Psicologia da representação e psicologia da diferença

Pretendo aqui refletir brevemente sobre as noções representação e diferença na filosofia de Deleuze, relacionando com a psicologia, estabelecendo uma distinção entre a psicologia da representação, da conservação, da identificação, da unidade e da manutenção; e a psicologia da diferença, da singularidade, da mudança, da desidentificação, da multiplicidade e da criação.

O filósofo francês Gilles Deleuze aponta uma distinção entre a filosofia da representação e a filosofia da diferença. A filosofia da representação é aquela que busca uma identidade, constância e unidade, enquanto a filosofia da diferença se abre para a multiplicidade, a impermanência, a invenção e a inconclusão. Com este entendimento, Deleuze pretendia libertar a diferença dos aprisionamentos da representação.

Uma tendência muito presente em distintas abordagens de psicologia consiste em buscar no discurso de uma pessoa tudo aquilo que é constante e que se repete, visando compor uma representação sobre a pessoa, com uma certa unidade, constância e coerência, montando uma imagem a partir do que se percebe de constante, deixando de lado tudo aquilo que difere desta representação.

Esta prática visa estabelecer associações apenas com aquilo que há de semelhante no discurso, compondo uma "identidade" da pessoa. Apesar de ser uma muito frequente na psicologia, trata-se de uma prática simplória e distorcida, pois se atém apenas ao que há de frequente, identificando a pessoa nas repetições, deixando de lado suas mudanças, inconstâncias e diferenciações.

"Não se deve pensar o ser como oposto ao devir, ou como oposto ao múltiplo, a necessidade como oposta ao acaso, ou, de modo geral, a identidade como oposta à diferença. É a filosofia da representação que considera o devir algo que deve ser reabsorvido no ser, o múltiplo no um, o acaso na necessidade, ou a diferença na identidade."
(Roberto Machado, em 'Deleuze, a arte e a filosofia')

Visando compor uma imagem coesa sobre a pessoa em análise, a psicologia da representação leva em conta apenas algumas de suas características, que aparecem com mais frequência em seu discurso, entendendo que estas compõem uma "personalidade", elaborando assim um conceito sobre a pessoa, deixando de lado suas diferenças e peculiaridades, tudo aquilo que diferencia da identidade estabelecida.

O pensamento da representação se inicia com Platão (428-347 a.C.) com sua filosofia dualista, que separa o mundo experienciado, entendido por "mundo aparente", do mundo da representação e idealização, entendido por "mundo das ideias". Este dualismo gerou enormes consequências no pensamento ocidental, dividindo o mundo aparente, sensível, mutável e das cópias; do mundo das ideias, inteligível, imutável, original, das essências, da pureza da ideia e do modelo.

Porém, esse pensamento conceitual deixa de lado tudo aquilo que é "não-idêntico". O pensamento da representação subordina a diferença à repetição e identidade. Essa perspectiva não consegue acessar as diferenças, as singularidades e a impermanência. Sua busca por constância e unidade deixa de captar os rompimentos e transgressões, e as condições potenciais para tais atitudes. Por se apoiar nas repetições, não consegue encarar diferenças.

"Todo conceito surge da postulação da identidade do não-idêntico. Assim como é evidente que uma folha não é nunca completamente idêntica à outra, é também bastante evidente que o conceito de folha foi formado a partir do abandono arbitrário destas características particulares e do esquecimento daquilo que diferencia um objeto de outro."
(Nietzsche, em 'Verdade e mentira no sentido extramoral')

A psicologia da representação consiste numa prática que ignora tudo aquilo que difere no discurso de uma pessoa. Que difere do que? De uma pretensa "unidade", "identidade", "personalidade" e "constância", estabelecida pela suposição da existência de uma identidade permanente, que o ser humano seja uno e não múltiplo, enfim, que haja uma constância, ao invés de inconstância nos modos de ser, agir e viver de uma pessoa.

Esse ideal de identidade, desconsidera que no discurso de uma pessoa sobre si mesma sempre há cortes, transgressões, subversões e diferenças. Essas singularidades são deixadas de lado por uma análise que busca apenas as regularidades, que visa compor uma unidade discursiva e uma identidade. Essa análise elimina, enfraquece, diminui e empobrece as diferenças de uma pessoa, negando sua mudança e o devir.

Na realidade, nas experiências de vida de uma pessoa há sempre constâncias, mas há também diferenciações e inconstâncias. A psicologia da representação busca apenas identificar as constâncias e compor uma imagem da pessoa por meio dessas constâncias. Isso é muito prejudicial na prática, aliás carrega um olhar simplista, determinista, restritivo, conservador e enfraquecedor.

Por não tomar contato com as características singulares de uma pessoa, o pensamento representacional é simplista. Por acreditar que a pessoa sempre foi e será do mesmo modo, esse pensamento é determinista, crendo ser capaz de prever seu comportamento futuro. Por se firmar apenas no que se repete, acaba sendo também restritivo, pois busca apenas as semelhanças do que é desigual. E por pretender manter a pessoa na representação sobre ela, é conservador, pois enfraquece seu potencial de transformação.

Diferente dessa perspectiva, podemos pensar uma psicologia da diferença, que escuta o discurso de uma pessoa evidenciando as suas diferenças, singularidades, rupturas e transgressões. Assim, não buscamos identificar como a pessoa "é", enquanto uma unidade, entidade ou definição determinista, mas a percebemos como um devir, um ser em constante transformação, constantemente deixando de ser algo para se tornar outro.

Neste sentido, o terapeuta deixa de ser aquele que "identifica" a pessoa, que encontra seus "segredos ocultos", mas aquele que possibilita que esta se perceba em suas peculiaridades e diferenças, para fazer algo novo, criativo e salutar de si, fazendo de sua prática um espaço de diálogo, reflexões e experimentações, aberta e livre. Destaca a importância da mudança, da transformação e das diferenças na experiência de vida de uma pessoa, temas ignorados pela psicologia representação.

Portanto, temos uma psicologia da constância e da repetição, e uma psicologia da diferença e da criação. Se a terapia é um processo, um espaço que implica transformações, nada mais interessante que tomar contato justamente com essas fissuras, esses rompimentos e transgressões na experiência de vida de uma pessoa. Uma psicologia da diferença seria, portanto, uma psicologia do devir e da indefinição.

Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
JAMES, William. Pós-estruturalismo. Tradução: Caio Liudvik. 2 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
MACHADO, Roberto. Deleuze, a arte e a filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
NIETZSCHE, Friedrich. Sobre verdade e mentira no sentido extramoral. Tradução: Fernando de Moraes Barros. São Paulo: Hedra, 2007.