Catarse em Aristóteles

Aristóteles (384-322 a.C.), em sua obra "Poética", introduz um conceito poderoso e profundo: a catarse. Para ele, a catarse é um processo de purificação da alma por meio da vivência de intensas emoções diante de uma manifestação artística, como um drama ou uma tragédia. Por meio desta experiência estética, o espectador é levado a confrontar aspectos profundos de sua própria existência.

A palavra "catarse" tem sua origem no grego, vem de kátharsis. A obra de arte, segundo Aristóteles, não é apenas um objeto passivo a ser contemplado, mas algo que deve ser consumido e apropriado por um sujeito. Assim, a catarse não se trata apenas de um fenômeno externo, mas prioritariamente de uma experiência interna, que ocorre dentro do indivíduo que se entrega à experiência artística.

Trata-se de uma libertação do que é estranho à essência ou à natureza de uma coisa, que a perturba ou corrompe. Em Platão, este termo tem um sentido moral e metafísico. Aristóteles utilizou a catarse em seu sentido médico de purificação ou purgação, tendo o sentido de uma purgação de resíduos corporais que o organismo procede para evitar que adoeça.

"Regra da catarse (purificação): a tragédia tem uma finalidade educativa e formadora do caráter e das virtudes, por isso deve suscitar no espectador paixões que imitem (simulem e emulem) as que ele sentiria se, de fato, os acontecimentos trágicos acontecessem e deve, a seguir, oferecer remédios para essas paixões, fazendo o espectador sair do teatro emocionalmente liberado ou no goerno de suas emoções. O espectador deve aprender, pela imitação (isto é, pelo espetáculo oferecido), o bem e o mal das paixões, o que podem fazer de terrível ou benéfico para os humanos."
(Chauí, em 'Introdução à História da Filosofia', 485-486p.)

Enquanto fenômeno estético, a catarse possibilita uma libertação e a purificação dos afetos. Não há diferença, em Aristóteles, entre o significado da catarse estética e médica ou moral, sendo ambas uma espécie de tratamento das afecções (físicas ou espirituais) que não as anula, mas as reduz para dimensões compatíveis com a razão.

Quando se vivencia uma tragédia, por exemplo, o espectador é confrontado com as vicissitudes dos personagens, com suas questões pessoais e lutas internas. Essas emoções intensas despertam um processo de purificação da alma, levando o espectador a refletir sobre sua própria vida e suas escolhas. A obra de arte, assim, torna-se um espelho no qual o espectador pode se enxergar de uma maneira mais clara e profunda.

A catarse, portanto, não é apenas um entretenimento passageiro, mas um processo que possibilita uma revisão da própria existência. Ao questionar como estamos conduzindo nossas vidas, somos confrontados com nossos medos, desejos e conflitos internos. Nesse sentido, a catarse é um convite à autoconsciência e à autotransformação.

Além disso, a catarse não se limita apenas ao momento da experiência artística. Ela pode ter efeitos amplos na vida do espectador, modificando sua existência em vários aspectos. Ao liberar emoções reprimidas e confrontar aspectos obscuros de si mesmo, o espectador se torna mais consciente de suas próprias possibilidades de vida.

Enfim, a catarse é um processo profundo e transformador, que possibilita ao espectador vivenciar intensas emoções e liberar potencialidades latentes em sua própria existência. Ao consumir e se apropriar da obra de arte, o sujeito é levado a uma jornada interior que pode alterar sua percepção de si mesmo e suas relações com o mundo.


Por Bruno Carrasco, terapeuta e professor, graduado em psicologia, licenciado em filosofia e pedagogia, pós-graduado em ensino de filosofia, psicoterapia fenomenológico-existencial e aconselhamento filosófico. Possui interesse na filosofia antiga e contemporânea, em distintas perspectivas de psicologia e autores como Nietzsche, Foucault e Deleuze.

Referências:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos à Aristóteles, volume 1. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
DRUCKER, Claudia Pellegrini. Estética. Florianópolis: Filosofia/EAD/UFSC, 2009.