A existência precede a essência - Sartre


Para o filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), principal representante do existencialismo, os modos de ser, agir e sentir de uma pessoa não estão inscritos numa essência prévia, antes mesmo de sua existência, mas surgem e se transformam na própria existência.

A palavra essência vem do latim "essentia", que significa o que compõe uma coisa ou um ser, ou seja, as propriedades imutáveis que caracterizam sua natureza. Corresponde a algo que vem antes mesmo da aparição do ser, ao mais básico, fundamental e importante, que caracteriza um ser ou uma coisa.

Segundo o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), essência é o conjunto de qualidades e atributos que caracterizam a natureza própria de uma coisa ou de um indivíduo, em oposição às alterações e mudanças que possam ocorrer em seus modos de se mostrar.

Neste entendimento, a essência de uma pessoa seria o conjunto de características que estariam inscritas nela antes mesmo de sua existência, de modo que sua existência seria uma efetivação de uma essência já determinada previamente. Trata-se, portanto, de uma concepção metafísica sobre as características originárias das coisas e dos seres.

Sartre propõe uma revisão sobre este entendimento, comentando sobre a diferença entre os objetos e as pessoas. Para ele, um objeto é fabricado de acordo com um conceito de quem o fabricou, tendo um intuito, objetivo e utilidade definida, antes mesmo de sua existência concreta. Este objeto possui, portanto, uma essência prévia.

A essência de um objeto precede a sua existência, pois ele será fabricado com base no que irá se tornar, em qual será sua função. Porém, o filósofo entende que com o ser humano há uma diferença, o ser humano não foi fabricado por alguém com um objetivo específico, mas cada pessoa surge no mundo e atribui a sua vida os sentidos que surgirem em sua existência concreta e singular.
"Que significa, aqui, que a existência precede a essência? Significa que o homem existe primeiro, se encontra, surge no mundo, e se define em seguida. Se o homem, na concepção do existencialismo, não é definível, é porque ele não é, inicialmente, nada. Ele apenas será alguma coisa posteriormente, e será aquilo que ele se tornar. Assim, não há natureza humana, pois não há um Deus para concebê-la."
(Sartre, em ‘O existencialismo é um humanismo’)
A essência de uma pessoa é constituída por conta sua existência, em meio as suas escolhas e vivências. Não há uma essência que determine previamente os modos de existir, enquanto a existência não define, apenas oferece possibilidades sobre o que poderá se tornar.

No entendimento do existencialismo, a existência é resultante das escolhas que fazemos e das condições em que estamos inseridos. O termo existência vem do latim "ex-sistere", que significa projetar-se para fora, no sentido de sair de um domínio, de uma casca ou de um esconderijo, representando a ação de mostrar-se e colocar-se no mundo.

Quando nos colocamos, expressamos nossa existência, nossos modos de ser singular. E como não há uma essência prévia que determine o modo como vamos nos tornar, podemos escolher a todo momento o que fazer de nossa vida. É o modo como vivemos e fazemos escolhas que constituímos a nossa existência.

Encarar a existência como fruto de nossas escolhas é nos perceber como seres livres para fazer escolhas, ao invés de determinados por uma essência prévia. E por sermos livres, somos responsáveis pelo que fazemos de nós mesmos, de modo que nossas escolhas caracterizam nossa existência.
"Mas se realmente a existência precede a essência o homem é responsável pelo que é. Assim, a primeira decorrência do existencialismo é colocar todo homem em posse daquilo que ele é, e fazer repousar sobre ele a responsabilidade total por sua existência."
(Sartre, em ‘O existencialismo é um humanismo’)
A existência, nesta concepção, não é estática, mas se desenvolve e se transforma segundo as experiências e escolhas que fazemos. Assim, nossa identidade é continuamente criada e renovada. Cada pessoa desenvolve sua existência de acordo com suas vivências, num constante vir-a-ser.

Estamos sempre em transformação, fazendo novas escolhas, buscando novos caminhos e reconstruindo a nós mesmos a cada instante, criando, recriando e encontrando novos sentidos para nossa vida. Por isso mesmo não há como conceber no ser humano uma essência prévia que o determine, pois só podemos nos definir por meio de nossa existência, e essa definição está sempre em processo.
"O homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e somente depois se define."
(Sartre, em 'O existencialismo é um humanismo')

Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
PENHA, João da. O que é Existencialismo. São Paulo: Brasiliense, 2014.
REYNOLDS, Jack. Existencialismo. 2 ed. Vozes: Petrópolis, RJ, 2014.
SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Petrópolis: Vozes, 2014.


Textos complementares: