Descartes e o Racionalismo

René Descartes, registro por John O'Brien, Séc. XVII

René Descartes foi um dos mais importantes filósofos do período moderno, foi também físico e matemático. É dele a famosa sentença "penso, logo existo", que evidencia o pensamento como uma característica fundamental do ser humano, além de uma evidência da existência de um ser pensante. Nascido na França, viveu o período da modernidade, durante o século XVII, na busca de um método seguro para o conhecimento.

Entre as características do período moderno, na filosofia, pode-se citar a ruptura com a tradição escolástica e aristotélica, a oposição à autoridade da fé, a exaltação da razão humana e a crença no poder desta razão para se conhecer e ordenar o mundo, o aparecimento do sujeito do conhecimento e a busca de evitar os erros, enganos e falsidades a partir de um método para colocar a razão numa base mais segura.

Neste momento, no contexto histórico estava germinando uma crise econômica e política, numa transição entre o absolutismo e o liberalismo. A aristocracia se divertia com bonecos mecânicos que se moviam a partir de tubulações, o espírito do mecanicismo evidenciava o relógio como "a mãe das máquinas", destacando sua precisão e controle. A filosofia buscava conhecer as leis dos seres e da natureza para melhor prever e controlar, entendendo que todo efeito físico resulta de uma causa que pode ser medida e entendida com o uso de equipamentos de medição.

"Penso, logo existo."
(René Descartes)

Foi então que ele elaborou o argumento do cogito, visando encontrar um fundamento seguro para o conhecimento e refutar o ceticismo, ele praticou a dúvida metódica, colocou em questão tudo o que pensava e o que aprendeu pela tradição até encontrar uma certeza que fosse imune à dúvida. Seu objetivo era se esvaziar de conhecimentos e crenças, inclusive duvidando de nossos sentidos.

Por duvidar sobre tudo ele se questionou se estava dormindo e sonhando, e pensou, se estiver sonhando, mesmo no sonho há algumas considerações que me dão certezas, ou seja, mesmo que eu esteja sonhando dois mais dois continuam a ser quatro, o círculo continua a ser redondo, a mesa continua a ter quatro pernas. Portanto, mesmo que eu esteja sonhando ou que meu corpo não exista, há algo que pensa, um ser pensante, que dúvida. Pois, apesar de duvidar de tudo, a dúvida e o pensamento persistem.

“Eu mesmo, diz Descartes, meu próprio corpo, meus sentidos, minhas faculdades cognitivas foram postos em dúvida; e, sobre qualquer coisa que eu pense, há um deus enganador que pode fazer com que me engane. (...) Pois até mesmo para que o deus enganador possa me enganar sobre todas as coisas, é preciso que eu exista.”
(Marcondes, em ‘Iniciação à História da Filosofia’)

Mesmo tendo colocado tudo em dúvida, Descartes percebeu que algo permanecia, que era justamente o pensamento e o ato de duvidar, como uma ação do pensamento. Portanto, ele concluiu que o ato de pensar seria a única verdade livre de dúvidas, e se penso é necessário a existência de um ser pensante, por isso o "penso, logo existo". Todo o restante pode ser falso, se estou acordado ou sonhando, se tenho um corpo, o que estou vendo, mas apesar disso continuo a pensar.

A existência de um ser pensante se torna, portanto, um princípio básico de sua filosofia. O "eu penso" se torna um ponto fixo que não há como ser questionado, pois está livre de dúvidas. Assim que ele entende o existente humano como uma substância pensante, e que se exalta o sujeito do conhecimento, pois se pensa pode-se conhecer as coisas a partir do pensamento, mesmo que não tenha a experiência concreta dessas coisas.

Além disso, Descartes entende que no mundo há duas substâncias distintas e separadas, o dualismo mente-corpo, onde há a substância pensante (res cogitans), que corresponde à esfera do eu e da consciência, e a substância extensa (res extensa), que corresponde ao mundo corpóreo e material. O ser humano seria então portador da substância pensante (o pensamento) e da substância extensa (o corpo), enquanto a natureza seria apenas composta de substância extensa, visto que ela não teria a capacidade de pensar.

Com o destaque dado ao pensamento, Descartes entendia que o pensamento é mais certo do que a experiência sensorial, priorizando o ser pensante ao invés do objeto percebido, evidenciando a atividade do ser pensante com relação ao objeto pensado. Desconfiando das percepções sensoriais, pois entendem que estas nos conduzem a erros, passa-se a entender o conhecimento como uma atividade lógica da mente, e a utilizar a matemática como um instrumento seguro para o conhecimento da realidade.

Em seu tempo permeava um pensamento mecanicista, que entendia as pessoas e os animais como máquinas, que, portanto poderiam ser explicadas pelas leis naturais de movimento. A natureza poderia ser equacionada a partir da matemática, por meio do exercício da razão, evidenciando a física e as ciências naturais, pois tudo o que é material estaria sujeito às leis de medida e cálculo. Trata-se de uma tendência de "matematizar a natureza".

O corpo era entendido como uma máquina, um corpo mecânico onde os nervos eram associados às tubulações de água, os músculos e tendões eram associados aos motores e molas, que em conjunto operavam atividades como a digestão, circulação e locomoção. O movimento era entendido por Descartes enquanto uma ação involuntária, que poderia ser previsível a partir de seu estudo. Cabia apenas à mente a capacidade de pensar, operando um dualismo que separava mente e corpo.

Descartes elaborou um método seguro para a busca de conhecimento, que consistia em aceitar como verdadeiro apenas o que for absolutamente evidente, alcançado por meio da atividade da razão, dividindo cada dificuldade em quantas partes for possível para resolver melhor, tal como um relógio mecânico que poderia ser desmontado para se compreender cada peça, indo dos problemas mais simples aos mais complexos e fazendo verificações completas para ter certeza que nenhum aspecto do problema foi omitido.

O racionalismo de Descartes também admitia a existência de ideias inatas, que seriam fundadoras do conhecimento. Eram inatas, pois o filósofo entendia que elas nasciam juntamente com o sujeito pensante, e dispensavam a percepção de um objeto exterior para formar o pensamento. Como exemplo podemos pensar os conceitos matemáticos, a noção de Deus e as formas geométricas. Por isso, o conhecimento seria uma atividade lógica-dedutiva realizada mentalmente, dispensando a experiência concreta.

De modo geral, o racionalismo defende a noção que o conhecimento obtido pela razão é mais confiável do que o conhecimento obtido pela experiência sensível, pois entende que essa experiência pode sempre nos levar ao engano. Difere-se do empirismo, que entendia que todo conhecimento se originava na experiência, e o papel da razão era apenas de organizar esse conhecimento obtido. Com essas perspectivas Descartes vai influenciar fortemente a filosofia e a ciência moderna.



Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
ABRÃO, Bernadette. História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
REZENDE, Antonio. Curso de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.