Filosofia Clínica - Lúcio Packter

A Filosofia Clínica propõe um filosofar comprometido com a vida e seus desdobramentos, atuando diante das múltiplas problemáticas que surgem nas vivências e singularidades. Sua clínica é voltada para a existência e suas interrelações, contextualizada pela cultura e as circunstâncias do sujeito em relação com o mundo.

Neste livro, Lúcio Packter apresenta alguns dos princípios da Filosofia Clínica, enquanto uma clínica que utiliza enquadramentos tipológicos, que busca compreender o outro sem condicionamentos prévios, atento às transformações existenciais que atravessa o ser que nos fala, inclusive em seu silêncio.


Alguns fragmentos do livro:

A Filosofia Clínica é a filosofia acadêmica direcionada à clínica, realizada unicamente por filósofos formados em faculdades reconhecidas pelo Ministério da Educação.

O filósofo clínico usa seus conhecimentos filosóficos, com método e fundamentação, na terapia da pessoa.

A primeira lição fundamental na Filosoia Clínica é que aquilo que uma pessoa sente, vive, afirma, imagina, faz - isso é assim para ela -, independente de ser compartilhado com as outras pessoas, de ser aceito, criticado, ironizado, proibido e assim por diante.

Essa pessoa não fala do meu ou do seu mundo. É sempre, e de qualquer jeito, o mundo dela, o mundo conforme ela entende e vive. Outro homem, na mesma situação, poderia ter um entendimento muito diferente.

Muitas vezes a verdade subjetiva de uma pessoa pode se associar harmoniosamente, ou colidir, ou negar, ou aumentar, ou refletir, ou evitar a verdade convencionada. (...) Portanto, mesmo que cada um tenha uma verdade própria, isso não quer dizer que a pessoa tenha o direito de fazer aquilo que lhe dá vontade sem ter de prestar contas por isso.

Quando você for apresentado ao faustoso rio Guaíba, insinuante rio que circunscreve metade da capital gaúcha, até mesmo antes de vê-lo já terá feito mil pensamentos a respeito dele. Não há nenhum problema. Um filósofo chamado Hans-Georg Gadamer estudou o que chamamos de pré-juízos. Os pré-juízos são verdades que a gente carrega e que vão prestar contas com as nossas vivências.

O objetivo de usarmos as categorias em clínica é o de localizar existencialmente a pessoa. Através dos exames categoriais o filósofo saberá o idioma da pessoa, seus hábitos, sua época, a política e os dados sociais da localidade onde viveu, a geografia, o contexto religioso, histórico, entre outros aspectos que podem ter importância.

Outro aspecto importante é que como cada pessoa tem um mundo individual como representação, não pode o filósofo começar a clínica de tipologias ou estereótipos ou dogmas.

Quero afirmar que o filósofo clínico não começará de uma dessas verdades como molde para a clínica. (...) Seu molde é o outro.

O Filósofo clínico terá uma espécie de autobiografia da pessoa, e é a partir daí que o trabalho é realizado.

O filósofo clínico passa a pesquisar agora a estrutura de pensamento da pessoa. A estrutura de pensamento é o modo como está existencialmente a pessoa.

Significa a maneira como estão associados em você todos os seus sentimentos, os seus entendimentos, seus dados éticos e epistemológicos, religiosos e o que mais houver.

Na Filosofia Clínica não existe normal X patológico, não existe doença x normalidade!

Pois o filósofo pesquisará quais são os seus dados de expressão nas circunstâncias de sua vida.

O filósofo clínico busca sentir a pessoa, o modo como toca, como olha, como fala, como se movimenta, como se relaciona com o meio onde vive; o filósofo busca conhecer como esta pessoa está estruturada, quais os pré-juízos, emoções, paixões dominantes, papéis existenciais, entre outros dados, e como eles se relacionam entre eles mesmos e com o ambiente.

Mas, agora, pense sinceramente na propriedade feliz de uma clínica feita da pessoa para a teoria, e nunca ao contrário (quase nunca, pois há exceções: casos de emergência, por exemplo, em que se exige uma ação rápida e não se tem tempo para exames prévios).

Imagine o que é conviver com alguém que não julgará suas ações, que não colocará você num enquadramento tipológico, que acompanhará existencialmente você respeitando o modo como você é, que estará ao lado quando for para ser e que evitará afrontamentos inúteis à maneira como você se estruturou.

Não existe um modo certo e um errado de se viver, do ponto de vista existencial.

Não sei "curar" uma fobia em dez minutos ou fazer alguém profundamente perturbado ter sua perturbação extirpada após meia dúzia de consultas. O que existe é seriedade, muito trabalho, pesquisa e, fundamentalmente, ética.

O atendimento é feito em qualquer local: consultório, jardins, cantinas, escolas. Não há limitação quanto a isso.

Ao trabalhar o ser humano investigando suas vivências, possibilidades e perspectiva, deve-se vê-lo como ser plástico, em devir, em busca, em formação, considerando a estrutura e as estruturas influentes, tanto latentes quanto ocultas. Parte-se então do pressuposto humanista priorizando a orientação existencial, levando em conta que a pessoa é um ser complexo e multifacetado.

(...) a priori não podemos classificar a pessoa em tipologia e-ou usar teorias pré-definidas, tentando enquadrá-las em uma delas. Ao contrário, devemos adequar a teoria à pessoa, ajustando procedimentos clínicos à maneira como a pessoa age normalmente.


Fonte:
PACKTER, Lúcio. Filosofia Clínica: propedêutica. Florianópolis: Garapuvu, 2001.