Kant e a crítica da razão

Immanuel Kant, pintura por Johann Becker (1768)

A ciência experimental de Galileu, no século XVII, possibilitou o surgimento de outras ciências e de um novo modelo de ser humano, que passa a ser entendido como construtor e criador do futuro, que deseja conhecer a natureza para controlar e dominar ela, diferente daquele que buscava apenas a contemplação da natureza.

A ciência somada à técnica passou a encarar a natureza de maneira dessacralizada, separada das crenças religiosas que pautavam o entendimento de mundo medieval. Deste modo, o ser humano foi, aos poucos, estendendo o uso da razão para diversos domínios, entre eles a filosofia, a política, a cultura, a economia, a moral e a religião.

"No mundo antigo, o conhecimento era visto como bios theoretikos ou vita contemplativa. Os saberes visavam à contemplação da realidade, naquilo que esta tem de permanente, e ao desvelamento da verdade. Não nutriam a pretensão de transformar os “objetos” investigados."
(Alberto Oliva, em 'Filosofia da Ciência')

Todo esse otimismo com relação ao poder da razão para reorganizar ou mundo desembocou, no século XVIII, num movimento que ficou conhecido na filosofia como o "Século das Luzes", caracterizado pelo Iluminismo. Com influências do racionalismo de Descartes e Malebranche, o Iluminismo exalta a evidência intelectual e seu livre exercício de juízo.

Esse período é caracterizado pela emancipação da burguesia, que atinge sua maioridade, com alguns de seus representantes na filosofia, como Newton, na Inglaterra; Voltaire, D'Alembert, Diderot e Helvetius, na França, e Wolff, Lessing, Baumgarten e Kant, na Alemanha. Sendo Kant o maior representante deste período.

Immanuel Kant (1724-1804) é um filósofo alemão que questionou se era possível a elaboração de uma "razão pura", independente das experiências. Em sua filosofia ele julga o que pode ser conhecido e quais são os conhecimentos não possuem fundamento, buscando superar a dicotomia entre racionalismo e empirismo.

O filósofo criticou os empiristas, que entendiam que todo conhecimento parte dos sentidos, e também criticou os racionalistas, que entendiam que o conhecimento provém apenas da razão. Ele entendeu que o conhecimento deriva da experiência sensível, mas é elaborado por juízos universais, sendo constituído de matéria e forma.

"Exemplificando: para conhecer as coisas, precisamos ter delas uma experiência sensível, mas essa experiência não será nada se não for organizada por formas de nossa sensibilidade, as quais são a priori, ou seja, anteriores a qualquer experiência. Assim, para conhecer as coisas, temos de organizá-las a partir da forma a priori do tempo e do espaço."
(Aranha e Martins, em 'Filosofando')

O tempo e o espaço, por exemplo, não são elementos que compõem as coisas em si, mas formas que o sujeito coloca nas coisas, portanto não existem independentes do sujeito. Há coisas que captamos pelos sentidos e outras que escapam nossos sentidos, como as categorias de substância, causalidade, existência, entre outras.

Essas categorias, segundo Kant, não são dadas pelas experiências, mas elaboradas pelo sujeito, por meio de sua faculdade de conhecer. Deste modo, para ele não há como conhecer as "coisas em si", o noumenon, mas apenas os fenômenos, que correspondem ao modo como as coisas aparecem para nós, como elas se apresentam.

Com isso, ele critica a possibilidade do conhecimento metafísico, independente da experiência do sujeito, defendendo que devemos evitar negar ou afirmar conhecimentos neste aspecto, pois a razão é incapaz de concluir entendimentos sem a experiência, mas também não as conclui sem suas categorias a priori.

Segundo o filósofo, a realidade não é um dado exterior, o mundo dos fenômenos só passa a existir quando aparece para nós, de modo que também fazemos parte de sua construção, por meio de nosso entendimento e categorias. Portanto, todo conhecimento é constituído pela experiência sensível e pelas categorias a priori do sujeito.

A filosofia de Kant é conhecida como idealismo transcendental, que corresponde a tudo aquilo que é anterior à experiência, pois se volta para o estudo dos conceitos a priori sobre os objetos. Por mais que a experiência seja o meio para se constituir o conhecimento, é por meio das estruturas a priori que o conhecimento é elaborado.

Não há conhecimento puro da coisa em si, o conhecimento não é um reflexo do objeto exterior, mas são as estruturas e categorias do sujeito que elaboram o conhecimento a partir das experiências, elaboradas pelos constructos a priori.

Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
ARANHA; MARTINS. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.
OLIVA, Alberto. Filosofia da Ciência. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

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