Existencialismo e Humanismo: semelhanças e diferenças

Homem Vitruviano, Leonardo Da Vinci, 1490

Existencialismo é uma vertente de filosofia que busca compreender a existência humana em seus aspectos singular, concreto e histórico, que se desenvolveu na Europa, entre os séculos XIX e XX. Entende que a existência precede a essência, ou seja, que nos constituímos por meio de nossa existência concreta e por nossas escolhas, onde não há uma essência prévia que nos defina.

A filosofia existencialista tem como foco a existência humana, entendendo esta resultante das escolhas que uma pessoa faz em sua vida e da relação que estabelece com os outros, com os objetos e espaços, segundo suas condições e limites. Atribui grande valor à liberdade, onde cada indivíduo é livre para fazer escolhas e responsável pelas escolhas que fizer, pois a todo momento temos de escolher o que fazer de nossa existência, ou do que fizeram de nós.

Humanismo foi um movimento intelectual e cultural que surge inicialmente no século V a.C., com os sofistas, mas se destaca no período do Renascimento, entre meados do século XIV até o final do século XVI. Contrário à Filosofia Medieval, que tomava Deus como uma autoridade superior, passou a priorizar o ser humano enquanto figura a ser valorizada e centro de suas reflexões.

Neste período, o ser humano começou a ser representado com destaque nas obras de arte, na literatura e na ciência, destacando a razão e a dignidade de cada pessoa, buscando meios para sua realização. O humanismo entende o ser humano enquanto criador de si mesmo e tende a entender que as pessoas são naturalmente boas.

A psicologia existencial se inicia por volta das décadas de 1920 e 1930, na Europa, com os psiquiatras suíços Ludwig Binswanger e Medard Boss, ambos influenciados pela filosofia existencial e pela fenomenologia de Martin Heidegger. A análise existencial e fenomenológica da existência humana tinham como intuito reconstruir o mundo interno da experiência dos indivíduos.

A psicologia humanista surge entre as décadas de 1950 e 1960, na América do Norte, como uma reação contra o determinismo das abordagens comportamentais e a rigidez da psicanálise ortodoxa, com influências da teoria de campo de Kurt Lewin, do existencialismo e da fenomenologia, representada por distintas vertentes e autores, entre eles Abraham Maslow, Gordon Allport, Carl Rogers e Erich Fromm.

Os psicoterapeutas humanistas valorizam o respeito pela pessoa tal como ela se apresenta, acreditando no potencial do indivíduo um para lidar e superar suas dificuldades. O principal foco desta abordagem é a relação, entendendo que a existência humana se constitui num contexto interpessoal, na relação com outros seres humanos.

A abordagem existencial e a humanista costumam ser confundidas por possuírem semelhanças que as aproximam, porém, há também diferenças que as distanciam, inclusive pontos contraditórios, que merecem ser destacados.

Semelhanças

Tanto as abordagens existencialistas quanto as humanistas entendem o ser humano em permanente transformação, sendo ele o centro de valoração para suas escolhas, livre para escolher e responsável pelas escolhas que fizer em sua vida. De modo geral, ambas questionam e contrariam as abordagens comportamentais e psicanalíticas, entendendo o ser humano mais complexo que seus comportamentos e o inconsciente.

Além disso, ambas rompem com o conceito de sujeito cartesiano, o "penso, logo existo" (de René Descartes), que prioriza a razão sobre as emoções e divide o ser humano em "mente" e "corpo". Ambas entendem o ser humano como racional e emocional, reconhecendo e valorizando seus aspectos emotivos.

Diferenças

Enquanto o humanismo toma o ser humano como fim nele mesmo e valor supremo, entendendo que deve buscar em si mesmo seus valores e identificações, no existencialismo cada indivíduo está sempre se projetando para fora de si mesmo para encontrar seu significado e constituir sua existência, nunca tomando o ser humano como fim, pois ele está sempre por se fazer a si mesmo.
"Não é em algum retiro que nós nos descobrimos: é na estrada, na cidade, em meio da multidão, como coisa entre coisas, como homem entre homens."
(Jean-Paul Sartre, em 'Situações I', 1947)
Diferente do contexto da Europa no período entre-guerras, onde se desenvolve o existencialismo, o humanismo se intensifica na América do Norte, no período do "New Deal", um período de crescimento econômico e mais esperançoso. Por conta disso, o existencialismo é muitas vezes associado à angústia e ao absurdo, diferente do otimismo presente no pensamento humanista.

Com relação ao tema da liberdade, tanto o existencialismo como o humanismo entendem que toda pessoa é livre para fazer escolhas. Para o humanismo isso representa algo positivo e até um privilégio da experiência humana, porém na perspectiva existencialista, a liberdade nem sempre é boa, mas muitas vezes um drama e até um fardo, segundo as palavras de Sartre, o homem está "condenado" a ser livre.

Na questão dos valores, o humanismo possui uma tendência de crer que toda pessoa seja "boa" por natureza, e que uma pessoa "ruim" foi impedida de ser boa. Já para o existencialismo, o ser humano não é bom nem mau por natureza, pois não parte da concepção de natureza humana, mas da "condição humana", portanto a pessoa "má" escolheu ser "má", enquanto a pessoa "boa" escolheu ser "boa".

Além disso, no existencialismo os valores de "bom" ou "ruim" não são fixos, mas dependem de cada indivíduo que atribuiu o valor segundo suas experiências, crenças e sentimentos. Deste modo, não há um "bom" em si, nem um "mau" em si, mas escolhas que cada um faz e as julga como "boas" ou "ruins", e isso varia de uma pessoa para outra.

Sobre o desenvolvimento pessoal, os humanistas defendem que o ser humano tende a descobrir as potencialidades que lhes são inerentes, já os existencialistas, partem da concepção que a "existência precede a essência", portanto acreditam que cabe a cada pessoa criar e escolher suas potencialidades, neste sentido a pessoa não vai de encontro consigo mesma, mas a escolhe e constitui a si mesma.
"Os teóricos de auto-realização (humanistas) falam de descoberta do eu; os existencialistas, de criação do eu."
(Tereza S. Erthal, em 'Terapia Vivencial', 1999)
A abordagem chamada "existencial-humanista" corresponde a uma tentativa de unir pressupostos das duas vertentes, de modo a compor um corpo teórico e possibilitar uma prática terapêutica, considerando o ser humano livre para fazer escolhas, com uma tendência para sua realização. Porém, alguns autores criticam este termo, por associar duas concepções que possuem divergências nos modos de compreender a existência humana.

O filósofo Jean-Paul Sartre, em seu texto 'O existencialismo é um humanismo', deixa claro a distinção entre o humanismo existencialista e o humanismo renascentista, que acabou sendo adotado por grande parte dos teóricos e filósofos norte-americanos. Para o existencialismo, o homem não precisa voltar para dentro de si, pois ele é nada, e sempre se volta para fora de si, pois ele não é um ser fechado em si, mas constantemente aberto para o mundo, na relação com os espaços, objetos e pessoas.
"(...) há um outro sentido de humanismo, que significa no fundo isto: o homem está constantemente fora de si mesmo, é projetando-se e perdendo-se fora de si que ele faz existir o homem e, por outro lado, é perseguindo fins transcendentes que ele pode existir; sendo o homem esta superação e não se apoderando dos objetos senão em referência a esta superação, ele vive no coração, no centro desta superação. Não há outro universo senão o universo humano, o universo da subjetividade humana. É a esta ligação da transcendência, como estimulante do homem — não no sentido de que Deus é transcendente, mas no sentido de superação — e da subjetividade, no sentido de que o homem não está fechado em si mesmo mas presente sempre num universo humano, é a isso que chamamos humanismo existencialista. Humanismo, porque recordamos ao homem que não há outro legislador além dele próprio, e que é no abandono que ele decidirá de si; e porque mostramos que isso não se decide com voltar-se para si, mas que é procurando sempre fora de si um fim — que é tal libertação, tal realização particular — que o homem se realizará precisamente como ser humano."
(Jean-Paul Sartre, em 'O existencialismo é um humanismo')

Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
CARPIGIANI, Berenice. Psicologia: das raízes aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Pionera Thomson Learning, 2002.
ERTHAL, Tereza Cristina S. Terapia Vivencial: Uma abordagem existencial em psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1989.
SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Petrópolis: Vozes, 2014.