Pedagogia tradicional X libertadora


Entre as tendências predominantes na pedagogia tradicional há um distanciamento entre os modelos propostos e realidade concreta, fazendo com que a prática se distancie da realidade cotidiana dos alunos e professores, muitas vezes preparando o aluno para um mundo que já não existe mais. O professor muitas vezes não considera a realidade dos estudantes, se distanciado das necessidades concretas.

Na perspectiva tradicional, o professor se coloca no papel daquele que sabe e dita as regras, gerando alunos quietos, obedientes, submissos e facilmente teleguiados. Sua prática serve para formar e institucionalizar pessoas, não permitindo que estas desenvolvam suas capacidades de maneira integral, ética e libertadora, enquadrando e transformando-as em seres alheios a si mesmos e a realidade histórica e social.

Esta prática serve a uma economia que conduz pessoas de acordo com necessidades e exigências de mercado de produção e consumo, onde grande parte dos professores reproduzem uma ideologia dominante em favor da manutenção do status quo. O capitalismo é ensinado como libertário, mas sua prática é controladora, exclusora e alienante, os modos vida e os interesses da burguesia são ensinados como verdadeiros e corretos, enquanto as diferenças econômicas são ignoradas.
"(...) o educador imagina que serve ao saber e a quem ensina mas, na verdade, ele pode estar servindo a quem o constitui professor, a fim de usá-lo, e ao seu trabalho, para os usos escusos que ocultam também na educação – nas suas agências, suas práticas e nas idéias que ela professa – interesses políticos impostos sobre ela e, através de seu exercício, à sociedade que habita. E esta é a sua fraqueza."
(Carlos R. Brandão)
O ser humano em suas singularidades, vivências, saberes, cultura, história e valores, é negligenciado, transformado num corpo regulado para horários, tarefas e atividades, desapropriado de suas referências histórico-culturais e alienado para servir a lógica econômica. A educação tradicional valoriza a quantidade de conhecimento memorizado ao invés da qualidade daquilo que é absorvido e vivenciado.

Para que seja possível uma prática libertadora na pedagogia, é necessário inicialmente reconhecer que a prática educativa é uma atividade ética e política, e que, portanto não é neutra. Quem escolhe se acomodar ao modelo tradicional serve apenas a manutenção do que já está posto, preciso romper com essa lógica, para uma atuação crítica.

Uma prática pedagógica libertadora é crítica e libertária, incentiva a curiosidade do aluno para aprender e sua ousadia para se lançar ao novo, propondo atividades educativas por meio da relação entre o conteúdo ensinado e a realidade concreta, levando em consideração a experiência social, cultural e os anseios de cada estudante.

Neste sentido, a atividade educativa não parte dos valores morais e preferências culturais de quem ensina, mas deve reconhecer a diferença de cada estudante, seu ritmo e seu processo, que este possui valores e interesses distintos dos educadores, de modo que podemos aprender conjuntamente, dialogando saberes e perspectivas.

Uma pedagogia libertária entende que a educação não é algo pronto, mas um processo em movimento criativo, onde o aprender é uma experiência de quem cria e não de quem é teleguiado. Por isso se coloca contra o autoritarismo para a desconcentração do poder, possibilitando ensinar e aprender numa relação amistosa, libertária e ética, possibilitando a autonomia de cada um com responsabilidade.
"O professor aprende ao ensinar e o aluno ensina ao aprender."
(Paulo Freire)

Atuando assim, rompe com as tradições autoritariamente preestabelecidas para engendrar um sujeito crítico que supera os obstáculos ideológicos, que analisa a realidade em que estamos inseridos, participando ativamente, tomando decisões transformadoras e pertinentes, possibilitando a construção de um novo paradigma e sua implementação crítica.

Para a construção de saberes de maneira autônoma e emancipatória, é preciso inicialmente tomar consciência da alienação implicada na prática educacional tradicional e as deficiências desta tendência, para que se possa lançar a uma nova prática, estabelecendo vínculos e relações a partir de uma relação dialética, em movimento, troca e processo.

É fundamental o respeito à autonomia, liberdade e dignidade de cada um, entendendo que as relações entre professores e alunos são únicas e suas opiniões morais, valores e desejos nem sempre convergem. O professor valoriza a prática e a construção do saber em conjunto, de modo que o trabalho educativo deve servir às pessoas e não a paradigmas ou instituições, por isto deve ser realizado aberto a ideias, sugestões e críticas.

A pedagogia tradicional entende o aluno enquanto espectador, na perspectiva libertária ele é participante; na tradicional a ideia de educação está relacionada com formar, na libertária envolve transformar; na tradicional, a relação entre professor e aluno é de superioridade e submissão, na libertária é de respeito e diálogo; a tradicional valoriza a ordem e a teoria, e na libertária a criatividade e a prática. Trata-se de uma mudança de orientação que valoriza a pessoa do aluno como um ser humano em relação com o mundo.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
BRANDÃO, Carlos R. O que é Educação. São Paulo: Brasiliense, 2004.
FABRA, Maria Luisa. A Nova Pedagogia. Rio de Janeiro: Salvat, 1979.
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
MARAFON, Maria Rosa C. Pedagogia Crítica. Petrópolis: Vozes, 2001.
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