Ideologia e alienação


A ideologia é um sistema de ideias, valores, opiniões e crenças que proporcionam uma forma de entendimento de mundo ou de uma situação específica a um grupo social, que pode aderir de maneira consciente ou não. No sentido político, pode se referir a um sistema organizado de ideias que propõem uma proposta prática, de acordo com crenças e valores específicos.

Neste sentido, a ideologia compõe um conjunto de ideias e opiniões sobre um ou mais assuntos, que organiza as ideias de maneira sistemática, de modo a orientar uma perspectiva sobre algo, e inclusive uma ação prática a respeito de algo. Ela nos ensina a pensar e agir de uma maneira específica, por meio de uma aceitação geralmente acrítica e pouco criteriosa, por vezes se estabelecendo por meio do controle de um grupo social sobre outro.

Enquanto um sistema de conceitos e crenças, que defendem uma perspectiva de um grupo ou de um indivíduo, a ideologia possui também um caráter ilusório, pois explica a realidade apenas por meio de suas consequências, ocultando suas reais causas. Isso não quer dizer que ela seja falsa ou equivocada, que apresenta apenas um único entendimento da realidade como "verdadeiro", deixando de lado outros entendimento, muitas vezes colocando o que é consequência como causa.

Um exemplo de ideologia é quando se diz que "os pobres são pobres porque querem ser pobres", ou "porque não se dedicaram o suficiente para se tornarem ricos". Quando se defende essas frases como verdadeiras, deixamos de reconhecer todo um conjunto de causas que geram a pobreza, como a má distribuição de renda, a centralização dos meios de produção  e da riqueza numa pequena parcela da população, a organização econômica, a falta de acessibilidade, etc.

Marilena Chauí, filósofa e escritora brasileira, autora do livro 'O que é ideologia', descreve a ideologia da seguinte maneira:
A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes. (Chauí, 1988)
Ideologia é, portanto, um conjunto de ideias, modos de pensar e de se relacionar com os valores, as crenças, os costumes, as normas e os modos de perceber os fatos, que elaboram um entendimento específico sobre eles, sendo mantido por grupos de pessoas. Deste modo, há diversas ideologias, onde cada uma delas apresenta uma perspectiva sobre os fatos e a realidade, onde cada uma se apresenta como "verdadeira" e denuncia as outras como falsas.

Uma das características da ideologia é ser fragmentária, pois ela apresenta apenas uma parte da realidade, um entendimento apenas de uma parte do todo, de uma perspectiva, que é apresentado como único, verdadeiro e absoluto. Por isso, muitas vezes a ideologia é transmitida tendo em vista objetivos específicos, buscando justificar as coisas e impedindo a tomada de consciência das pessoas.

O termo alienação refere-se ao desligamento da pessoa com sua realidade, com o que faz parte de sua própria vida com o que é tido como algo que seria, inicialmente, parte da vida dela. Está relacionada com a alheação e a indiferença, desatenção e desinteresse. Se aproxima de um estado de apatia, que é o antônimo de vivacidade, que é a qualidade do que está vivo e ativo, vivo é aquilo que não está morto, morto é aquilo que deixou de existir.
(...) o desligamento da pessoa de si mesma, de sua existência e isso é visto como conseqüência de uma ideologia que faz com que este se torne submisso a mesma, passando para si desejos alheios, sentimentos alheios, normas alheias, pensamentos alheios, e toda uma existência alheia. Assim, o indivíduo torna-se alheio a si, para dar espaço ao que é trazido pelos outros, neste processo, “o eu desaparece”. (Basbaum, 1982)
Alienação vem do latim 'alienatĭo', está relacionado com o ato de alhear, distanciar-se de si mesmo e de sua realidade, se descontextualizando e se deshistorizando, onde os seus desejos, sentimentos, pensamentos e ações não são mais seus próprios, mas tornam-se alheios. Trata-se da pessoa que vive e se guia por normas e ideias alheias, sem se questionar, muitas vezes sem tomar consciência disso, vivendo uma existência alheia.

Por meio da alienação, o indivíduo adere cegamente a uma ideologia, se perdendo de sua história, de seu contexto, de suas necessidades, de suas ideias e de seus sentimentos, vivendo uma vida do modo como lhe é ensinada ou apresentada por outra pessoa ou por um grupo de pessoas. É a alienação que faz a pessoa deixar de pertencer a si mesma, perdendo sua identidade e sua consciência, passando a pertencer a uma ideia.
Diz-se ainda que o homem está alienado quando deixa de ser seu próprio objeto para se tornar objeto de outro. Deixa de ser algo para si mesmo. Sua vontade é assim a vontade de outro: ele é coisificado. Deixa de ser homem, criatura consciente e capaz de tomar decisões, para se tornar coisa, objeto. (Basbaum, 1982)
O trabalho é uma atividade onde o indivíduo altera o meio e, por consequência, altera a si mesmo. O sujeito que realiza um trabalho artesanal não possui supervisão de um chefe, segue sua própria supervisão, suas necessidades e vontades, imprime assim no produto de trabalho a sua imagem: a sua vida, a sua história e seus sentimentos.

Cada trabalho artesanal é único, o produto resultante nunca fica exatamente igual ao outro, adquirindo assim as características daquele que o produziu, assim como um quadro que possui características de seu pintor. É possível ver no objeto a imagem de quem o produziu, de modo que o artesão vê em seu produto seu próprio rosto refletido, fruto de seu trabalho e de sua vida.

Porém, com a alienação, acontece o contrário, o operário passa a ser alienado de sua produção, pois faz parte de um sistema onde cada pessoa elabora apenas uma parte do produto final, de modo que o resultado não possui semelhança alguma com nenhum dos operários especificamente. O produto final segue um molde que foi determinado por outra pessoa, um especialista, que fez apenas o trabalho racional e não colocou "as mãos na massa".

Os operários de fábrica que trabalham sob o modelo de uma linha de montagem não se percebem em seus produtos, não conseguem ver seu rosto neles refletido, pois o produto não é deles, mas da fábrica. Esse processo promove a alienação do trabalhador, onde este não se percebe mais como produtor do resultado de seu trabalho, de sua história ou de sua cultura, tornando-se apenas um elemento de uma engrenagem maior.

De acordo com Basbaum (1982), o trabalho e a educação são os espaços fundamentais onde se promove a alienação. A educação prepara as pessoas para a alienação, e no trabalho as pessoas se alienam por completo. A educação é muitas vezes utilizada para manter as coisas exatamente como estão, fazendo com que as pessoas acreditem e sigam um trabalho de maneira alienada, fazendo valer o desejo de outras pessoas, sem perceber o que estão a fazer.
Homens e mulheres que vão para o trabalho, no qual empenham sua própria vida para gozo de outros; jovens que vão para a guerra para serem mortos, sabendo que vão morrer, até com certa satisfação, acreditando que vão defender a civilização ocidental e cristã. E homens que se prestam ao papel de ensinar aos jovens que tudo isso é muito certo e muito justo. (Basbaum, 1982)
Para Basbaum, as máquinas de alienação são, em primeira instância, a família e em segundo, a escola. Segundo ele, o antídoto para a alienação seria a rua, pois a família, a escola e o trabalho são instituições que estão a serviço da alienação, e se a situação das instituições continuarem como se encontram, a marginalização seria o único meio de se livrar da alienação.

Referências:
BASBAUM, Leôncio. Alienação e Humanismo. São Paulo: Global, 1982.
CHAUÍ, Marilena S. O que é Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1988.
CODO, Wanderley. O que é Alienação. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
HOLANDA, Aurélio B. Dicionário Aurélio Século XXI. Nova Fronteira, 1999.