Dizer que todos vivem em prol de um projeto de poder talvez pareça uma conclusão exagerada, mas é uma ideia que tem feito sentido para mim. Escrevo este texto não como uma tentativa de teorizar um fenômeno social ou psicológico, mas para expressar um incômodo sobre algo que observo na sociedade e que certamente também me atravessa.
Atualmente há uma intensa necessidade de acumular capital e consumir produtos. As pessoas compram e buscam acumular dinheiro, muitas vezes sem um sentido real. Aqui faço uma distinção entre acumular capital e consumir produtos, pois percebo que essa busca não é sempre sobre ter mais dinheiro, mas também sobre possuir um produto específico de alto valor. Os motivos que levam a este tipo de consumo são diversos: propagandas (frequentemente feitas por influenciadores digitais) que atribuem valores morais a produtos que pouco representam em termos de funcionalidade, ou impulsos de consumo ligados a compulsões com a tentativa de alcançar paz e até simplesmente por status. Além disso, existe a necessidade de comunicar esse consumo. As propagandas incentivam isso, o produto consumido diz algo sobre quem você é. Expor o que se comprou torna-se uma forma de afirmar “identidades”. E nessa lógica, não se pode ficar para trás, sempre haverá um produto mais eficaz, mais luxuoso, mais recente é preciso sempre se atualizar! Assim se constroem conexões com o mundo e planos de vida a longo prazo, com base naquilo que se possui ou se deseja possuir, seja dinheiro ou bens.
No título do texto, uso a palavra "poder" com dois significados que se complementam. O primeiro é o "para poder": permitir-se fazer, ser ou sentir algo. Nesse caso, a frase inicial deveria substituir a preposição "de", por "para". O segundo é o "de poder": domínio, controle, força sobre algo ou alguém. Os dois sentidos se articulam bem para traduzir meu sentimento sobre um fenômeno muito comum no sujeito contemporâneo, a excessiva abstração dos valores e a perda do real.
Dentro da lógica social e econômica atual, ambos os sentidos do poder se conectam diretamente ao desejo de acumular dinheiro ou possuir produtos. Se tenho capital, posso ser admirado por mim mesmo e pelos outros, posso fazer o que quero, posso, com o produto certo ou com dinheiro suficiente, sentir felicidade. O capital surge como necessidade, e apenas a partir do seu acúmulo eu me permito ou posso (poder) “viver” certas experiências. Por outro lado, é através do poder sobre algo, especialmente nas relações, que se adquire esse capital que me permite. Há portanto uma retroalimentação entre esses dois sentidos, com poder sobre, alcanço o poder para.
Essa lógica está presente nas relações sociais, tanto profissionais quanto pessoais. Tenho a impressão de que há uma cultura disseminada em que o valor das relações está diretamente relacionado ao que se pode obter delas, sejam ganhos materiais ou imateriais. Assim, pelo poder sobre (as pessoas, os meios, as situações), alcança-se o capital necessário para o poder para (realizar o que faz sentido para si).
Vale ressaltar que a desigualdade social aprofunda essa lógica, pois os mais pobres têm apenas sua força e tempo de trabalho como moeda para “poder” realizar qualquer projeto de vida. Ainda assim, mesmo com recursos limitados, são atravessados por uma cultura que exalta objetos e experiências de alto valor simbólico (celulares de última geração, roupas de marca, eventos caros), cuja aparência muitas vezes supera sua real utilidade ou impacto na vida cotidiana. Assim, mesmo quem não pode ter poder sobre os meios, as pessoas ou situações é colocado sob a pressão de desejar, imitar e comunicar esses status, reforçando um ciclo que pouco tem a ver com necessidades existenciais e muito com expectativas impostas.
Mas se a vida é para ser assim, até que ponto essa forma de viver é autêntica e até que ponto é imposta? Até que ponto estamos conscientes do custo desse projeto que consome a própria vida? Lembro aqui de uma frase conhecida do ex-presidente uruguaio José Mujica:
"Porque quando compramos algo, não compramos com dinheiro, mas com o tempo de vida. O tempo de vida que gastamos para ter o dinheiro. Com uma diferença: o dinheiro não compra a vida. A vida se gasta."
Partindo de uma perspectiva inspirada em Foucault, não pretendo julgar quem se adequa consciente ou inconscientemente à lógica do acúmulo de capital e do consumismo. Meu intuito não é afirmar se essa é ou não a melhor forma de existir nos tempos contemporâneos, mas sim expor minha inquietação diante dos efeitos dessa lógica. Não se trata de discutir sua veracidade como se houvesse uma única forma verdadeira de viver, pois, como diz Foucault:
"Ora, creio que o problema não é de se fazer a partilha entre o que no discurso revela de cientificidade e da verdade, e o que revelaria de outra coisa, mas de ver historicamente como se produzem efeitos de verdade, no interior de discursos que não são em si nem verdadeiros nem falsos." (FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Tradução e organização de Roberto Machado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016. ).
A partir disso não acumulo capital, mas alguns questionamentos: até que ponto esse plano pessoal de/para poder é, de fato, uma verdade minha? Até que ponto é isso o que realmente quero? Como e quando a ideia de que “ter dinheiro é sinônimo de felicidade e bem-estar” se instalou em mim? Sou capaz de refletir criticamente sobre isso? Tenho consciência da construção dessas verdades na minha vida? É claro para mim o quanto essa cultura influencia meus propósitos? E, sobretudo, é possível viver de uma forma diferente e ainda assim feliz? Se sim, como pretendo fazer?