Concepções de Subjetividade em Psicologia - May Ferreira

O livro Concepções de subjetividade em psicologia, escrito por May Ferreira, oferece uma visão introdutória sobre a história das ideias psicológicas a respeito da noção de subjetividade na Filosofia, nos primórdios da Psicologia científica, na perspectiva condutivista e Freudiana, apontando o contexto político e econômico no qual emergiram as questões referentes ao indivíduo e a subjetividade.

Fragmentos do livro:

A questão da subjetividade é central em Psicologia, constituindo-se, inclusive, como o seu objeto de estudo primordial.

Constata-se que, na maioria dos cursos de graduação em Psicologia, a formação do aluno se faz de maneira "a-histórica". O aluno estuda várias correntes e tendências psicológicas, sem estabelecer nexos históricos que lhes são determinantes. Em alguns casos, desconhece-se a importância das bases oriundas da Filosofia e das idéias psicológicas nos seus primórdios.

No contexto das ciências humanas, a Psicologia foi desenvolvida através de métodos que a tornassem científica, adquirindo então, através do diálogo com as ciências naturais, o mecanismo que a distanciou do seu objeto central, ou seja, o sujeito, com toda sua expressão e subjetividade.

Para se tornar científica, a Psicologia passa a controlar os métodos de observação, evitando o acaso e os fatores singulares, para buscar as leis universais alcançadas pelo teste de hipóteses e seus corolários.

As diversas correntes epistemológicas que emergem a partir da constituição da Psicologia como ciência independente oscilam entre concepções centradas no objeto, no sujeito e na interação de ambos sob o ponto de vista materialista, idealista ou interacionista.

O sistema de pensamento filosófico construído por René Descartes (1596-1650), na Europa setecentista, influenciou todos os ramos da ciência moderna e a visão de mundo ocidental nos séculos posteriores.

Sendo considerado como fundador da Filosofia e da ciência moderna, Descartes contribuiu fortemente para a constituição posterior da Psicologia fisiológica e da reflexologia. Explicava os fenômenos psíquicos a partir do paralelismo psicofísico, ou seja, haveria duas formas distintas de substância: "res extensa" e "res cogitans".

A primeira entendida como tudo aquilo que tem extensão e que pode ser percebido pelos sentidos, podendo ser determinado, mensurado, quantificado. A segunda seria uma substância metafísica, pertencente ao terreno da qualidade, estando encarregada de elaborar o pensamento, mas não podendo ser percebida pelos sentidos, nem ser determinada geometricamente.

O "cogito" cartesiano privilegiava a razão em relação a matéria, sendo o "si mesmo" algo racional e metafísico, a alma era a própria razão.

A influência do positivismo no domínio das ciências impõe um paradigma mecanicista que se tornou universal no âmbito acadêmico e na maioria das instituições científicas desde o século passado. Augusto Comte, seu principal expoente, chegou a propor uma classificação das ciências em abstratas e concretas, segundo a "positividade" do seu objeto, que deveria estar submetido à observação e à experimentação.

Sob a influência das Filosofias empiristas, associacionistas e positivistas do século XIX, iniciaram-se as investigações acerca da fisiologia do sistema nervoso animal e humano, que mais tarde viriam a propiciar o surgimento da Psicologia experimental, na Alemanha.

Neste sentido, é necessário compreender as contradições que movem a história das ideologias, do conhecimento científico, e da Psicologia, mais especificamente.

As relações sociais capitalistas de produção são uma forma complexa de organização das condições de trabalho, isto é, da relação que os seres humanos estabelecem entre si e com o conhecimento acumulado, para produzir as suas condições materiais e espirituais de existência. Ou seja, através do processo de trabalho, produz-se a sociedade e a cultura a qual o indivíduo passa a ser parte integrante como produto e sujeito ao mesmo tempo.

Desde que o capital tornou-se dirigente do processo de trabalho, as relações sociais de produção se transformaram em um meio para a valorização do capital. (...) A característica básica dessa relação é a existência do "indivíduo livre" e apto para engajar-se na esfera da produção também como "mercadoria".

No modo de produção capitalista, a produção dominante é de mercadoria, quer sejam ideias ou coisas, tudo passa a ser mercadoria, inclusive os seus produtores.

Sobre essa base econômico-social elevam-se as instituições sociais expressando as formas e características do pensamento dominante em cada etapa do seu desenvolvimento.

A ideologia liberal revela que a revolução burguesa estava nas consciências, no pensamento dos filósofos e nas práticas sociais. Além de ser uma visão de mundo, o capital instaura uma forma diferente de relações sociais.

A estabilidade das sociedades agrárias e escravocratas cedeu lugar ao "cosmopolitismo" burguês que se desenvolve mais rapidamente ao longo do século XIX. A paisagem urbana se altera e os indivíduos começam a se dar conta de que os valores já não são mais os mesmos e que há uma forma diferente de relacionamento social.

O ambiente moderno une geograficamente os indivíduos, mas os divide nas relações sociais de produção. O homem, que produz a máquina, não se reconhece no produto que ele gera, nem controla seu ritmo de produtividade.

Tudo o que é produzido é pulverizado no mercado, e o indivíduo, que convive com essa rapidez de troca, não se reconhece mais como sujeito e como parte de um ambiente social identificado. A desintegração progressiva dos laços sociais, verificada na atomização da sociedade que isola os indivíduos, gera um sentimento de solidão e desamparo.

A metamorfose moderna que atinge as pessoas e suas formas de vida gera sensação de incapacidade de viver com o caos que se instala internamente.

Ao lado dessas condições objetivas surge a necessidade de educar, disciplinar e controlar os indivíduos desviantes da norma.

Na confluência de todos esses aspectos da experiência humana, tal qual se realizava no final do século XIX, emerge a Psicologia como ciência independente.

A concepção de "subjetividade" faz parte do processo de construção das ciências humanas e, mais especificamente, da ciência psicológica. Não se pode negar, que os economistas ingleses, como Bentham e Stuart Mill, já se haviam dado conta que os aspectos subjetivos fazem diferença no mercado. O subjetivismo racional foi uma das teorias econômicas desenvolvidas no final do século XVIII e primeira metade do XIX.

Outra providência baseada no utilitarismo era a racionalização dos meios para elevação dos ganhos do capital, através do controle calculado e previsível sobre as matérias-primas, sobre os gastos de produção, sobre o trabalho e sobre as vendas finais do produto. Assim tudo precisaria ser pesado, medido, contabilizado, registrado e premeditado, inclusive o comportamento individual.

A tarefa da Psicologia seria, entretanto, alcançar as leis mais gerais da natureza humana, do gênero humano.

Oscilando netre as investigações que dão primazia ao sujeito e seus mecanismos privados, e aos objetos externos que estimulam cada organismo em particular, a Psicologia ocidental emergiu não conseguindo dar conta da totalidade dos fenômenos psíquicos nem de seus condicionantes.

A Psicologia torna-se científica, dentro dos cânones das ciências físicas, quando passa a controlar seus objetos de investigação, podendo repeti-los em condições determinadas previamente. A generalização dos resultados é alcançada, repetindo-se os experimentos, evitando o acaso, e testando exaustivamente cada hipótese levantada. A especificidade, os fatores singulares, ou seja, o sujeito e suas idiossincrasias eram tratados sob a condição de respostas orgânicas.


Fonte:
FERREIRA, May Guimarães. Concepções de subjetividade em psicologia. Campinas, SP: Pontes, 2000.

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