A crise ética na era da técnica


Atualmente experimentamos um grande conflito entre a ética e a técnica, resultante da crise dos paradigmas da modernidade, que acreditavam que a razão técnica e científica pudessem promover uma melhor qualidade de vida e uma relação mais harmoniosa entre as pessoas.

Enquanto as ciências e as técnicas proporcionaram um maior conforto e soluções para diversos problemas práticos, elas acabaram gerando também muitos outros problemas. Nessa crise, muitas vezes sentimos um vazio, pois experimentamos diversas situações de paradoxo e contradição.

No século XX, a humanidade experimentou diversas mudanças e contrastes: as duas guerras mundiais, a descoberta da cura para várias doenças e males, as desigualdades econômicas e sociais, os desenvolvimentos tecnológicos; a fome, a miséria e os desastres ambientais por conta da interferência humana; o controle dos países mais desenvolvidos sobre os menos desenvolvidos; entre tantas outras.

Apesar dos avanços, a sociedade foi se tornando cada vez mais burocratizada, controladora e repressora, onde as esperanças de melhoria na qualidade de vida foram perdendo. Todos os ideais que acreditávamos que proporcionariam uma vida mais digna e respeitosa acabaram indo contra o que supomos. Constatamos hoje que o desenvolvimento tecnológico e material sem o questionamento ético está apresentando seus efeitos colaterais.

Segundo o filósofo alemão Jürgen Habermas (1929-), a razão mais comumente utilizada atualmente é a 'razão instrumental', fortemente baseada na ciência e na técnica. Porém, esta é apenas uma forma de racionalidade meramente técnica, que serve para dizer "o que fazer" e "como fazer".

Essa forma de racionalidade não questiona o "para que" fazer, ou seja, as implicações éticas e sociais do que é feito. Para isso, precisamos de um outro tipo de razão, que não vise apenas o cientificismo e o desenvolvimento tecnológico, mas uma razão que atue em favor da vida, que se preocupe com a qualidade das relações humanas.

Vivemos hoje num tempo em que muito trabalhamos e nos dedicamos a diversas atividades, todos os trabalhos possuem um método e técnicas bem específicas, mas pouco paramos para questionar sobre o que estamos fazendo, ou para verificar onde essas técnicas estão nos levando. Ou seja, não nos perguntamos para onde estamos indo enquanto humanidade, por conta dos avanços científicos.

Essa razão instrumental, meramente técnica, pretende a dominação da natureza e dos seres humanos, gerando lucro e proporcionando benefícios materiais para apenas a uma pequena quantidade de pessoas. A tecnologia e a ciência não servem à população como um todo, mas ao capital e aos que possuem esse capital.

Enquanto essa racionalidade técnica não questionar para onde está levando a humanidade, ela acaba promovendo a irracionalidade, tão característica do modo de vida que hoje experimentamos. Seguimos regras bem definidas, muitas delas defendidas pelo discurso científico, porém não refletimos sobre essas regras, nem para onde estamos indo com elas.

Neste mundo cada vez mais técnico, há sempre uma pessoa responsável por decidir o que deve ser feito, um especialista num saber científico, enquanto todas as outras pessoas seguem com obediência suas decisões. Este especialista possui um saber fragmentado, na maioria das vezes não relaciona seu saber com o todo e com a realidade, o que o dificulta de perceber as implicações éticas de suas determinações.

Além disso, o mundo que vivemos hoje, técnico e científico, também não tem nada de poético, tudo o que corresponde a subjetividade, a individualidade e a singularidade é desvalorizado, pois passa a ser tido como equívocos ou problemas, sejam estas as paixões, a imaginação, as emoções e a intuição, por não seguirem a objetividade racional da técnica.

Todas essas experiências promoveram um afastamento de nossas relações interpessoais e de nós mesmos, enfraquecendo a nossa autonomia e liberdade, deixando de lado nossa possibilidade de refletir criticamente, fazendo com que nossas relações sejam pautadas na eficácia e futilidade, tornando as pessoas cada vez mais egoístas, competitivas e individualistas.

Por conta dessas constatações, acredito que este é o momento mais adequado para pararmos e refletirmos sobre essa temática, para que possamos rever assim a vida que estamos levando.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
ARANHA, Maria Lúcia. História da Educação e da Pedagogia: Geral e do Brasil. São Paulo: Moderna, 2012.
COTRIM, G.; FERNANDES, M. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2013.