Influências da fisiologia na psicologia


A psicologia é uma área de estudo que surge da filosofia, porém no século XIX começa a ter influências da fisiologia, o que marcou sua adesão a um projeto de ciência independente. Neste período, os fisiólogos começaram a estudar a anatomia do sistema nervoso, constatando que as fibras nervosas compunham estruturas separadas, os neurônios, que se uniam ou entravam em contato em pontos de sinapses.

Pierre Flourens (1794-1867), professor do Collége de France, de Paris, separou várias partes do cérebro e da medula espinhal e observou suas relações, entendendo que o cérebro controla os processos mentais superiores; as partes do mesencéfalo são responsáveis pelos reflexos visuais e auditivos; o cerebelo controla a coordenação, e o bulbo raquidiano controla as batidas do coração, a respiração e outras funções vitais.

Essas descobertas estavam relacionadas com a concepção mecanicista e materialista sobre os seres humanos. Pensava-se que o sistema nervoso, assim como a mente, era formado por estruturas atomísticas que se combinavam para gerar algo mais complexo. Essa concepção mecanicista era muito presente na Europa durante o século XIX, em especial na Alemanha.

Na década de 1840, um grupo de cientistas jovens acreditavam que todos os fenômenos, incluindo os da matéria viva, poderiam ser explicados em termos físicos. Eles afirmavam que as únicas forças ativas no organismo eram as forças físico-químicas comuns, formando o núcleo da fisiologia, embasada no materialismo, no mecanicismo, no empirismo, na experimentação e na medição.

A filosofia apresentava uma concepção mecanicista sobre o corpo humano e os cientistas faziam testes experimentais para entender como funcionavam os mecanismos fisiológicos. Os experimentos tinham como intuito quantificar o funcionamento da mente e do corpo humano. Aos poucos a psicologia foi se distanciando da filosofia, se aproximando mais da fisiologia.

Ernst Weber (1795-1878), professor de anatomia e fisiologia da Universidade de Leipzig, na Alemanha, aplicou os métodos experimentais da fisiologia a problemas de natureza psicológica, com interesse especial sobre os órgãos sensoriais. Um de seus estudos foi sobre o limiar de dois pontos de discriminação da pele e a diferença apenas perceptível detectada pelos músculos.

Nesta sua pesquisa, ele constatou a distância entre dois pontos necessária para que o indivíduo possa relatar que teve duas sensações distintas. Os sujeitos eram solicitados a contar se sentiam um ou dois pontos da pele ao ser tocados. Quando os dois pontos estavam próximos um do outro, os sujeitos relatavam uma sensação de que só um ponto era tocado. Com o aumento da distância entre os dois estímulos, eles se mostravam incertos se sentiam uma ou duas sensações. Por fim, foi alcançada uma distância na sensação.

Esse procedimento demonstrou o limiar no qual os dois pontos de estimulação poderiam ser distinguidos. Em outras pesquisas, ele demonstrou que esse limiar de dois pontos varia em diferentes partes do corpo do mesmo sujeito. Seu trabalho foi experimental, em condições controladas ele introduzia variações nos estímulos e registrava os efeitos diferenciais na experiência que cada sujeito que relatava. Seus experimentos estimularam muitas pesquisas e a importância do experimento.

Seus experimentos marcaram uma mudança fundamental no objeto de estudo da psicologia, passando a associar a psicologia às ciências naturais, abrindo caminho para o as pesquisas experimentais com relação ao estudo da mente.

Gustav Theodor Fechner (1801-1887) estudou medicina na Universidade de Leipzig, na Alemanha, onde assistiu a palestras de Weber sobre a fisiologia, porém se incomodava com a visão materialista de seus professores. Ele compreendeu que um aumento na intensidade do estímulo não produz o mesmo aumento na intensidade da sensação, ao invés disso, o estímulo é caracterizado por uma série geométrica, enquanto uma série aritmética caracteriza a sensação.

O acréscimo do som de uma sineta ao de outra que já está soando produz um aumento maior na sensação do que a adição de uma sineta a dez outras que já estejam tocando. Logo, os efeitos das intensidades do estímulo não são absolutos e sim relativos à quantidade de sensação que já existe. Com isso, ele demonstrou que a quantidade de sensação depende da quantidade de estímulo.

Para medir a mudança na sensação, temos de medir a mudança do estímulo. Logo, é possível relacionar quantitativamente os mundos mental e material. Fechner foi além da separação entre mente e corpo, vinculando estes empiricamente e propôs duas maneiras de medir sensações: primeiro determinamos se um estímulo está presente ou ausente, se é sentido ou não; segundo, medir a intensidade do estímulo a partir da qual o sujeito relata a primeira sensação.

Hermann von Helmholtz (1821-1894), pesquisador no campo da física e da fisiologia, trabalhou ao lado do de Fechner e Wundt. Ele investigou os músculos oculares externos e o mecanismo mediante o qual os músculos oculares internos fazem a acomodação do cristalino. Além disso, também realizou pesquisas sobre a velocidade do impulso nervoso, a visão e a audição.

Antes dele, pensava-se que o impulso nervoso fosse instantâneo. porém ele apresentou a primeira medida empírica da velocidade de condução ao estimular o nervo motor e o músculo correspondente da perna de uma rã, num experimento feito de modo a ser possível registrar o momento preciso da estimulação e o movimento resultante. 

Ele registrou o intervalo entre a estimulação do nervo próximo ao músculo e a resposta deste último, fazendo o mesmo para a estimulação mais afastada do músculo. O resultado da descoberta de Fechner foi o desenvolvimento de um programa de pesquisa no campo que veio a chamar de psicofísica, o relacionamento entre os mundos mental e material.

Por conta da pesquisa de Fechner, que mostrou aplicabilidade em questões psicológicas, Wilhelm Wundt (1832-1920) concebeu sua psicologia experimental, voltando-se para a fundação de uma nova ciência, interessado em promover a psicologia como ciência independente. Embora se considere Wundt o fundador da psicologia, essa ciência se desenvolveu, por uma série de esforços de filósofos e fisiologistas.


Referências:
CARPIGIANI, Berenice. Psicologia: das raízes aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Pioneira, 2000.
SCHULTZ; SCHULTZ. História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cultrix, 1992.
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