John Cage e a criação experimental

John Cage foi compositor, escritor, artista e crítico de música, nascido nos Estados Unidos em 1912, falecido em 1992. É um dos principais nomes da música contemporânea ocidental, seus trabalhos ocupam uma posição destacada nas vanguardas artísticas do pós-guerra.

Em sua vida se dedicou à criação experimental, incluindo o acaso e a música aleatória em suas composições, fazendo uso não convencional de instrumentos musicais, e utilizando elementos não musicais. Criou o piano preparado, utilizou o silêncio em suas composições e experimentou a indeterminação na música.

"Nas obras de Cage não se excluem as sobreposições sonoras realizadas durante a execução, o que se traduz em resultados inesperados."
(Montserrat Albet, em 'A Música Contemporânea')

Cage é considerado um dos mais influentes compositores do século XX, tendo influenciado inclusive artistas e bandas de rock alternativo, como Frank Zappa, Brian Eno e Sonic Youth. Uma de suas obras mais conhecida é 4'33, composta em 1952, que é executada contando justamente 4 minutos e 33 segundos de silêncio, sendo preenchida, portanto, dos sons do ambiente onde é executado.

Foi aluno de compositores inovadoras na música ocidental, como Arnold Schoenberg e Henry Cowell. Além disso, recebeu influências do zen budismo e do I Ching, utilizando como referência para compor algumas de suas obras aleatórias, por meio do lançamento de dados. Em seu livro "Silêncio", publicado em 1961, ele escreve:

"E qual é o propósito de escrever música? Um, claro, é o de não lidar com propósitos, mas com sons. Ou a resposta pode ser dada sob a forma de um paradoxo: um despropósito proposital ou uma brincadeira sem propósito. Essa brincadeira, contudo, é uma afirmação da vida - não uma tentativa de dar ordem ao caos, nem tentar melhorar a criação, mas simplesmente um modo de despertar para a própria vida que vivemos, que é tão boa se tiramos de seu caminho o nosso intelecto e o nosso desejo, deixando-a agir de seu modo."
(John Cage, em 'Silêncio')

Sua música, enquanto afirmação da vida, utiliza como matéria-prima elementos do cotidiano, não fazendo distinção entre os ruídos e os sons "musicais". Muitas de suas composições incorporam elementos do cotidiano como instrumentos musicais. Ele também fez parte do movimento Fluxus, que envolvia diversos artistas plásticos e músicos de vanguarda.

Além de seu contato com a música, Cage também se interessava pelo anarquismo, tendo estudado sobre Henry David Thoreau. Essa tendência anarquista aparece em suas obras na forma do indeterminismo, que inclui em suas composições a participação dos ouvintes, deixando de lado o papel do intérprete, diluindo sua hierarquia com a plateia e o acaso.

"Ao reduzir em suas obras a intervenção da vontade consciente, abriu via à indeterminação na arte musical. Em certa ocasião, afirmou 'que gostaria que suas obras abertas não se considerassem nunca acabadas, embora cada execução tivesse naturalmente caráter definitivo'."
(Montserrat Albet, em 'A Música Contemporânea')

Cage foi o criador do piano preparado, que consiste em colocar alguns objetos sobre as cordas de um piano de calda, como moedas, parafusos, carimbos, colheres. Isso faz com que se altere os sons das cordas quando essas são tocadas pelas teclas. Ele compôs obras para serem executadas especialmente para o piano preparado, que em alguns momentos assume uma sonoridade até mais percussiva.

Para ele, o papel do compositor não é mais aquele que cria uma obra segundo parâmetros previamente estabelecidos, sejam estes harmônicos ou melódicos, mas aquele que manipula sons, onde qualquer som é aceitável, e inclusive muitas vezes seu papel é possibilitar que a experiência sonora aconteça, de modo que o resultado é muitas vezes é desconhecido e novo.

O filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995), que se dedicou a temas como ética, artes e subjetividade, comentou sobre John Cage, em uma de suas aulas sobre o Anti-Édipo, relacionando sua música enquanto um processo, fluxo e movimento, como um trajeto que não preexiste, que se faz no seu percurso, como um riacho que escava seu leito.

"É que a música, me parece, é o processo em estado puro. (...) E, ainda aí, eu diria que, para mim, a música não é uma questão de estrutura, nem de forma, mas de processo. Penso, muito rapidamente, para fazer aproximações, que um dos músicos que mais pensa a música em termos de processo é John Cage. Bem, quero dizer, a música é processo. De certa maneira, ela é amor à vida, fundamentalmente."
(Gilles Deleuze, aula 'Anti-Édipo e outras reflexões')


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
ALBET, Montserrat. A música contemporânea. Rio de Janeiro: Salvat, 1979.
AMARAL, Leonardo F. Trechos selecionados da aula Anti-Édipo e outras reflexões. Fractal: Revista de Psicologia, v. 28, n. 1, p. 160-169, jan.-abr. 2016.
CAGE, John. Silêncio. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.

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