Poder Disciplinar em Foucault

Tempos Modernos, Chaplin (1936)

Michel Foucault, em sua obra "Vigiar e Punir: o nascimento da prisão" (1975), oferece uma análise sobre a transição do poder soberano para o poder disciplinar, destacando a emergência desse fenômeno entre os séculos XVIII e XIX. Esse período foi marcado em diversos países da Europa pelo crescimento populacional e a necessidade de gerenciar e administrar muitas pessoas, com vistas a torná-las úteis para as demandas da sociedade capitalista em ascensão.

O poder disciplinar, segundo Michel Foucault (1926-1984), atua diretamente sobre os corpos dos indivíduos, manifestando-se em diversas instituições, como prisões, escolas, fábricas, igrejas e universidades. Conforme o filósofo, tal poder constitui uma técnica que utiliza os corpos dos sujeitos como ferramentas para se manter atuante. O resultado desse poder disciplinar é a produção de indivíduos dóceis e úteis, tomando seus corpos como alvo principal.

"A disciplina 'fabrica' indivíduos; é uma técnica de poder que considera os indivíduos como objetos e instrumentos de seu exercício."
(Foucault, em ‘Vigiar e punir’)

No poder disciplinar, há um controle minucioso, exaustivo e contínuo sobre as atividades dos corpos, visando torná-los úteis e dóceis, obedientes e submissos. O modelo disciplinar busca se apropriar ao máximo dos recursos humanos, analisando detalhadamente as atividades das pessoas no trabalho. Essa abordagem não se limita às fábricas, estendendo-se a lares, fazendas, igrejas, agências governamentais, entre outras instituições sociais.

Uma das maiores questões, neste momento, era de como aproveitar o máximo possível dos recursos humanos, gastando o mínimo. Para isso foi feita uma análise detalhada sobre as atividades das pessoas no trabalho, com isso foram estabelecidas as técnicas de controle de pessoas, que não afetam apenas as relações institucionais, mas se apropriam dos corpos das pessoas envolvidas, tornando o indivíduo efeito das relações de poder, sendo produzido técnicas de poder.

Dentro desse contexto disciplinar, diversas características são observadas. A distribuição celular dos indivíduos no espaço, conhecida como "arte das distribuições", visa particionar o ambiente em células individuais, utilizando paredes, portões e carteiras, evitando a ociosidade e garantindo a máxima utilidade, cada indivíduo num espaço. Outra estratégia consiste no controle das atividades corporais e gestos, como postura do corpo, posicionamento das mãos e dedos, visando explorar ao máximo as atividades, tornando estas práticas habituais, como se fossem "naturais".

"Embora a vigilância repouse sobre indivíduos, o seu funcionamento é o de uma rede de relações de cima para baixo, mas também, em certa medida, de baixo para cima e lateralmente."
(Foucault, em 'Vigiar e Punir')

Cada trabalhador ocupa um espaço específico dentro do processo de produção, tanto numa fábrica, como também na escola. Temos a divisão dos alunos numa sala de aula, organização dos lugares que cada um ocupa, a disposição organizada das carteiras, assim como nas fábricas e hospitais, cada um ocupa um espaço específico para melhor produzir sua atividade, visando sempre evitar a ociosidade, exigindo um progresso perpétuo em direção a um fim específico.

Ao invés de punir a ociosidade, o poder disciplinar se concentra num uso exaustivo do tempo, controlando a duração temporal das atividades, utilizando sinais e sons como alerta e indicação. A articulação com outros corpos, ou a "composição de forças", trata os indivíduos como elementos móveis a serem conectados com outros indivíduos, para combinar e maximizar a extração de suas forças, visando obter melhores resultados.

Deste modo, o poder disciplinar pode ser sintetizado como técnicas específicas de distribuição dos indivíduos, de controle das atividades e de composição de forças. Todas servindo para a produção de corpos dóceis, adestrados e úteis.

"A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência)."
(Foucault, em ‘Vigiar e punir’)

Os mecanismos do poder disciplinar incluem a visibilidade, a observação hierárquica, o julgamento normalizador e o exame. A arquitetura desse poder visa tornar os indivíduos visíveis, controlando sua conduta de maneira imperceptível. O panóptico, proposto por Jeremy Bentham em 1785, tornou-se um símbolo desse poder disciplinar, presente não apenas em prisões, mas em diversas configurações onde o comportamento deve ser imposto a uma multiplicidade de indivíduos.

No panóptico, cada cela é destinada a um preso, onde não há como ver se alguém os observa na torre central, garantindo o anonimato de quem está no centro. A luz de fora garante a visibilidade das celas, que permite uma avaliação perpétua sobre os presos, sendo assim uma máquina de sujeição e autos sujeição, onde cada pessoa passa a corporificar o mecanismo de poder. Essa configuração de poder é utilizada sempre quando uma forma particular de comportamento precisa ser imposta a uma multiplicidade de indivíduos.

A sociedade disciplinar é caracterizada pelo olhar normalizador, que julga conforme a norma, um padrão de comportamento que permite a diferenciação entre os "normais" e "anormais". O "normal" torna-se um princípio de coerção para "anormal" ou "desviante" da norma prevista. Desvios mínimos são punidos, onde a psicologia e a psiquiatria desempenham papéis cruciais no exame e na avaliação constante dos indivíduos, saberes construídos por conta do poder disciplinar e normalizador.

"Um saber, técnicas, discursos 'científicos' se formam e se entrelaçam com a prática do poder de punir."
(Foucault, em 'Vigiar e Punir')

O modelo de administração proposta pelo poder disciplinar destaca a ênfase na eficiência, no controle rigoroso das atividades e na distinção entre os operários "normais" e "anormais", visando sempre um aumento de produtividade e maior controle sobre os corpos. O constante monitoramento visa garantir a produção da quantidade proposta, revelando a aplicação prática do poder disciplinar na gestão dos recursos humanos.

A análise de Foucault sobre o poder disciplinar nos oferece uma compreensão de como as instituições configuram os indivíduos, controlando seus corpos e atividades para atender aos imperativos da eficiência e da ordem. Esse modelo disciplinar, presente em diversos aspectos da vida cotidiana, nos possibilita refletir sobre as dinâmicas de poder na sociedade e nas relações.

"O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior 'adestrar'; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. Em vez de dobrar uniformemente e por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia, leva seus processos de decomposição até às singularidades necessárias e suficientes. (...) A disciplina 'fabrica' indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício."
(Foucault, em 'Vigiar e punir')



Por Bruno Carrasco, terapeuta e professor, graduado em psicologia, licenciado em filosofia e pedagogia, pós-graduado em ensino de filosofia, psicoterapia fenomenológico-existencial e aconselhamento filosófico. Pensa as questões psicológicas a partir de um viés filosófico, histórico e social. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
CASTRO, Edgardo. Introdução a Foucault. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2014.
DÍAZ, Esther. A filosofia de Michel Foucault. São Paulo: Editora Unesp, 2012.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
TAYLOR, Dianna (org.). Michel Foucault: conceitos fundamentais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.