A fenomenologia existencial, desenvolvida por Heidegger, Sartre e Merleau-Ponty, se orienta a partir da tradição fenomenológica de Husserl, direcionando seu foco para a existência concreta e singular, a partir da experiência vivida, das estruturas do ser-no-mundo e das condições existenciais.
Essa abordagem concebe a existência situada, lançada num mundo de sentido e livre para se fazer em meio a escolhas e possibilidades existenciais. Além disso, entende ser possível, por meio da análise descritiva, desvelar as condições ontológicas da existência, considerando a liberdade e a responsabilidade como características fundamentais do existir humano.
Jean-Paul Sartre entendia que o homem está "condenado" a ser livre, pois não há uma essência prévia que determine sua existência, onde a todo momento se faz por meio de suas escolhas e ações. Martin Heidegger via o ser humano como "lançado" no mundo, cuja liberdade se expressa na assunção de sua finitude, ao invés de se perder nas convenções sociais e na impessoalidade.
"O homem está condenado a ser livre. Condenado, pois ele não se criou a si mesmo, e, por outro lado, contudo, é livre, já que, uma vez lançado no mundo, é o responsável por tudo aquilo que faz."
(Jean-Paul Sartre, em 'O existencialismo é um humanismo')
Michel Foucault, criticou a primazia do sujeito como fundamento da experiência. Embora seu pensamento inicial tenha influências da fenomenologia, ele se afastou da experiência existencial e da ideia de um sujeito transcendental ou originário. Em vez disso, propôs uma análise histórica e arqueológica dos saberes e das relações de poder que configuram os modos de subjetividade e o que entendemos por "sujeito".
"Penso, pelo contrário, que o sujeito se constitui através das práticas de sujeição ou, de maneira mais autônoma, através de práticas de liberação, de liberdade."
(Michel Foucault, em 'Uma estética da existência')
Enquanto a fenomenologia existencial busca descrever as estruturas da experiência vivida, Foucault investigou como as condições históricas e sociais configuram os modos de ser e agir, os saberes, as relações de poder e os regimes de verdade. Para Foucault, não há uma existência a ser desvelada, mas processos contingentes de subjetivação, que emergem e variam conforme o tempo, o espaço e as condições históricas.
A fenomenologia existencial busca descrever a experiência a partir da perspectiva do vivido, reconhecendo a facticidade e a historicidade do ser. Por outro lado, Foucault analisou as condições históricas de saberes e relações de poder que possibilitaram a produção de modos de vida e de entendimento, considerando a subjetividade não como ponto de partida, mas como um efeito histórico dos discursos e das relações de poder.
Com relação à origem filosófica, a fenomenologia existencial tem suas raízes no pensamento de Husserl, reorientada por Heidegger, Sartre e Merleau-Ponty, que enfatizam as dimensões existenciais e históricas. Em Foucault, seu pensamento é marcado por múltiplas influências, incluindo o estruturalismo, a epistemologia francesa, o materialismo histórico e a fenomenologia, além de pensadores como Nietzsche, Kant, Hyppolite e Canguilhem.
O objeto de estudo da fenomenologia existencial é a existência singular, concreta e situada. Em Foucault, seu objeto de estudo se direciona para a análise das condições históricas e das práticas de poder e saber que possibilitaram a constituição dos sujeitos, entendendo os sujeitos como efeitos de práticas discursivas e não discursivas, que envolvem saberes, relações de poder e modos de subjetivação.
"O problema é ao mesmo tempo distinguir os acontecimentos, diferenciar as redes e os níveis a que pertencem e reconstituir os fios que os ligam e que fazem com que se engendrem, uns a partir dos outros. Daí a recusa das análises que se referem ao campo simbólico ou ao campo das estruturas significantes, e o recurso às análises que se fazem em termos de genealogia das relações de força, de desenvolvimentos estratégicos e de táticas."
(Michel Foucault, em 'Microfísica do Poder')
Quanto ao método, a fenomenologia utiliza a descrição das estruturas da experiência vivida e a análise das condições existenciais. Em contraste, Foucault utiliza a Arqueologia (análise dos discursos e das condições históricas de produção dos saberes) e a Genealogia (investigação das origens e transformações das práticas sociais e relações de poder), se atentando ao modo como os regimes de verdade e as relações de poder produzem e configuram os sujeitos.
A verdade, para a fenomenologia existencial, é entendida como o desvelamento do ser (aletheia). Para Foucault, a verdade é produzida pelos efeitos dos regimes discursivos e das relações de poder. A liberdade, para a fenomenologia existencial, é uma condição ontológica essencial do ser, atrelada à responsabilidade e à angústia. Para Foucault, a liberdade é entendida como uma prática de resistência e contestação aos poderes e saberes legitimados, desafiando as estruturas que moldam a subjetividade.
"(...) para Foucault, a liberdade é uma questão de experimentação. Abrir um 'espaço de liberdade concreta' não é descobrir quem podemos ser e então ir até aí; é tentar diferentes possibilidades para as nossas vidas, diferentes "transformações possíveis", ver aonde poderiam levar. Viver livremente é experimentar consigo mesmo, nem sempre sabendo se você está se libertando das forças que o têm moldado, nem tendo certeza dos efeitos da própria experimentação. Trata-se de tentar criar uma vida a partir de um espaço de incerteza."
(Dianna Taylor, em 'Foucault: conceitos fundamentais')
Foucault entende que as estruturas históricas antecedem e condicionam os discursos e os sujeitos. Seus estudos analisam as condições que possibilitam a emergência e a estruturação de determinados discursos, saberes e práticas. Em seu livro "As Palavras e as Coisas", Foucault apresenta sua noção de "episteme" como uma estrutura subjacente de saberes e práticas que determina o que é considerado pensável e dizível numa determinada época.
De maneira geral, Foucault direciona seu foco para as estruturas históricas e discursivas, que configuram os saberes e os sujeitos, anteriores à existência, rejeitando a busca por essências ou significados a partir da existência. Para ele, o sujeito é uma construção histórica, resultante das relações de saber e poder.
CERBONE, David. Fenomenologia. Tradução: Caesar Souza. Petrópolis: Vozes, 2014.
DÍAZ, Esther. A filosofia de Michel Foucault. São Paulo: Editora Unesp, 2012.
FOUCAULT, Michel, Uma estética da existência, 1984. Em: Ditos & Escritos Vol. V - Ética, Sexualidade, Política.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.
TAYLOR, Dianna (org.). Michel Foucault: conceitos fundamentais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.