Pedagogia tradicional e crítica


Um dos problemas da pedagogia tradicional refere-se à reprodução de um modelo paradigmático para a prática educativa, que muitas vezes desconsidera a diversidade e as diferenças singulares. O uso de um paradigma em pedagogia acaba por negar a realidade de cada sujeito singular e suas diferenças, sendo necessário repensar e encontrar meios que possibilitem uma pedagogia que leve em conta o sujeito.

A pedagogia crítica se apresenta como um contraponto às práticas pedagógicas tradicionais. Segundo Marafon (2001) a pedagogia crítica “(...) recoloca e prioriza a natureza sociopolítica da educação e valoriza o educador-pesquisador no papel de sujeito, ao lado dos alunos e de outros educadores, na realização da tarefa educacional” (9p.). Utiliza-se do método dialético e dá importância ao contexto e ao cotidiano, pois “é no cotidiano que o homem se constrói como realidade e constrói a realidade humano-social” (MARAFON, 2001, 11p.).

Para Marafon (2001), a pedagogia é concebida na prática como uma ciência da ação. Neste sentido, o aluno constrói um trabalho educacional a partir de seu contexto. O conhecimento crítico acontece através da ação, onde o sujeito de conhecimento se envolve, rompendo com a concepção tradicional de que, primeiramente, seria necessário se ter o conhecimento das teorias para posteriormente praticar, onde o conhecimento é apresentado como um objeto pronto e estático, mas realizado a partir da co-construção.

Para isso, é necessário que a educação se contextualize, partindo da realidade, e não de modelos previamente estabelecidos. A teoria e a prática devem ser realizadas num mesmo momento, trata-se da concretização de um corpo de ideias. Quando relacionamos teoria e prática, estamos tratando de relação dialética, uma relação de conflito. Jeffreys (1975) comenta que “o conflito é inevitável. Mas também pode ser criativo. Toda criação brota de uma tensão entre o que é e o que pode ser. O conflito pode e deve ser encarado como uma parte positivamente necessária da existência” (JEFFREYS, 1975, 19p.).

O termo grego dialética resulta da junção de "dia" (dualidade, troca) e "léktikós" (apto à palavra, capaz de falar), assemelhando-se ao conceito de diálogo. A dialética constitui-se por três fases: a tese, a antítese e a síntese. A tese trata-se de uma proposição inicial, a antítese é uma contradição para com a tese, um atrito contrário a primeira, e a síntese é uma negação da negação, que opera o movimento e o surgimento do novo.

O processo dialético acontece num movimento de contradições, onde o conhecimento surge do encontro de perguntas que geram respostas e uma reflexão coletiva. Na dialética, cada um é reconhecido e considerado um ser diferente. O mundo é dialético, pois está em constante movimento, onde a história se transforma em suas divergências, levando a diferentes caminhos.

Apesar do movimento constante, há professores se mantêm numa visão anacrônica e não se dão conta que a relação entre eles e os alunos geram transformações, de que os alunos são diferentes, que suas trocas nem sempre convergem, e continuam a se segurar nas concepções da pedagogia tradicional, permanecendo assim distantes da realidade concreta e singular de cada estudante. Trata-se de possibilitar na escola condições para a mudança, proporcionando uma escolarização que conduza à autonomia e à cidadania livre, enfatizando o caráter processual e histórico da educação.

A educação deve refletir sobre o homem, destacando que refletir a educação é refletir sobre o próprio homem. Entendendo o homem como um ser inacabado, que está em constante movimento. De acordo com Paulo Freire, a pessoa deve ser encarada como sujeito de sua própria educação, diferente da concepção tradicional que o coloca como objeto dela, "por isso, ninguém educa ninguém" (Freire, 1979, 28p.). Essa busca deve conduzir para ser mais, sem coisificar consciências, onde o saber se faz numa superação.

Segundo Paulo Freire (1979), a educação não é uma prática de adaptação da pessoa a uma sociedade, mas de possibilitar a emancipação desta pessoa, possibilitando que esta transforme sua realidade Trata-se de alterar a posição de submisso para co-criador. A educação deve ser vista assim como uma prática de libertação e não de domesticação ou submissão das pessoas. Para que o homem transforme a realidade é necessário que se desenvolva uma consciência crítica, e isso vai no sentido contrário à submissão.

O papel do professor é o da transformação, e esta acontece na ação prática, reconhecendo o caráter pessoal, histórico-social e cultural, inclusive as diferenças entre os indivíduos, ao invés de mascarar e negar os conflitos, mas permitindo que ocorram, como um processo natural, entendendo que é comum haver opiniões diferentes e/ou contrárias, pois há diferenças históricas, sociais, culturais e subjetivas entre as pessoas.

"O trabalhador social que opta pela mudança não teme a liberdade, não prescreve, não manipula, não foge da comunicação, pelo contrário, a procura e vive. Todo seu esforço, de caráter humanista, centraliza-se no sentido da desmitificação do mundo, da desmitificação da realidade. Vê nos homens com quem trabalha – jamais sobre quem ou contra quem – pessoas e não “coisas”, sujeitos e não objetos. (...) O trabalhador social que opta pela mudança não vê nesta uma ameaça. Adere à mudança da estrutura social porque reconhece esta obviedade: que não pode ser trabalhador social se não for homem, se não for pessoa, e que a condição para ser pessoa é que os demais também o sejam." (Freire, 1979, 51p.)

Vygotsky entende que a cultura não é um sistema estático onde o sujeito se submete, mas um movimento  está em constante recriação e reinterpretação de conceitos e significados. Assim, a vida social é entendida como “(...) um processo dinâmico, onde cada sujeito é ativo e onde acontece a interação entre o mundo cultural e o mundo subjetivo de cada um” (OLIVEIRA, 2003, 38p.). Trata-se de uma perspectiva que contradiz os paradigmas estáticos da pedagogia tradicional.

Há, portanto, a necessidade de que a pedagogia possibilite uma visão crítica sobre a realidade e ofereça alternativas para seus problemas emergentes. Para que esta proposição seja efetivada, precisa acompanhar a prática social humana, questionando o modo como a pedagogia têm sido praticada e a quem esta ciência serve, deixando de lado os manuais tradicionais que descrevem os processos desvinculados da realidade social e retomar a partir da própria realidade concreta.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
JEFFREYS, Montagu V.C. A Educação: sua natureza e seu propósito. São Paulo: Cultrix, 1975.
MARAFON, Maria Rosa C. Pedagogia Crítica. Petrópolis: Vozes, 2001.
OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento - Um processo sócio- histórico. São Paulo: Scipione, 2003.
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