Os pensadores originários - Anaximandro, Parmênides, Heráclito

O livro 'Os pensadores originários' se propõe a refletir sobre o pensamento dos primeiros pensadores gregos, que viveram entre o final do século VII e meados do século V a.C., entre eles Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Zenão, Xenófanes, Heráclito e Parmênides.

A primeira metade do livro faz uma introdução sobre a filosofia originária e sua característica trágica, diferenciando da concepção de uma filosofia "pré-socrática" que se manteve na tradição, como se fosse uma "parte de um processo", destacando principalmente suas diferenças, uma cisão perante as filosofias posteriores, apontando inclusive os problemas das traduções e das compilações desde Teofrasto. Na segunda metade do livro são apresentadas as traduções de fragmentos dos três filósofos: Anaximandro, Parmênides e Heráclito.

Alguns fragmentos do livro:

Originários são os pensadores que, no que pensam, sempre encontram a realidade dando origem a tudo em tudo.

Já foram intitulados pré-aristotélicos, pré-platônicos e pré-socráticos. Sob a correção cronológica do prefixo, pré-, se escamoteia uma persplexidade de pensamento. Em Sócrates, Platão e Aristóteles se inaugura uma de-cisão histórica. A decisão das diferenças que, sendo já em si mesma metafísica, instala o domínio da filosofia em toda a história do Ocidente.

Esta de-cisão, ao instituir as dicotomias de um comparativo ontológico, se pronuncia pelo ser contra o nada, pela essência contra a aparência, pelo bem contra o mal, pelo inteligível contra o sensível, pelo permanente contra o mutável, pelo verdadeiro contra o falso, pelo racional contra o animal, pelo necessário contra o contingente, pelo uno contra o múltiplo, pela sincronia contra a diacronia. No poder de seu jogo é uma de-cisão que se decide pela filosofia contra o pensamento.

É um passado tão vigente que constitui a fonte de onde vivemos hoje, a tradição, que nos sustenta. Seu vigor histórico promoveu as transformações, as experiências e as interpretações de quase 25 séculos. (...) Provocou o humanismo, o esclarecimento e a ciência moderna.

Em pacientes pesquisas filológicas, historiográficas e linguísticas busca-se reconstruir a lógica, a ética e a física arcaica sem se levar em conta que só há uma lógica, uma ética e uma física na tradição de ensino das escolas clássicas.

Neste sentido, a presente investigação não quer ser uma obra de historiografia filosófica. Pretende levar a sério que os primeiros pensadores gregos são pensadores e não filósofos. O destino histórico de seu pensamento não provém da objetividade dos conhecimentos, mas do vigor do pensamento.

Denunciando a miopia da consciência vigente, os primeiros pensadores se lançam a pensar reciprocamente as diferenças de religião e política, de educação e habilidade, de poesia e mito pela identidade do pensamento, pensando a copertinência do ser e pensar.

Para os primeiros pensadores, pensar é acordar o não pensado, acionar a inércia do pensamento de uma tradição histórica.

O pensamento surgiu quando o trágico obscureceu a claridade do racional e do irracional, do físico e do político, do mito e do culto, do desespero e da salvação.

O pensamento dos primeiros pensadores gregos questiona-lhe o humanismo, buscando restituir o mistério da tragédia originária. Trágico é o jogo de Dionísio na identidade universal das diferenças. A tragédia não é uma condição simplesmente humana. É o ser da própria realidade. A totalidade do real, o espaço-tempo de todas as coisas (...). A totalidade do real é também o reino misterioso da identidade, onde cada coisa não é somente ela mesma, por ser todas as outras, onde os indivíduos não são definíveis, por serem uni-versais, onde tudo é uno.

Em estórias profundas de deuses e heróis, a mitologia grega narra as vicissitudes desta luta do princípio luminoso do espírito contra o princípio tenebroso da natureza.

É o combate originário do mundo que instala todas as diferenças nas estalas de suas identidades.

Uma claridade sem sombras é uma onipotência impotente. Não ilumina, cega. Luz e trevas, espírito e matéria, história e natureza, céu e terra, racional e irracional, ordem e caos, eros e penia recebem a potência de seus poderes de ser de um combate sem tréguas. Neste combate originário, toda vitória é aparente. Trata-se apenas de fenômeno da superfície.

Vespertinos do Dia Ocidental, já não sentimos com tanta facilidade a profundeza de revolução que significou a filosofia para toda a existência dos gregos. Estamos plantados num solo, cuja solidez devemos precisamente à ruptura metafísica no curso do pensamento e da poesia. O que dessa ruptura prorrompeu, como estrutura e modelo de mundo, como princípio e técnica de conhecimento, como gramática e lógica de linguagem, como norma e conceito de valor, nos determina mais radicalmente do que costumamos suspeitar.

Uma interpretação, que se desenvolver no espaço dessas pressuposições, não poderá deixar de ver nos primeiros pensadores simples precursores da filosofia de Sócrates, Platão e Aristóteles. Pois é dessas pressuposições que nos afastamos para, numa hermenêutica originária, pensarmos o pensamento destes pensadores a partir da própria coisa do pensamento. O único indício, que nos servirá de guia, se reduz apenas ao que é e pretende ser um pensamento originário.

Um pensamento originário é a coragem de descer às raízes das próprias possibilidades do pensar. Um pensamento originário é um pensamento radical. Procura interpretar os modos de ser da realidade, restituindo as estruturas de suas diferenças à identidade do mistério. (...) É a partir deste diapasão que nos fala o pensamento origináro. O que é e como é o espaço-tempo de todas as coisas nas diferenças de seus modos presentes de ser é pensado num pensamento re-velador da identidade no mistério das dicotomias de ser e não ser, de movimento e permanência, de uno e múltiplo, de aparência e verdade.


Referência:
ANAXIMANDRO, PARMÊNIDES E HERÁCLITO. Os Pensadores Originários. Introdução de Emmanuel Carneiro Leão. Trad.: Emmanuel C. Leão e Sergio Wrublewski. Petrópolis: Vozes, 2017.