Fenômeno em Fenomenologia


Há uma diferença entre o uso do termo 'fenômeno', de modo geral e nas ciências naturais, e o entendimento de 'fenômeno' na fenomenologia. Fenomenologia significa o estudo ou a ciência dos fenômenos. Mas o que significa 'fenômeno', em fenomenologia?

O termo 'fenômeno' costuma ser utilizado para descrever um acontecimento ou um fato, é muitas vezes empregado no sentido de "fenômenos naturais", quando um vulcão entrou em erupção, ou uma geleira se deslocou, podendo ser usado também no sentido de "fenômenos paranormais", em ambos os casos se relaciona à algo que aconteceu, uma situação, algum movimento que altera o habitual.

Em fenomenologia, esse termo tem uma conotação bem distinta. A palavra 'fenômeno' vem do grego 'phainómenon', que significa aquilo que aparece pelos sentidos ou pela consciência. Na fenomenologia, o conceito de 'fenômeno' costuma adquirir este sentido mais originário, correspondendo a tudo aquilo que se mostra ou aparece, do modo como aparece à consciência.

O entendimento de fenômeno, em fenomenologia, adquire o sentido de experiência, ou, o modo como uma coisa é experimentada, captada ou percebida numa situação específica. Neste sentido, um mesmo fato pode possibilitar diferentes entendimentos, para distintas pessoas e em diferentes situações. Corresponde, portanto, a tudo aquilo que aparece no campo da consciência, do modo como percebemos.
"A palavra 'fenomenologia' significa 'o estudo dos fenômenos', onde a noção de um fenômeno e a noção de experiência, de um modo geral, coincidem. Portanto, prestar atenção à experiência em vez de àquilo que é experienciado é prestar atenção aos fenômenos."
(David Cerbone, em 'Fenomenologia', 2014)
Neste sentido, o fenômeno não é entendido como um fato. O fenômeno corresponde muito mais aos modos como os fatos são captados e aos sentidos que cada pessoa atribui à suas vivência, se aproximando assim do modo como nos sentimos e percebemos as coisas que experimentamos.

A fenomenologia entende que a consciência é intencional, isso significa que não existe uma consciência pura sobre as coisas, ou seja, a consciência não possui substância fora de sua relação com o mundo. Toda consciência tende para o mundo, de modo que a 'consciência' é sempre consciência de alguma coisa, enquanto as 'coisas' só existem para uma consciência.

O entendimento de mundo, na concepção fenomenológica, acontece por meio da correlação entre consciência e coisa percebida, entre sujeito e mundo, entre sujeito e objeto, entre subjetividade e objetividade, entre a pessoa e o mundo. Assim, sujeito e objeto, a pessoa e o mundo são inseparáveis.

Diferente da filosofia tradicional, que supunha a possibilidade de se encontrar algo "escondido" por detrás dos fenômenos, entendendo os fenômenos, ou o mundo percebido, como falsas aparências, a fenomenologia entende o fenômeno como nossa relação originária com o mundo, recolocando o valor dos fenômenos do modo como aparecem para nós.
"O fenômeno é o modo como se mostra o objeto imediatamente, como ele é aparente."
(Dan Zahavi, em 'Fenomenologia para iniciantes', 2019)
Deste modo, a consciência não corresponde apenas ao exercício das captações racionais, mas também dos afetos, percepções e inclusive da relação prática com o mundo. Todo olhar sobre um objeto, fato ou situação é um modo de experienciar o mundo, percebendo, imaginando, julgando, avaliando, amando, temendo, sempre em relação com o mundo.

A grande intenção da fenomenologia é a descrição do aparecer das coisas, tendo como ponto de partida de sua reflexão a existência humana, singular e subjetiva, voltando-se para o que é realmente captado pela experiência, em seu modo de captar, descrevendo o que se passa justamente do ponto de vista daquele que experimenta uma situação concreta.
"A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo."
(Maurice Merleau-Ponty, em 'Fenomenologia da percepção', 2018)
Por isso mesmo, a fenomenologia é comumente relacionada com um retorno ao mundo da vida, sendo assim uma filosofia da vivência e do inacabamento, que retorna à experiência vivida, ao invés de se focar para o mundo da teoria ou da metafísica. Volta-se, portanto, ao fenômeno enquanto experiência originária, captação e percepção de uma pessoa.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
ARANHA, Maria Lúcia; MARTINS, Maria Helena. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.
CERBONE, David. Fenomenologia. Tradução: Caesar Souza. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Tradução: Carlos Alberto Ribeiro de Moura. 5 ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018.
ZAHAVI, Dan. Fenomenologia para iniciantes. Tradução: Marco Antonio Casanova. 1 ed. Rio de Janeiro: Via Verita, 2019.
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