Existência e Essência: diferenças

(A Traição das Imagens, René Magritte, 1929)

Na história da filosofia ocidental há um predomínio da perspectiva essencialista sobre a existencialista, quanto ao entendimento de ser humano. O essencialismo entende que todo ser existente possui uma essência anterior a existência, que determina sua existência. Conhecer algo, seria conhecer em essência, e não a existência, que seria transitória e impermanente.

Essência, vem do latim "essentia", que significa algo anterior, que compõe uma coisa, corresponde às propriedades imutáveis que caracterizam um objeto ou um ser. É entendida como os elementos ou fundamentos que constituem uma coisa ou uma pessoa, características eternas e imutáveis, que atribuem uma identidade e unidade, sendo uma concepção metafísica sobre as coisas.

Portanto, a essência seria o que há de mais básico, fundamental e importante, que caracteriza um ser ou uma coisa. Para o filósofo grego Aristóteles (séc. IV a.C.) a essência seria o conjunto de qualidades e atributos universais que caracterizam a natureza própria de um indivíduo concreto, em oposição às alterações de suas características que possam ocorrer.

A exaltação da essência refere-se a uma busca pela unidade e regularidade, por verdades fixas e imutáveis sobre as coisas, entendendo que o aparente e sensível é transitório, e não oferece segurança. Trata-se, portanto, do uso da razão para sustentar valores eternos metafísicos. Uma distinção de perspectiva que vem desde o embate entre mudança e permanência, com Heráclito e Parmênides, por volta do século VII a.C.

Diferente desta concepção é a perspectiva existencialista, que entende que a existência humana é mutável e transitória, se constituindo na relação com os outros, com as coisas e com os espaços, relação esta demarcada historicamente. Portanto, não há nada de fixo, imutável, ou eterno, no ser humano, de acordo com o existencialismo. Por isso a existência é entendida enquanto um projeto, um vir-a-ser, que se constrói a cada escolha livre.

Jean-Paul Sartre, em 'O Existencialismo é um Humanismo', comenta sobre a diferença entre os objetos e as pessoas. Segundo ele, um objeto é fabricado de acordo com um conceito de quem o fabricou, com um intuito, objetivo e utilidade definida, possui uma essência que irá definir sua existência. Porém, com o ser humano é diferente, pois ele não foi fabricado por alguém com um objetivo definido, ele surge no mundo e atribui o sentido que escolher para sua vida, sua essência é constituída a partir de sua existência.

“A existência precede a essência.”
(Jean-Paul Sartre)

A palavra existência vem do latim "existere", que significa algo como um ser saído de outra coisa, trazendo a ideia de sair de um domínio, de uma casca ou esconderijo, representando a ação de mostrar-se ou colocar-se para fora.

Quando nos colocamos, expressamos nossa existência, nossa subjetividade e nosso modo de ser singular. A existência corresponde justamente à ação de se colocar no mundo, de fazer escolhas e se fazer por meio de experiências concretas.

Como não há uma essência prévia que determine o que devemos ser, podemos escolher o que vamos fazer de nossa vida. É a nossa existência concreta, ou seja, o modo como vivemos a nossa vida, que irá determinar a pessoa que vamos nos tornar.

"O homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e só depois se define."
(Jean-Paul Sartre)

Encarar a existência como fruto de nossas experiências de vida é entender a nós mesmos como seres livres para escolher os caminhos de nossa vida, ao invés de crer que sejamos determinados por uma essência prévia. E por sermos livres, somos responsáveis pelo que fazemos de nós mesmos.

A existência se desenvolve e se transforma conforme as experiências e escolhas que fazemos em nossa vida, e cada pessoa desenvolverá sua existência de seu modo, pois cada um de nós possui diferentes experiências de vida.

Além disso, a existência não é estática, mas algo mutável, ou seja, sempre estamos em transformação, e isso nos possibilita fazer novas escolhas, buscar novos caminhos, reconstruindo a nós mesmos a cada instante, criando e encontrando novos sentidos para a vida.

"Eu não aceito quaisquer fórmulas absolutas para viver. Nenhum código preconcebido pode ver à frente tudo o que pode acontecer na vida de um homem. Conforme vivemos, crescemos e nossas crenças mudam. Elas devem mudar. Assim, penso que devemos viver com esta constante descoberta. Devemos ser abertos para esta aventura em um grau elevado de consciência de viver. Devemos apostar nossa inteira existência em nossa disposição para explorar e experimentar."
(Martin Buber)

Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
COTRIM, G.; FERNANDES, M. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2013.
FOULQUIÉ, Paul. O Existencialismo. Tradução: J. Guinsburg. 3ª ed. São Paulo: DIFEL, 1975.
SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 2014.