se orgulhar de sua importância, mas logo percebe que as pessoas que a cercam sentem pena e repulsa. Na realidade, ninguém tem psicose ou esquizofrenia, essas categorias psiquiátricas correspondem apenas a uma leitura possível acerca de um conjunto específico de comportamentos manifestos. As pessoas vivenciam situações e relações difíceis, e reagem de acordo com tais circunstâncias.

É fácil descrever condutas, nomear e categorizar, difícil é compreender uma pessoa em sua complexidade, em sua relação consigo mesma, com as outras pessoas, com a história e com suas experiências, mutável a cada instante. O diagnóstico, do modo como é geralmente utilizado, não corresponde à experiência ou ao sofrimento de uma pessoa, mas utiliza termos pomposos para relacionar algumas manifestações comportamentais percebidas com um transtorno, sem tomar contato com a singularidade de uma existência.

De modo geral, a loucura nos é apresentada como algo perigoso, o louco enquanto alguém que não sabe o que faz, como se fosse infantil ou incapaz, parecendo uma criança, ou como alguém com total ausência de controle de si, como se estivesse possuído. Por razões não-médicas, mas morais, ideológicas e políticas, o "louco" é rejeitado, tal como os antissociais e os rebeldes, por um estigma social que sustenta os saberes e práticas psiquiátricas e psicológicas.

A antipsiquiatria é um movimento crítico com relação às práticas e postura da psiquiatria tradicional, que coloca em questão a concepção conservadora da sociedade e da psiquiatria sobre a loucura, criticando as instituições alienantes, os fundamentos da prática psiquiátrica e do poder médico, num protesto contra a medicalização e o monopólio do saber médico, contrariando também as atuações adaptativas e impositivas.

Por conta dessas críticas, a antipsiquiatria propõe uma escuta aberta e paciente da pessoa em sofrimento, se colocando em favor da pessoa em sofrimento emocional, contrário a qualquer forma de violência institucional, entendendo a saúde mental enquanto uma questão psicossocial, dando à saúde mental a mesma importância da saúde física, tratando das instituições mais do que dos doentes e considerando a cura um processo "normal" que devemos a todo custo proteger e não impedir.

Do mesmo modo que se fala dos direitos do ser humano à saúde, também poderíamos pensar no direito do ser humano ser louco e compor novos modos de vida. Para isso, é necessário revolucionar o ensino médico, de modo a modificar as percepções e as disposições com relação à loucura e ao louco. Talvez assim possamos colaborar para cuidar do sofrimento emocional e da pessoa de uma maneira mais respeitosa e libertária.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referência:
ARRUDA, Elso. Antidiagnóstico e antipsiquiatria. Comunicação ao X Congresso Nacional de Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental - Recife, 1971. Arq. bras. Psic. apl., Rio de Janeiro, 24(4):55-68, out/dez. 1972.