Nietzsche e seus aforismos

(Nietzsche, Edvard Munch, 1906)

Friedrich Nietzsche (1844-1900), filósofo e filólogo alemão que estudou a história das formas literárias e dos modos de pensar. Ele foi e ainda é muito mal compreendido, justamente por ter criticado a filosofia, o cristianismo e os valores morais do ocidente.

Ele escreveu grande parte de sua filosofia em aforismos e fragmentos, frases e textos curtos que sintetizam grandes reflexões. Para ele cada aforismo deve ser "ruminado", digerido lentamente, para que se possa dedicar um tempo apropriado para compreender, e não engolido como uma verdade. Neste breve texto comento alguns dos temas abordados em sua filosofia.


Críticas ao Idealismo


Um dos temas da filosofia de Nietzsche é a crítica ao idealismo metafísico, que desde Platão, passando pelo cristianismo, Descartes, Kant, até Hegel, valoriza a crença de que o mundo que vivemos só pode ser compreendido por meio de ideais abstratos e não pelo que percebemos ou experimentamos.
"Onde vocês vêem coisas ideais, eu vejo coisas humanas, demasiado humanas." (Nietzsche)
Segundo Nietzsche, os idealistas negam a vida, a existência e a potencialidade da existência, em vez disso valorizam os ideais que estão sempre "acima" da realidade. Idealista é aquele que acredita em qualquer realidade que esteja além da realidade que vivenciamos e experimentamos concretamente.

O homem é o criador de valores, mas se esquece de sua potência criadora quando os torna estáticos, fazendo deles algo "superior" a si mesmo. Os valores se tornam então "ordens metafísicas", enquanto são somente coisas humanas, demasiado humanas.

Na história da humanidade, a filosofia, com base no pensamento de Sócrates e de Platão, se desenvolveu como prática de "julgamento" da vida, tendo como medida valores "superiores" e "ideais", fazendo do filósofo um ser fraco, submisso a essas premissas ideais, deixando de lado suas experiências e sensações para buscar abstrações metafísicas.
"Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas." (Nietzsche)
Com sua "genealogia da moral", Nietzsche questiona os fundamentos de toda a filosofia ocidental desde Platão, compreendendo que uma certa concepção sobre filosofia foi tida como fundamento absoluto, e a partir dela toda a filosofia posterior foi erguida.

Porém, esse "fundamento absoluto" foi criado num determinado momento e com uma determinada finalidade. Os ideais platônicos e a concepção de sujeito de Descartes são criações humanas, estão recheados de crenças e valores humanos.

Deste modo, Nietzsche critica a ideia que temos de ser humano e de mundo embasada nessas filosofias. Crer em algo fixo e estável é uma tentativa humana de tentar controlar o devir, de querer ajustar a realidade que é caótica e que está em constante transformação.


Concepção de "verdade" em Nietzsche


A concepção de verdade, no sentido filosófico, foi influenciada inicialmente pelos pré-socráticos Pitágoras e Parmênides, mas desenvolvida de maneira mais sistemática por Sócrates e Platão, na busca do que é imutável e universal, o que eles julgavam ser diferente de nossas percepções, que se transformam com o tempo. A verdade para esses filósofos deveria estar além de nossas percepções.
"Não há verdades, apenas interpretações." (Nietzsche)
Nietzsche critica essa concepção sobre o que seja verdade. Segundo ele, acreditamos saber algo sobre as coisas, mas o que temos são apenas as ideias das coisas, que não correspondem as coisas mesmas. A busca de estabelecer o conceito de verdade ocorre pela igualação do não-igual, pelo arbitrário abandono das diferenças individuais, da desconsideração do individual e real.
"O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas." (Nietzsche)
Essa busca da "verdade" afastou o ser humano do conhecimento do fenômeno da realidade. Nietzsche entende a verdade como "criação de verdade", onde são possíveis diversas verdades, e o mais importante seria perceber qual verdade se mostra útil para a expansão da vida e qual vai no sentido contrário.

A intenção em sua filosofia não é chegar a uma "verdade", mas ampliar as possibilidades de se interpretar os fenômenos, que são sempre parciais e fragmentários, mas que por meio de aproximações e distanciamentos entre eles é possível ampliar sua percepção, sempre valorizando a pluralidade.
"As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras." (Nietzsche)

O além-do-homem e a vontade de potência


O além-do-homem, segundo Nietzsche, é aquele que aceita viver a vida em seu caos, numa constante transformação, criando seus próprios valores e afirmando a sua potência existencial.
"O homem é uma corda, atada entre o animal e o além-do-homem - uma corda sobre um abismo. Perigosa travessia, perigoso a-caminho, perigoso olhar-para-trás, perigoso arrepiar-se e parar."
(Nietzsche)
Cada pessoa pode escolher para si os valores de modo a desenvolver suas potências. O além-do-homem é o criador e transgressor dos valores correntes, é aquele que aniquila os valores tradicionais para criar os seus próprios valores. A vontade de potência é a afirmação da transformação, da potência e da multiplicidade.
"Mutação dos valores - essa é a mutação daqueles que criam. Sempre aniquila, quem quer ser um criador." (Nietzsche)
A transmutação dos valores possibilita um novo ser, que está além do próprio homem, além do bem e do mal e de todas as convenções de uma cultura decadente. Trata-se de uma moral que afirma a vida, que vive o risco, aceitando seus paradoxos e contradições.

O além-do-homem é aquele que tem vontade de vida, é aquele que cria, não o que reproduz. A vontade de potência é a inesgotável e geradora da vontade de vida. Qualquer tentativa de aniquilar as paixões é um desperdício, pois as paixões fazem parte do ser humano.
"Um homem bem logrado advinha meios de cura contra danos, utiliza acasos ruins em sua vantagem: o que não o derruba torna-o mais forte. Está sempre em sua companhia, quer esteja com livros, homens ou paisagens." (Nietzsche)

Saúde e doença


Para Nietzsche, a saúde não é a ausência de sofrimento ou ausência de doença, mas a abertura para se viver a vida em sua plenitude e em suas possíveis expansões, sejam elas tidas por saudáveis ou doentias. A doença é apenas uma condição que faz parte da vida, de modo que não há fato patológico.
"É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante."  (Nietzsche)
A loucura é parte da vida, pode inclusive representar uma genialidade e sabedoria. A doença pode ser útil para uma pessoa, isso vai depender de suas buscas e intenções. O conceito de uma "saúde normal" deve ser abandonado, pois há inúmeras saúdes no corpo.

Saúde corresponde a expansão da vida, a criação de valores, criando sentido para as coisas. A mutação dos valores é a mutação daqueles que criam, que aniquilam os valores postos para que se possa criar novos em favor da expansão da vida.
"Inesgotados e inexplorados estão ainda o homem e a terra do homem." (Nietzsche)
Nietzsche coloca o ser humano como criador de seus próprios valores, aberto a um mundo a ser explorado, livre para ampliar suas potências e seguir suas expansões. Trata-se de um filósofo que amplia muito a concepção de ser humano e influencia o existencialismo e filósofos pós-modernos, como Foucault, Derrida, Deleuze e Lyotard.

Segundo ele, não há justificação para valores, pois eles não são universais, assim como as ideias de um padrão moral absoluto.
"Você tem o seu caminho. Eu tenho o meu. Quanto ao caminho exato, o caminho correto, e o único caminho, isso não existe." (Nietzsche)