Contracultura é um conjunto de manifestações culturais que propõem diferentes maneiras de pensar e de se relacionar com o mundo e as pessoas. Com um caráter libertário, coloca em questão e se opõe aos valores centrais da cultura vigente, mantida pelas principais instituições das sociedades ocidentais.
Com uma linguagem de revolta e contestação, fortemente existencial e anárquica, se dirige principalmente para a transformação da consciência, dos valores e do comportamento. A contracultura busca novos espaços e meios de expressão para o indivíduo e para as diferentes realidades do cotidiano.
O livro 'O que é Contracultura', escrito por Carlos Alberto M. Pereira, oferece um panorama sobre a Contracultura, relacionando o empoderamento jovem, o Woodstock e festivais do gênero, Jimmy Hendrix, Beatles, Bob Dylan, Rolling Stones, Maio de 68 na França, a Nova Esquerda e uma nova sensibilidade.
Alguns trechos do livro:
Contracultura é a cultura marginal, independente do reconhecimento oficial.
Acostumamo-nos, através da educação, a ver na cultura que herdamos de nossos pais e antepassados uma entidade intocável, definitiva, que se apresenta diante de nós como parte da própria essência da realidade - algo "natural" como o Sol ou a Lua, ou o resultado de uma evolução que se diria "biológica" porque inevitável.
É evidente, porém, que não é assim.
Cultura é um produto histórico, isto é, contingente, mais acidental do que necessário, uma criação arbitrária da liberdade.
Não há cultura, a rigor (...), mas culturas, no plural, criadas por diferentes homens em diferentes épocas, lugares e condições, tanto objetivas quanto subjetivas. Elas expressam não a realidade em si, mas diferentes maneiras de ver essa realidade e de interpretá-la. São diferentes leituras do mundo e por nenhum critério pretensamente objetivo podemos afirmar que uma seja mais válida - ou mais "objetiva", "verdadeira", "científica", etc. - do que outra.
A compreensão do fenômeno da contracultura depende da erradicação desse preconceito, introjetado em todos nós desde a infância: o de que nossa cultura particular e suas formas específicas e limitadas são, de alguma maneira, superiores, ou melhores, ou mais objetivas, etc. do que quaisquer outras, pretéritas ou a inventar.
Esta é uma ilusão tenaz, amparada por todas nossas instituições - da universidade à política -, e o primeiro ato indiscutivelmente positivo e genuinamente revolucionário da contracultura foi o de desmenti-la.
A contracultura foi certamente propiciada pelas próprias doenças de nossa cultura tradicional. Tais doenças condicionaram seu surgimento, como um antídoto, ou anticorpo, necessário à preservação de um mínimo de saúde existencial, que passou a ser socialmente exigido pelo próprio instinto de sobrevivência de nossa vida em comum.
Considerando-se "saudável", o doente não procura médico nem remédio - e atribui seu sofrimento a uma fatalidade absurda e incompreensível. Essa condição caracteriza nosso cotidiano.
A contracultura surgiu do confronto entre a cultura, reconhecida como doença, e a visão juvenil, cujo instinto natural é para a saúde. A audácia dessa visão não pode ser considerada mera precipitação ingênua, pois funda-se, antes, num desencanto radical - atingido por saturação, maturidade - com o mundo tal como conhecemos.
As vertentes que confluíram, de naturezas aparentemente diversas, mas sublinhadas pelo denominador comum da intenção libertária.
Tratava-se, de fato, de um movimento de contestação que colocava frontalmente em xeque a cultura oficial, prezada e defendida pelo Sistema, pelo Estabilishment. Diante desta cultura privilegiada e valorizada, a contracultura se encontrava efetivamente do outro lado das barricadas. A afirmação e a sobrevivência de uma parecia significar a negação e a morte da outra.
...um certo espírito, um certo modo de contestação... um tipo de crítica anárquica que, de certa maneira, rompe com as regras do jogo...
Descrente do futuro e desencantada com o presente — uma sociedade e uma cultura que, segundo o consenso da época, estavam simplesmente "doentes" —, o que tentava criar era um mundo alternativo, underground, situado nos interstícios daquele mundo desacreditado, ou no que se acreditava ser o outro lado de suas muralhas. Rompia-se com praticamente todos os hábitos consagrados de pensamento e comportamento da cultura dominante, realizando-se uma espécie de "crítica selvagem" a esta mesma cultura e sociedade ocidentais.
Não se tratava da revolta de uma elite que, embora privilegiada, visasse uma redistribuição da riqueza social e do poder em favor dos mais humildes. Nem de uma "revolta de despossuidos". Ao contrário. Era exatamente a juventude das camadas altas e médias dos grandes centros urbanos que, tendo pleno acesso aos privilégios da cultura dominante, por suas grandes possibilidades de entrada no sistema de ensino e no mercado de trabalho, rejeitava esta mesma cultura de dentro. E mais. Rejeitavam-se não apenas os valores estabelecidos mas, basicamente, a estrutura de pensamento que prevalecia nas sociedades ocidentais. Criticava-se e rejeitava-se, por exemplo, o predomínio da racionalidade científica, tentando-se redefinir a realidade através do desenvolvimento de formas sensoriais de percepção.
Mas como se caracteriza essa sociedade em que se constitui e com que se defronta este poder jovem? Como ela se apresenta aos olhos daqueles que vão desafiá-la? Suas marcas mais fortes parecem ser uma indústria altamente avançada, aliada a uma razoável afluência, aliança que se traduz numa pauta de consumo sempre renovada e num sistema essencialmente massificante. Trata-se, na verdade, de uma sociedade tecnocrática voltada para a busca ideal de um máximo de modernização, racionalização e planejamento, com privilégio dos aspectos técnico-racionais sobre os sociais e humanos, reforçando uma tendência crescente para a burocratização da vida social. Tudo isto, por sua vez, apoiado e referendado pelo dogma da ciência, ou melhor, pela crença absoluta na objetividade do conhecimento científico e na palavra do especialista, o intérprete autorizado do discurso da tecnologia, da produtividade e do progresso.
De ambos os lados do Atlântico sopravam também novos ventos, que evidenciavam a tentativa de renovação por parte do próprio pensamento teórico crítico, de esquerda, diante das novas contradições surgidas no período do pós-guerra e diante do tipo de organização e vida social que vinha se evidenciando naquelas sociedades industriais avançadas.
Não apenas nos Estados Unidos, mas em todos os lugares onde floresceu, a cultura jovem dos anos 60 foi extremamente sensível e simpática a toda e qualquer movimentação de grupos étnicos ou culturais que se vissem nessa posição de marginalidade ou exclusão diante das vantagens e promessas da sociedade ocidental.
Nas palavras de Luís Carlos Maciel, "a guitarra elétrica, em Jimmy Hendrix, não é apenas um novo som: é uma nova experiência existencial que exige, para que se estabeleça uma comunicação efetiva, uma alteração profunda na própria maneira de viver do ouvinte, nos próprios valores que norteiam seu comportamento e no seu próprio sistema nervoso".
Principalmente durante a segunda metade da década de 60, os grandes acontecimentos musicais da contracultura foram os festivais. Reunindo um número enorme de grupos, compositores e intérpretes — e, obviamente, um público gigantesco —, esses happenings musicais eram uma ocasião única para o encontro daqueles que, às vezes desesperadamente, tentavam criar um mundo novo que fugisse aos limites do Sistema.
Referência:
PEREIRA, Carlos Alberto. O que é Contracultura. São Paulo: Brasiliense, 1983.