O papel do psicoterapeuta


Cada psicoterapeuta atua com base num referencial teórico, que serve como suporte para sua intervenção prática no atendimento psicoterapêutico. Faz parte desse referencial um entendimento de ser humano, uma noção de saúde mental e emocional e seu processo de melhoria ou tratamento.

O enfoque de cada abordagem teórica corresponde a todo um método de acolhida, escuta e intervenção para com a pessoa atendida. Coexistem diferentes abordagens em psicoterapia, que implicam distintas maneiras de compreender a experiência humana e lidar com o sofrimento emocional.

Para que a psicoterapia aconteça, é fundamental a disponibilidade do psicoterapeuta e o interesse da pessoa no processo terapêutico. O psicoterapeuta não fornece receitas para solucionar problemas, mas recebe cada pessoa enquanto um ser único, com necessidades específicas, se esforçando para perceber, compreender os modos de vida de cada um.

Em seu trabalho, o psicoterapeuta gradativamente leva a pessoa atendida a rever sua existência e reorganizar o seu mundo interior, possibilitando mudanças no modo de se perceber e de se colocar consigo mesmo e diante das outras pessoas e espaços. O objetivo da psicoterapia não é ajustar o indivíduo à sociedade, mas facilitar a este um entendimento sobre si próprio.

A psicoterapia pode gerar conflitos saudáveis com as pessoas que convivemos e com os lugares que frequentamos, pois quando revemos a nossa vida e o que temos feito dela, passamos a assumir posturas diante das relações, experimentando novos modos de ser e se colocar. O psicoterapeuta nos possibilita correr riscos saudáveis, de modo a nos abrir para novas experiências internas e externas. 

Tudo isso pode gerar conflitos com as pessoas com as quais convivemos, algumas delas temem a nossa mudança. Por meio da psicoterapia, passamos a nos sentir mais seguros em nossas escolhas, deste modo nos permitimos a correr alguns riscos, deixando de nos proteger tanto como antes fazíamos. Tudo isso pode espantar, chocar e até gerar conflitos com as pessoas que nos cercam.

“Assim, a filha tão boa, obediente, embora excessivamente tímida, “depois que começou a fazer essa terapia mudou completamente. Não nos obedece mais, está agressiva. Sai e não diz aonde vai. Liga-se mais aos amigos que à gente”. A filha tão boa, abafada por pais dominadores, chantageada emocionalmente quando ousava ser ela própria, vai gradativamente, no decorrer de seu tratamento psicoterápico, percebendo o que está acontecendo consigo e criando forças para libertar-se do amor possesivo e dominador dos pais.”
(Ieda Porchat, em 'O que é Psicoterapia')

Por muito tempo a psicologia e a psicoterapia foram utilizadas para nornalizar os indivíduos, adequando aos moldes de uma norma, porém ajustar o indivíduo à um modelo de sociedade não é o intuito da psicologia ou da psicoterapia. A psicoterapia não visa “normalizar” as pessoas, muito menos a adequá-las à um modelo padrão de vida em sociedade, mas lidar com o sofrimento emocional de cada indivíduo.

Normalizar um indivíduo, corresponde a adequar este ao desejo e expectativas de outras pessoas, e não as suas próprias. Esse procedimento não é uma relação de ajuda em psicoterapia, mas uma imposição de ajuste, tratando o indivíduo como um objeto a ser "ajustado" e não como ser humano. Porém, os modos de vida não são universais, o que é normal para uma pessoa pode ser patológico para outras.

Não há um modo de ser único que seja correto, pois coexistem diversos modos de viver. Não há uma normalidade absoluta, e o que é tido por normal numa cultura pode ser visto como patológico em outras. Além disso, as concepções sobre normalidade e patologia podem se transformar, com o tempo, na mesma cultura.

Numa mesma cultura alguns comportamentos que são aceitos por uma classe social, podem ser rejeitados por outra. Por isso, o psicoterapeuta não deve se ocupar em “ajustar” uma pessoa, mas auxiliar esta a assumir suas escolhas livremente e lidar com as consequências de suas escolhas, desenvolvendo modos saudáveis de se relacionar consigo mesmo e com os outros.

"Não há critérios precisos no campo da saúde mental que permitam definir o que seja normalidade psíquica."
(Ieda Porchat, em 'O que é psicoterapia')

Alguns teóricos argumentam a natureza biológica como modelo definidor do comportamento e dos parâmetros dos modos de ser das pessoas. Porém não somos apenas seres biológicos, as pessoas se diferem pois criam cultura e constituem linguagem, o que possibilita criar e estabelecer novos e diferentes valores do que seja bom ou ruim, certo ou errado, adequado ou inadequado.

Os indivíduos são resultantes de condições biológicas, sociais e psicológicas. Por isso, dificilmente uma pessoa adoece emocionalmente por conta própria, as pessoas sofrem e adoecem em contextos, seja sociais, familiares ou no trabalho. Uma família com questões mal resolvidas ou um ambiente de trabalho estressante podem gerar conflitos, quando não resolvidos podem se transformar em crises de ansiedade, raiva intensa, depressão, fobia, etc.

Um ambiente gerador de conflitos e tensões pode gerar uma enorme desorganização interna e sofrimento emocional. Nessas situações e circunstâncias podemos recorrer a um psicoterapeuta, que por meio de seu trabalho possibilitará nos auxiliar a lidar com o momento que atravessamos, para que possamos recuperar nossa existência e gosto pela vida.


Por Bruno Carrasco.

Referência:
PORCHAT, Ieda. O que é Psicoterapia. São Paulo: Brasiliense, 1989.