Como ler a Filosofia Clínica - Monica Aiub

O livro 'Como ler a Filosofia Clínica', de Monica Aiub, propõe abordar as questões existenciais a partir de uma metodologia filosófica, apresentando esta prática tão antiga quanto a própria filosofia, que propõe desde seu surgimento lidar com questões sobre a vida.

Tendo como objetivo a prática da autonomia de pensamento, a clínica filosófica é um trabalho singular, que aborda as questões de modo organizado, sistemático e profundo, considerando as dificuldades a partir de seus contextos.

Cada situação é pensada a partir das formas de vida de cada pessoa, e suas possibilidades existenciais para construir novos caminhos. Este livro apresenta a filosofia clínica, convidando o leitor a pensar por si mesmo.


Alguns fragmentos do livro:

A filosofia clínica, assim nomeada, é nova – proposta por Lúcio Packter na década de 1990. Mas seu fazer é antigo, é a tarefa inicial da filosofia,

como a metodologia filosófica pode ser utilizada para tratar questões cotidianas, para refletir sobre nossas formas de vida.

me dirijo ao leitor leigo, que deseja refletir sobre suas questões existenciais, sobre as formas como constitui a sua existência, sobre as maneiras como lida com seus problemas.

exercitar o filosofar em suas vidas.

a filosofia clínica surge como uma retomada do papel originário da filosofia: refletir sobre as questões cotidianas, usar nossas capacidades de compreensão para encontrar as melhores formas para lidar com nossos problemas.

a filosofia, desde o início, é uma forma de pensamento sistemática, organizada; que exige profundidade, buscando a origem; e que se faz a partir da compreensão dos contextos nos quais se insere. Com tais características, não é possível dissociá-la do mundo, da vida.

Ela parte das questões da existência; contextualiza, aprofunda, organiza; e retorna à existência com novos elementos para compor o real. Está inserida nos limites da natureza, mas pode ultrapassá-los na medida em que cria novas formas de organização, novas formas de vida.

Não é o caso de escolher uma forma e considerá-la melhor que outras, mas de criar, a partir do encontro com o diferente, novas possibilidades de pensar, compreender e existir.

Um encontro exigente, que nos obriga a ter, como afirmou Heidegger, em O que é isto – A filosofia?, disposição. Segundo ele, dis-por, sair de sua posição, é a atitude fundamental para permitir o encontro, para o pensar-junto-com-o-outro.

Karl Jaspers, no livro Introdução ao pensamento filosófico, apresenta uma leitura para isso.

Segundo ele, a filosofia incomoda, pois “tira a estabilidade do mundo”, ou seja, nos retira do conforto, da acomodação, da anestesia, que muitas vezes usamos para guiar nossas vidas. Pensamos como todo mundo pensa, sentimos como todo mundo sente, fazemos o que todo mundo faz; e o pensamos, sentimos e fazemos porque o mundo sempre foi assim, ou porque é da natureza humana ser assim. A filosofia questiona essa postura e nos obriga a olhar para o processo a partir do qual construímos nossos pensamentos; o que nos serve de base para concluir o que concluímos, para escolher como melhor caminho aquele que escolhemos.

Tanto a elitização quanto a banalização são, segundo Jaspers, formas de destruir a filosofia, de afastá-la de sua tarefa fundamental. Nem banalizada, nem elitizada, a filosofia é uma forma válida e muito rica para abordarmos as questões cotidianas, para estabelecermos o diálogo com o outro, com a diferença, para pensarmos juntos, e juntos construirmos formas de vida mais adequadas a nossos desejos, possibilidades e necessidades.

É nessa perspectiva que surge a filosofia clínica, trazendo a filosofia como uma abordagem para as questões cotidianas; promovendo o encontro, o pensar-junto-com-o-outro; questionando como construímos nossas crenças sobre o mundo, e de que maneira tais crenças interferem na forma como nos posicionamos diante da realidade.

Revendo nosso próprio processo de pensamento, estudando a nós mesmos e a realidade na qual nos encontramos, a filosofia clínica nos remete à construção de formas para enfrentarmos as dificuldades do existir. Novidade no cenário? Não. Apenas um resgate da tarefa originária do filosofar.

Quando estudamos filosofia, uma das primeiras coisas que aprendemos é que um problema não pode ser tratado fora de seu contexto; que uma abordagem a um problema que desconsidere sua história é uma abordagem superficial e, portanto, não filosófica. Por isso, a primeira contribuição da filosofia para o tratamento de questões como estas consiste em traçar a história do problema. Ao invés de pressupor, de apresentar soluções apressadas, vamos investigar: “Fale mais sobre isso”; “Conte-me: o que houve?”; “Quando isso começou? Conte-me a partir daí”; são algumas falas possíveis diante de tais questões.

O não saber é a característica fundamental do filósofo; pois se não questionar suas próprias ideias, seu próprio saber, poderá assumir posturas dogmáticas, errando por ignorância, e considerando estar certo em suas crenças.

o primeiro passo é assumir o não saber e pesquisar a história do problema. Em seguida, é preciso traçar um contexto maior, estudando a história do problema contextualizada na história da filosofia.

Como começou, o que significa, como funciona etc. Além disso, necessitaríamos situar a questão e seu contexto em um plano mais amplo, ou seja, precisaríamos investigar a história da pessoa que apresenta o problema, e contextualizar a questão no todo daquela história.

Uma questão não existe isoladamente, ela se relaciona a todo um contexto: tempo, cultura, linguagem, preocupações de uma época ou de uma região, formas de vida específicas e suas relações com outras formas existentes na vizinhança, enfim, são muitos os dados que precisam ser considerados para abordarmos uma questão.

podemos pedir a ela que contextualize, que nos conte a história do problema, a sua história de vida. É isso o que faz, inicialmente, o filósofo clínico: pede à pessoa que contextualize sua questão, que conte sua história, e a acompanha atentamente.

Quando lemos um texto de filosofia, precisamos ter o cuidado de não ser apressados, de não concluir o que não está escrito. É preciso, muitas vezes, suspender nossos juízos, e compreender o que diz o autor, antes de interpretar.

Devemos, sim, ler atentamente o texto, acompanhar o pensamento do autor, compreender como se estrutura o pensamento dele, por ele mesmo. Compreender “a lógica interna do texto”, como os professores de filosofia ensinam.

Quantos equívocos evitaríamos se não fôssemos apressados? Se conseguíssemos compreender “a lógica interna”, o jeito de pensar daqueles que convivem conosco? E como seria se conseguíssemos compreender nossa própria “lógica interna”, nosso jeito de pensar?


Fonte:
AIUB, Monica. Como ler a Filosofia Clínica: prática da autonomia do pensamento. São Paulo: Paulus. 2010.