Perspectivas Radicais em Psicologia - Nick Heather

O livro 'Perspectivas Radicais em Psicologia', escrito por Nick Heather, aponta críticas sobre as principais correntes de Psicologia e Psiquiatria acadêmicas, contestando o pressuposto positivista que supõe que tais disciplinas sejam "objetivas" e "neutras". O autor argumenta que esses saberes possuem intuitos morais, ideológicos e políticos.

A psicologia não é uma atividade isenta de valores, como geralmente se pensa, mas uma forma moderna de ideologia e controle, que separa o mundo da ciência e o mundo dos valores, gerando um efeito desastroso: cientistas que não consideram as consequências éticas de suas pesquisas e outros que atuam de maneira meramente técnica, servindo a interesses morais, políticos e econômicos.

O movimento radical em psicologia direciona suas críticas contra dois alvos principais: o comportamentalismo positivista e a psiquiatria biomédica. O positivismo é uma tentativa de lidar com as questões humanas com base no método das ciências naturais, a psiquiatria biomédica considera o transtorno mental como resultante unicamente de distúrbios bioquímicos.

A psicologia moderna, de modo geral, procura descobrir os "eventos antecedentes" que precedem uma determinada conduta com uma certa regularidade, para que tal conduta seja prevista em uma futura situação, assim elabora teorias sobre o comportamento e os modos de ser com base no método positivista, evidenciando as regularidades, descartando as irregularidades.

O autor alerta para que a psicologia não se torne apenas uma força de manutenção de um sistema mais amplo de controle social, defendendo a importância das pessoas tomarem contato consigo mesmas existencialmente e lidar com suas questões. Para isso, teria de deixar de se colocar em favor dos que detêm o poder, para se converter num empreendimento humano e democrático.

Fragmentos do livro:

Se as críticas à psicologia e à psiquiatria apresentadas neste livro são radicais é porque desafiam os pressupostos dessas disciplinas em suas raízes. E se são reclamadas mudanças na psicologia e psiquiatria como parte de uma mudança mais ampla e radical na sociedade, é porque a sociedade precisa ser transformada em suas raízes.

(...) a psicologia atual não é o empreendimento objetivo e isento de valores que usualmente se pensa, mas, ao contrário, é uma forma moderna de ideologia.

(...) a principal propriedade do positivismo, tal como é revelada nos vários ramos da psicologia a que os radicais se opõem. É que todos eles, à sua respectiva maneira, usam a ciência para desumanizar o homem.

Embora a psicologia tenha percorrido um longo caminho desde os primeiros tempos do behaviorismo, é crucial reconhecer que ela continua sendo ainda fundamentalmente mecanicista em sua descrição do homem. Por mecanicista, entendo simplesmente que o homem continua a ser descrito como se fosse alguma espécie de máquina complicada. Assim, ele é visto como algo passivo e inerte, só acionado pela ação de alguma força, externa ou interna, exercida sobre ele. Em princípio, seu comportamento é totalmente explicável em termos de "causas" sobre as quais não tem controle algum; (...). Esses são alguns dos pressupostos implícitos na noção de causalidade que a maioria dos psicólogos tem na cabeça.

A psicologia reforça o seu culto da normalidade abordando qualquer comportamento que se desvie dessas normas como sendo, por definição, um reflexo de desajustamento individual, imaturidade emocional, patologia mental ou algum outro conceito negativamente avaliado.

Achamos o comportamento perturbador porque consideramos a loucura pavorosa. E consideramos a loucura pavorosa porque ela evoca áreas potenciais de nossa própria experiência sobre as quais preferíamos nada saber.

Se o número de pessoas na população que parecem necessitar de psicotrópicos for considerado uma indicação do stress da vida moderna, não deveríamos estar fazendo mais para reduzir as fontes desse stress na sociedade, em vez de recolhermos as suas baixas depois que ocorreram?

Por outro lado, pode ser verdade que os especialistas têm encorajado as pessoas a considerar qualquer grau de desconforto emocional como algo intolerável que deveria ser imediatamente anulado; a infelicidade deixou de ser parte natural da vida e passou a ser um indício de que a pessoa requer tratamento.

Achamos o comportamento perturbador porque consideramos a loucura pavorosa. E consideramos a loucura pavorosa porque ela evoca áreas potenciais de nossa própria experiência sobre as quais preferíamos nada saber.

O problema que Szasz nos convida à ponderar é este: por que os membros ajustados da sociedade reagem com tão implacável selvageria em relação aos seus desviantes? Por que é que tememos e odiamos as pessoas que são diferentes?

Quem é louco, o paciente ou o psiquiatra?

Ser normal é ser meramente o produto acabado de um condicionamento social cujo propósito é criar um falso eu que se adapte a falsas realidades.

Evidentemente, a finalidade de qualquer controle social é estabilizar a espécie de sociedade que existe agora e assim impedir que ela mude. A contribuição da psiquiatria para esse esforço pode ser vista de diferentes maneiras.

Em primeiro lugar, a psiquiatria serve à máquina industrial consertando suas peças quebradas e repondo-as, literalmente, em ordem funcional. Em tempo de guerra, a tarefa da psiquiatria consiste em devolver às linhas de frente as vítimas de traumas neuróticos; em períodos de paz, tem a tarefa análoga de devolver o produtor consumidor à mesa de trabalho, à pia de cozinha e ao supermercado.

Em segundo lugar, a psiquiatria reforça a gama cada vez mais restrita de possibilidades humanas exigidas pela sociedade, legislando o que é conduta normal, sã e permissível, e o que é anormal, mórbido e intolerável.

Finalmente, a psiquiatria serve à função de disfarçar as baixas de um sistema social impiedoso, competitivo e insensível, retratando-as como conseqüência de "psicopatologia individual". Desvia assim as atenções das causas reais de desgraça humana: pobreza, degradação, injustiça e opressão. Além disso, a psiquiatria aumenta a opressão ao obliterar o protesto, tanto consciente e explícito como inconsciente e implícito, e destruir a mente daqueles que poderiam, de outro modo, descobrir a verdade.

Um dos meios pelos quais o comportamento desviante é frequentemente desacreditado consiste em associá-lo a alguma espécie de rótulo depreciativo: neurótico, psicótico, psicopático, etc. A utilidade desse processo de classificação é que, uma vez alguém rotulado desse modo, isto é, como entidade reconhecível que necessita de "tratamento", "modificação" ou alguma outra forma de correção, fica-se, por conseguinte, habilitado a controlar essa pessoa e a remover qualquer ameaça que o seu comportamento crie para a continuidade ordeira do mundo em que se vive. Assim, a psicologia e, em especial, a psiquiatria têm benefícios muito práticos a oferecer ao establishment.

A nossa sociedade requer que as pessoas se pensem máquinas ou meros organismos. Ela depende crucialmente de as pessoas serem desligadas de sua experiência porque se derem uma vez ouvidos à sua experiência, aos seus anseios de criatividade, amor genuíno, realização pessoal, deixarão de ser os autômatos que a máquina exige. A máquina tecnológica insiste numa atenuação das possibilidades humanas, numa desoladora uniformidade de gosto e num cerceamento das aspirações em seus produtores e consumidores, pois só assim pode continuar a desovar seus produtos redundantes. Por conseguinte, a psicologia de nossa era deve ver os homens como objetos, como organismos emissores de comportamento, porque isso é o que o sistema requer que eles sejam. Tampouco foi por acidente que o behaviorismo nasceu quase ao mesmo tempo e no mesmo lugar que o mais avançado sistema capitalista que o mundo conheceu, e pouco depois da invenção da linha de montagem por Henry Ford. O rato na caixa de Skinner, trabalhando e consumindo estúpida e monotonamente em seu ambiente estéril e "estruturado", é uma paródia da situação do homem moderno no capitalismo avançado - o sonho de Henry Ford. Temos uma psicologia desumanizante numa sociedade desumanizada.

A nossa sociedade requer não só uma divisão entre a experiência das pessoas e seu comportamento, mas também uma divisão entre o indivíduo e a sociedade em que ele vive — e isto reflete-se igualmente em nossa psicologia. Os homens podem fazer a sua própria história, criar os seus próprios meios ambientes, e por vezes o fazem; mas é essencial para a continuação da máquina que a maioria dos homens não se aperceba disso. As mudanças qualitativas na sociedade ocorrem quando grandes números de seres humanos compreendem de súbito que a sociedade não é uma coisa que existe independentemente deles, que sempre aí tenha estado em sua forma atual e à qual se devem ajustar, mas, pelo contrário, é uma criação do homem pela qual eles são, ou poderão ser, responsáveis. É por esse motivo que, como parte da tentativa de impedi-los de entender isso, existe a divisão entre as disciplinas acadêmicas de psicologia e sociologia; uma delas estuda o indivíduo como uma coisa e a outra estuda a sociedade como uma coisa, e nunca as duas se encontrarão. É também por isso que a psicologia moderna retrata o homem isolado do contexto do mundo criado pelo homem e onde ele vive. Devolvê-lo a esse mundo imediatamente suscita o perigoso pensamento de que a pobreza, degradação e opressão não estão simplesmente "aí", mas são responsabilidade dos homens e podem ser mudadas.

Fonte:
HEATHER, Nick. Perspectivas Radicais em Psicologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.