Subjetivação em Foucault

Subjetivação trata-se dos modos e das condições pelas quais o sujeito se torna sujeito, não entendendo este enquanto algo abstrato, universal ou eterno, mas histórico, contextual, social e geográfico. Para abordar esse processo, deixamos de lado uma perspectiva que entende a subjetividade como algo previamente determinado ou acabado, para entender esta enquanto algo construído, produzido, constituído, em processo de transformação constante, sempre em mutação.

Um dos pensadores que mais se dedicou sobre o tema da subjetivação, de como o sujeito se torna sujeito, foi o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), que chegou a afirmar, perto do final de sua vida, que o tema principal de suas investigações não era o poder, mas o sujeito, sendo este o eixo principal de seu percurso histórico-filosófico.

"Antes de tudo, queria dizer qual foi o objetivo de meu trabalho destes vinte anos. Não foi analisar os fenômenos de poder nem lançar as bases para esta análise. Antes, tratei de produzir uma história dos diferentes modos de subjetivação do ser humano em nossa cultura. (...) Não é, pois, o poder, mas o sujeito o que constitui o tema geral de minhas investigações"
(Foucault, em 'Ditos e Escritos')

Entendido de maneira totalmente distinta da noção de substância, forma ou identidade, o sujeito para Foucault é contrário a qualquer ideia de natureza humana, que tenha uma validade universal. O sujeito entende-se por aquele subordinado, que não é originário, mas efeito dos processos e práticas materiais e históricas, por isso Foucault não elabora uma teoria sobre o sujeito, mas uma analítica dos diversos modos de subjetivação, buscando tomar contato com a constituição histórica das diversas formas de sujeito.

O tema do sujeito e da subjetivação aparece mais presente em suas obras no final dos anos 1970 e em todo o período dos anos 1980, até seu falecimento, entendendo a subjetivação enquanto práticas de si, que acontecem numa ambiguidade entre o submetimento e a resistência. Uma de suas questões, neste período, era “como tornar-se sujeito sem ser sujeitado?” (Foucault, ‘Segurança, território e população’, 310p), onde as práticas de si não se constituem apenas por meio da relação da pessoa consigo mesma, mas envolvem práticas sociais, fazendo com que as pessoas se constituam mutuamente.

“Em primeiro lugar, penso efetivamente que não há um sujeito soberano, fundador, uma forma universal de sujeito que poderíamos encontrar em todos os lugares. Sou muito cético e hostil em relação a essa concepção de sujeito. Penso, pelo contrário, que o sujeito se constitui através das práticas de sujeição ou, de maneira mais autônoma, através de práticas de liberação, de liberdade.”
(Foucault, em ‘Ética, Sociedade, Política’)

A analítica da subjetivação pretende conceber como os sujeitos manejaram as condições culturais no passado, comparando com o modo como fazemos hoje, partindo de sujeitos históricos e geograficamente situados num tempo e local específico, recusando uma possível teorização do sujeito, visando pensar outros modos de subjetivação enquanto prática de liberdade. Por isso, sua analítica envolve uma relação ética, estética e política de si consigo, que não propõe um programa previamente estabelecido ou objetivos a serem alcançados, mas possibilita novas experimentações consigo mesmo e na relação com os outros.

A subjetividade, para Foucault, corresponde ao que estamos fazendo de nós mesmos, a relação do sujeito consigo mesmo, que acontece sempre num contexto, não entendendo o sujeito como algo originário ou dado, mas enquanto um processo em transformação, por isso seu foco era o estudo dos modos de constituição da subjetividade, com intuito de refletir criticamente sobre o processo de tornar-se sujeito.

Num primeiro momento, o sujeito é efeito do poder disciplinar, que regula o comportamento e o tempo, moldando as pessoas como devem ser, agir, sentir e pensar. As disciplinas criam um sujeito dócil e útil, que se fiscaliza a todo tempo para verificar se está cumprindo com o que lhe é esperado. Porém, a subjetividade não é apenas passiva, é também uma atividade que fazemos e reagimos, não somos meramente constituídos mas também nos constituímos, deste modo podemos pensar e fazer algo distinto de nós mesmos, encarando o “eu” como uma possibilidade de experimentação, indeterminado, num contínuo devir.

Neste sentido, a arte de tornar-se acontece num processo de não ser mais o que era, constituindo a cada momento uma nova relação do eu consigo e com os outros, caminhando para futuros desconhecidos e imprevisíveis. Assim, criamos mecanismos e encontramos dispositivos para resistir à normalização, por meio de práticas novas e distintas, questionando normas que nos são apresentadas como verdades últimas, ampliando nossas capacidades críticas e reflexivas.

Foucault investigou a história do sujeito, de como se constituiu sujeito num dado momento, de um certo modo e de acordo com circunstâncias específicas. A história do sujeito consistiu justamente numa história dos modos de subjetivação, de como o sujeito se tornou sujeito, as práticas de constituição do sujeito, de seus modos de objetivação, de como este se tornou sujeito, objeto de uma relação específica de saber e poder, relações estas que se transformaram historicamente, produzindo diversos modos de ser sujeito.

Em suas obras podemos distinguir três modos de entender a subjetivação e objetivação de seres humanos: a dos saberes, expressa na ciência, por meio da gramática ou da linguística, que dizem o que o sujeito é ou está sendo; os modos de subjetivação que dividem o sujeito por meio da relação que estabelece com outros sujeitos, entre enfermo ou saudável, louco ou são, criminoso ou bom; e, por fim, o modo como o sujeito se constitui sujeito a partir da sexualidade e das práticas de si.

"É preciso ‘reivindicar-se a si mesmo’, fazer valer seus direitos, os direitos que se tem sobre si mesmo, sobre o eu que se acha atualmente carregado de dívidas e obrigações das quais deve livrar-se, ou que está escravizado. Há pois que liberar-se, desobrigar-se."
(Michel Foucault, em 'A hermenêutica do sujeito')

Os modos de subjetivação são formas de atividades sobre si mesmo, que envolvem a relação consigo mesmo, as técnicas e procedimentos para elaborar tal relação e as práticas que habilitam o sujeito a se transformar em algo distinto. Em seus últimos trabalhos, Foucault considera que pensar e ser de outra maneira corresponde a elaborar outros modos de subjetivação, novas práticas de si, compor uma nova ética, uma outra relação consigo mesmo.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
CASTRO, Edgardo. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e autores. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: WWF, 2010.
FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
FOUCAULT, Michel. Uma estética da existência, 1984. Em: Ditos & Escritos Vol. V - Ética,
Sexualidade, Política. São Paulo: Martins Fontes, 2008.