Pedagogia tradicional e alienação

A pedagogia tradicional reproduz a ideologia e os interesses de uma classe dominante, conduzindo modos de vida e de se relacionar com as pessoas e nas atividades, exerce uma coerção sobre os estudantes para legitimar suas perspectivas. Essas práticas são altamente alienantes, pois distanciam o estudante de si mesmo, conduzindo este para a reprodução uma série de comportamentos, pensamentos e modos de vida em favor da perspectiva burguesa. 

Pretendo aqui fazer uma breve reflexão sobre o modelo pedagógico tradicional e suas implicações sociais e psicológicas, conscientizando sobre suas deficiências e de seu anacronismo, de modo a possibilitar outras maneiras de se pensar e realizar a atividade educativa. Não se trata de uma reflexão meramente teórica, mas uma proposição para se realizar algo concretamente.

Professores e alunos são diferentes, possuem realidades e valores de vida distintos, cultivam diferentes aspirações e interesses. O professor tradicional costuma ser um reprodutor de valores e modos de vida de um certo grupo social, mesmo que este não perceba, se distanciando das necessidades concretas e reais dos estudantes, acaba servindo à um sistema. A realidade, em seus paradoxos e conflitos, é mascarada por normas e regras de conduta.

Segundo Maria Luisa Fabra (1979), a pedagogia tradicional se baseia numa estrutura piramidal, onde se ensina do simples ao complexo, sendo incapaz de lidar com a complexidade, valorizando a memorização, onde organiza as informações por meio da repetição, dando importância ao esforço do aluno para "provar" que aprendeu, exercendo uma autoridade sobre o aluno, criando um ideal de "bom aluno", que é aquele que serve mais docilmente às ordens dos professores.

"Nossas escolas são construídas segundo o modelo das linhas de montagem. Escolas são fábricas organizadas para a produção de unidades biopsicológicas móveis, portadoras de conhecimentos e habilidades. Esses conhecimentos e habilidades são definidos exteriormente por agências governamentais a que se conferiu autoridade para isso. Os modelos estabelecidos por tais agências são obrigatórios, e têm a força de leis. Unidades biopsicológicas móveis que, ao final do processo, não estejam de acordo com tais modelos são descartadas. É a sua igualdade que atesta a qualidade do processo. Não havendo passado no teste de qualidade-igualdade, elas não recebem os certificados de excelência ISSO-12.000, vulgarmente denominados diplomas. As unidades biopsicológicas móveis são aquilo que vulgarmente recebe o nome de 'alunos'."
(Rubem Alves, em 'A Escola com que Sempre Sonhei sem Imaginar que Pudesse Existir')

Entre as características dessa prática estão o formalismo, a autoridade, a moral tradicional, a competição e a priorização da razão, negligenciando os sentimentos e diferenças de cada estudante. O conhecimento é entendido como algo estático e já pronto, a ser transmitido dos professores para os alunos de maneira meramente teórica, deixando de lado as vivências e experiências de cada estudante.‏

Na prática, este modelo de educação se difere muito da realidade vivencial dos alunos, e prepara os estudantes para um mundo que não existe. O professor que se coloca como mestre, que dita as regras do que é certo ou errado, assim forma alunos obedientes, pacatos e submissos. Assim as pessoas são formatadas e instutucionalizadas, não permitindo o desenvolvimento de sua criatividade e capacidades de maneira integral.

"(...) o educador imagina que serve ao saber e a quem ensina mas, na verdade, ele pode estar servindo a quem o constitui professor, a fim de usá-lo, e ao seu trabalho, para os usos escusos que ocultam também na educação – nas suas agências, suas práticas e nas idéias que ela professa – interesses políticos impostos sobre ela e, através de seu exercício, à sociedade que habita. E esta é a sua fraqueza."
(Carlos Brandão, em 'O que é educação')

O modelo de pedagogia tradicional serve a um mercado e a uma economia neoliberal, que procura constituir o homens e mulheres de acordo com as necessidades e interesses deste mercado. Assim, os modos de vida e os gostos da burguesia são ensinados como os certos, o capitalismo é ensinado como bom e libertário, mas sua prática é controladora, excludente e alienante.

A educação constrói indivíduos de acordo com as necessidades e os interesses da sociedade de um momento específico. Os professores reproduzem ideologias em favor da manutenção do "status quo". Neste modelo de educação não há discussão são formados seres apolíticos e acríticos. O aluno é negado pela escola ao entrar nela, servindo a toda uma dinâmica de regras, horáros e tarefas da instituição.

Os assuntos tratados na escola se diferem da realidade concreta e da experiência de vida dos estudantes. A pedagogia tradicional valoriza a quantidade de conhecimento memorizado e não a qualidade do que é realmente absorvido e utilizado. Trata-se de uma pedagogia que visa a manutenção de um modo de vida específico, que serva a pequenos grupos de pessoas.

"Homens e mulheres que vão para o trabalho, no qual empenham sua própria vida para gozo de outros; jovens que vão para a guerra para serem mortos, sabendo que vão morrer, até com certa satisfação, acreditando que vão defender a civilização ociental e cristã. E homens que se prestam ao papel de ensinar aos jovens que tudo isso é muito certo e muito justo."
(Leôncio Basbaum, em 'Alienação e Humanismo')

Na proposta tradicional, o aluno é um mero espectador, a educação serve para formar pessoas, a aula é diretiva, os alunos são vistos como ferramentas, o tratamento do professor é com ares de superioridade, a valorização é sempre da ordem e da moral, a escola é um ambiente burguês e o ensino meramente teórico, de memorização e reprodução do mesmo.

Numa proposta dialética, o aluno passa a ser tido como participante, a educação enquanto um ato transformador, a aula é uma relação de troca, os alunos são vistos como pessoas, com suas particularidades, o tratamento dos professores para com os alunos é de respeito e consideração, valoriza-se a liberdade e a criatividade, a escola é um ambiente do aluno e dos professores, o ensino é mais prático que teórico.

"(...) o homem deve ser o sujeito de sua própria educação, não pode ser o objeto dela, por isso, ninguém educa ninguém (...) não podemos nos colocar na posição do superior que ensina um grupo de ignorantes, mas sim na posição humilde daquele que comunica um saber relativo a outros que possuem outro saber relativo."
(Paulo Freire, em 'Educação e Mudança')

A dialética implica em relação, troca, movimento, onde tese e a antítese se se afetam para a construção da síntese, que surge do conflito. Nesta prática não se valoriza a teoria, mas sobretudo a prática, a vivência e construção em conjunto, onde professores e alunos aprendem nas práticas educativas, trocando saberes e experiências.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
ALVES, Rubem. A Escola com que Sempre Sonhei sem Imaginar que Pudesse Existir. Campinas: Papirus, 2001.
BRANDÃO, Carlos R. O que é Educação. São Paulo: Brasiliense, 2004.
CHAUÍ, Marilena S. O que é Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1988.
BASBAUM, Leôncio. Alienação e Humanismo. São Paulo: Global, 1982.
CODO, Wanderley. O Que é Alienação. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
FABRA, Maria Luisa. A Nova Pedagogia. Rio de Janeiro: Salvat, 1979.
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.