Nietzsche e a verdade - Roberto Machado

O livro Nietzsche e a verdade, escrito por Roberto Machado, apresenta os aspectos críticos e afirmativos da perspectiva genealógica de Friedrich Nietzsche, destacando sua crítica sobre a verdade e a moral, apontando a filosofia trágica como um caminho criativo e afirmativo de vida.

Relacionando a racionalidade à oposição entre a verdade e ilusão, criada pela metafísica socrático-platônica e continuada pelo pensamento cartesiano, o autor argumenta como a vontade exacerbada de verdade representa uma impotência de criar. Destaca a transvaloração dos valores como uma reavaliação da moral e de sua relação com a verdade, privilegiando a potência criadora e transfiguradora da arte trágica como uma força vital estimulante de vida, uma possível saída diante do niilismo moderno.


Alguns trechos do livro:

A arte expressa uma superabundância de forças: remete aos instintos fundamentais, à vontade apreciativa de potência. A moral atesta uma deficiência de forças: remete a instintos secundários, mais fracos, à vontade depreciativa de potência.

Toda a filosofia de Nietzsche é uma filosofia do valor, no sentido de uma crítica radical dos valores dominantes na sociedade moderna, e uma proposta de transformação do próprio princípio de avaliação de onde derivam os valores.

Não pode haver o dionisíaco sem o apolíneo. A visão trágica do mundo, tal como Nietzsche a interpreta nesse momento, é um equilíbrio entre a ilusão e a verdade, entre a aparência e a essência.

O antagonismo entre o espírito científico e a experiência trágica é em Nietzsche uma crítica da prevalência da verdade como valor superior, pela afirmação tanto do caráter fundamental da aparência quanto da exigência de superação da oposição entre essência-aparência, verdade-ilusão.

A verdade não tem como critérios a evidência e a certeza; tem como condição um esquecimento e uma suposição.

O homem não ama necessariamente a verdade: deseja suas consequências favoráveis. O homem também não odeia a mentira: não suporta os prejuízos por ela causados.

A obrigação, o dever de dizer a verdade nasce para antecipar as consequências nefastas da mentira. Quando a mentira tem valor agradável ela é muito bem permitida.

A filosofia de Nietzsche é célebre não só por estabelecer uma ruptura entre filósofos pré e pós-socráticos, como também por afirmar a superioridade dos primeiros.

Contra a oposição metafísica de valores, a arte oferece uma valorização da aparência, da ilusão, que dá conta de um valor essencial da vida menosprezado pela racionalidade.

A novidade e a importância do projeto nietzschiano (...) é a crítica, não dos maus usos do conhecimento, mas do próprio ideal de verdade; não da verdade ou falsidade de um conhecimento, mas do valor que se atribui à verdade, isto é, da verdade como valor superior, da prevalência da verdade sobre a falsidade.

A decadência é uma diminuição, um enfraquecimento do homem; é a transformação do tipo forte no tipo fraco, o triunfo das forças reativas sobre as forças ativas. Foi a decomposição das forças ativas, a subtração da força dos fortes que fez com que os próprios fortes assumissem os valores dos fracos.

A grande insolência de Nietzsche é proclamar, contra a exigência, contra o ideal de moralidade que rege nossas sociedades que o homem moral nem é melhor, nem mesmo é propriamente bom; é apenas fraco, negativo, reativo.

A tese central da argumentação de é que a ciência supõe o mesmo "empobrecimento da vida" que caracteriza a "moral dos escravos". Pobre de vida - em oposição à riqueza, à plenitude características do forte - é quem modifica o valor dado às coisas, empobrecendo-o.

(...) o ideal ascético dominou todas as filosofias pelo fato de que a verdade era postulada como Ser, como Deus, como instância suprema, pelo fato de que a verdade não devia de modo algum constituir problema.

(...) a refutação do platonismo assume no discurso nietzschiano pelo menos duas posições estratégicas: tanto inverter quanto superar a oposição de valores por ele criada; tanto afirmar que o mundo sensível é o mundo verdadeiro e o suprassensível, o mundo aparente, quanto se insurgir contra a dicotomia de dois mundos e a oposição metafísica entre verdade - identificada ao bem e à beleza - e a aparência.

Não existe instinto de conhecimento no sentido de uma inclinação natural para a verdade, de um amor à verdade. O que se chama verdade é uma obrigação que a sociedade impõe como condição de sua própria existência: a obrigação moral de mentir segundo uma convenção estabelecida. (...) Verdades são ilusões que foram esquecidas como tais. Atrás da suposição de possuir um conhecimento do real existe, portanto, uma convenção social que oculta as diferenças ao identificar o não idêntico por meio do conceito. O homem supõe possuir a verdade, mas o que faz é produzir metáforas que de modo algum correspondem ao real: são transposições, substituições, figurações.

E isso abole qualquer ideia de falta ou de deficiência, na medida em que o objetivo do conhecimento não é possuir a verdade. O conhecimento nada tem a descobrir; ele tem é que inventar. A vontade de verdade traduz uma impotência da vontade de criar. Procurar descobrir valores que tenham uma existência em si é uma atitude desesperada do decadente, é um desejo de segurança do fraco - é a manifestação dos instintos de conservação. O que expressa a vontade afirmativa de potência é a criação de valores.

Fonte:
MACHADO, Roberto. Nietzsche e a Verdade. 3 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2017.