A sociedade europeia do séc. XIX viveu um período de transformações econômicas, sociais, políticas e ideológicas. A música não ficar alheia a este mundo em movimento, tendo mudanças em quase todos os aspectos em que o compositor trabalhava: formas musicais, elementos melódicos e rítmicos, instrumentação, etc. O conjunto de regras que havia dominado a música nas épocas barroca, clássica e romântica abriu, na prática, uma fenda, por volta do decênio 1880-1890.
Diante da crise de linguagem, os músicos europeus reagiram de maneiras diferentes, de acordo com seu gênio particular, sua herança musical e, até, sua nacionalidade. O abandono da tonalidade causou em suas primeiras manifestações uma forte sensação de insegurança em muitos criadores, sensação essa que se transmitiu ao público.
A desmistificação do sistema tradicional devia em parte à descoberta das músicas antigas medievais e dos países não europeus. A partir deste conhecimento não se podia continuar afirmando que o sistema harmônico tradicional se baseava em princípios naturais e que era imutável. Abriram-se assim as portas ao relativismo musical.
Juntamente com as descobertas de músicas de povos de culturas e hábitos diferentes, também os avanços tecnológicos e (mais para frente) os avanços eletrônicos também fizeram com que mudasse as relações entre os ruídos e os sons musicais, ampliando as possibilidades no campo de instrumentação.
Nas primeiras décadas do século XX, entre 1910 a 1925, surgiram uma série de movimentos estéticos renovadores que deram à música contemporânea uma orientação própria. Estas novas correntes já tinham sido iniciadas pelos músicos impressionistas e pós-românticos cujas obras anunciavam o advento duma nova arte.
REALISMO
MODEST MUSSORGSKY (1839-1881)
Compositor e militar russo conhecido por suas composições sobre a história da Rússia medieval. Foi membro do nacionalista Grupo dos Cinco, ao lado dos músicos Mily Balakirev, Aleksandr Borodin, César Cui e Nikolai Rimsky-Korsakov.
Aos 29 anos de idade começa a compor Boris Godunov, sua ópera mais conhecida e uma das peças mais importantes da história da música russa, baseada na obra de Pushkin e na história de Karamzin. Utilizando o ritmo da fala dos mujiques ao invés de melodias líricas; harmonias excêntricas porém expressivas, como a harmonia sacra eslava; e coros e personagens populares com papéis importantes, Boris Godunov causou grande polêmica, sendo que a versão original de 1870 foi recusada. A estréia ocorreu no Teatro Maryinsky em 1873, após diversas alterações feitas por Mussorgsky e Rimsky-Korsakov, embora ainda tenha causado controvérsias. Após uma nova apresentação de apenas alguns trechos em 1878, a ópera deixou de ser encenada.
GUSTAV MAHLER (1860-1911)
Exprime suas vivências pessoais, abre as portas à experiência expressionista da geração posterior. Em toda sua obra transparece o conflito entre a arte pós-wagneriana e a nova música que lutava para desabrochar. Compôs obras musicais muito complexas e torturadas, e de valor desigual. Seu romantismo tardio levou-o a escrever sinfonias de grandes dimensões. Sua influência sobre Schoenberg será decisiva.
IMPRESSIONISMO
CLAUDE DEBUSSY (1862-1918)
Afirmou-se no contato com os pintores impressionistas e os poetas simbolistas, e foi caracterizado por sua liberdade formal e seu desejo de fugir dos moldes acadêmicos da música tradicional. Por volta de 1890 ele descobriu a música javanesa e esta descoberta ajudou-o a ultrapassar os limites e tabus da música ocidental.
RICHARD STRAUSS (1864-1949)
Richard Georg Strauss (Munique, 11 de junho de 1864 - Garmisch-Partenkirchen, 8 de setembro de 1949) foi um compositor e maestro alemão. Ele é considerado um dos mais destacados representantes da música entre o final da Era Romântica e o início da Idade Moderna.
O compositor levou a atonalidade a paroxismos de histeria em Salomè e, principalmente, em Elektra, a mais atonal das partituras do compositor. No entanto, em Der Rosenkavalier, ele resolveu voltar atrás, misturando valsas e suaves melodias tonais com todo o arrojo das tendências musicais contemporâneas, e este foi mais ou menos o caminho que ele trilhou até o fim. Strauss nunca escondeu que seus compositores favoritos eram Wagner e Mozart, e de fato encontramos forte influência de ambos nas partituras de Richard Strauss, o que não impede que ele seja uma personalidade musical única.
ALEXANDER SCRIABIN (1872-1915)
Compositor e pianista russo onde suas principais influências foram Chopin e Richard Wagner. A escrita de Scriabin terá as suas primeiras influências na música do romantismo tardio, especialmente no estilo de Chopin, sonoridade a que a sua primeira fase de composições se assemelha bastante. As formas que usa, aliás, são as mesmas: encontramos noturnos, prelúdios, estudos e mazurkas. Posteriormente inspirado pelos impressionistas, pelo cromatismo de Liszt e Wagner, Scriabin foi personalizando e evoluindo o seu vocabulário musical, evolução que podemos seguir através das suas dez sonatas, das quais as últimas cinco dispensam já as armações de clave e revelam passagens claramente atonais. A harmonia convencional é substituída por sistemas de acordes construídos sobre intervalos invulgares (preferencialmente quartas) e a articulação é dissolvida, tomando muitas vezes uma forma de som em massa, em que os vários acontecimentos se cruzam e atropelam.
As suas composições mais célebres são duas obras orquestrais, o Poema do Êxtase (1908) e Prometeu (1910), peças em que pretendia suscitar no público uma espécie de êxtase místico, fortalecendo a interpretação com efeitos de iluminação nas salas de concertos. Em algumas obras, como Prometeu: Poema do Fogo (1913), utiliza jogos de cores, fazendo experiências com a sinestesia na relação de música e cores. Outros exemplos são o Poème divin (1905), Vers la flamme e o Poema do Êxtase (1908).
CHARLES IVES (1874-1954)
Foi um compositor norte-americano, sua música é marcada por uma integração das tradições musicais europeias e americanas, inovações no ritmo, harmonia e forma, e uma capacidade inigualável para invocar os sons e sensações da vida dos americanos. É considerado o principal compositor dos Estados Unidos do século XX.
Usou uma grande variedade de estilos - desde o Romantismo tonal até a experimentação radical, mesmo em peças escritas no mesmo período. Suas principais obras muitas vezes lhe custaram anos de trabalho, desde o primeiro esboço até a revisão final, e muitas delas não foram executadas durante décadas. Suas autopublicações no início dos anos 1920 trouxeram um pequeno grupo de admiradores que trabalhou para promover a sua música. Ele logo deixaria de escrever novas obras, dedicando-se a revisões e preparações para execuções de obras já compostas.
O INÍCIO DA MÚSICA NOVA
ERIK SATIE (1866-1925)
Seu objetivo: libertar a música dos artifícios pós-românticos e debussystas e desenvolve-la por si própria. O ponto de partida para tal consistia em que o som não deveria ser considerado como um símbolo, mas como uma autêntica realidade sonora.
Em oposição à herança wagneriana, à música atonal e aos refinamentos debussystas, desenvolveu-se na França, em 1910, uma nova estética musical em torno de Erik Satie. Seu objetivo era libertar a música dos artifícios pós-românticos e debussystas e desenvolve-las por si própria. O ponto de partida para tal consistia em que o som não deveria ser considerado como um símbolo, mas como uma autêntica realidade sonora. Havia que pôr completamente de parte o subjetivismo e procurar unicamente a essência da música. Antes de começar, era necessária a dúvida prévia, sistemática. As convenções artísticas herdadas não eram consideradas valores absolutos: podiam mudar ou, simplesmente, desaparecer.
EXPRESSIONISMO
As obras musicais expressionistas estão escritas numa linguagem desprovida de tonalidade, nas obras do período expressionista aparecem já independentes os doze graus da escala cromática. para encontrar novos princípios de construção, o compositor podia confiar apenas em sua intuição, (esta situação não satisfazia muitos compositores). As obras deste período manifestam uma tendência para a redução do som à sua essência mais pura; a música atonal abrirá o caminho à abstração. que resultará, como se verá mais tarde, na codificação dodecafônica da linguagem musical.
FUTURISMO
Contemporaneamente à eclosão do expressionismo, surgiu na Itália o movimento futurista. Balilla Pratella (1880-1955), que fez parte do movimento futurista, dizia que a obra musical deveria ser dominada pela máquina e pela eletricidade (na realidade, exaltava a revolução industrial, identificando a máquina como processo humano). A incorporação do ruído nos sons musicais for realizada pelo pintor Luigi Russolo com seus instrumentos para produzir ruídos: os intonarumori (“entonar ruídos”?).
O ruidismo de Russolo exigia que os sons fossem sistematicamente investigados e classificava-os em grupos. As seis famílias de ruídos de Russolo eram as seguintes:
1) Tons, estrondos, explosões, etc.
2) Assobios e cicios.
3) Murmúrios, gorgolejos e sussurros.
4) Silvos e crepidações.
5) Sons obtidos por percussões sobre metais, madeiras, peles e pedras.
6) Vozes de animais e de homens, gritos, gemidos e risos.
Russolo inventou também um instrumento parecido com o órgão capaz de produzir intervalos pequenos e numerosos ruídos: rumorarmonio (“ruído harmônico”?).
NOVA OBJETIVIDADE
Paralelamente ao Grupo dos Seis na França, desenvolveu-se na Alemanha, em 1920, o movimento Neue Sachlichkeit (Nova Objetividade). Berlim se converteu no centro do vanguardismo europeu, o desejo comum dos artistas da Nova Objetividade era obter para sua arte uma ampla repercussão social e política. Gropius afirmou em 1919 que não constava qualquer diferença entre o artesão e o artista, e a nova objetividade começou a preconizar uma arte em que se identificava criação artística e ofício. No campo musical correspondeu a um regresso à simplificação da linguagem e da forma. A música devia pôr de parte qualquer intelectualidade e refinamento, teria de se integrar na vida exatamente como a leitura de um jornal. Assim nasceu a Gebrauchmusik, ou seja, a música utilitária, que deveria ter como primeira qualidade o ser agradável. Não deveria afastar-se da realidade da época, formal ou socialmente.
NEOCLASSICISMO
O movimento neoclássico, desenvolvido durante o período que vai de 1918 a 1939, constitui num retorno à chamada música clássica e em especial à barroca. O neoclassicismo, mais interessado no estilo que na linguagem, encontra-se esteticamente vinculado ao desejo de concisão e de objetividade de outros movimentos artísticos contemporâneos. A tônica estava mais no que se afirmava – no caso, o passado musical – que no propósito de negar e romper com a tradição (características essenciais dos movimentos de vanguarda anteriores).
Musicalmente, o neoclassicismo substituiu as grandes formas como a sinfonia ou a sonata clássicas por formas barrocas mais simples: suíte, tocata e concerto grosso. O êxito do movimento residiu em parte na fácil compreensão das obras, porquanto exigiam escasso esforço por parte do público, o que explica que seus principais cultivadores alcançassem fama antes da Segunda Guerra Mundial. Era um movimento que tranquilizava o ouvinte, cansado das inquietações e dos sobressaltos que lhes provocava grande parte da música europeia das últimas décadas.
DODECAFONISMO
O método dodecafônico possibilitou a construção de uma base para a renovação da própria linguagem e, em contrapartida, não afetou a forma de expressão, já que com ele se escreveram obras nas mais diferentes orientações estéticas.
Tecnicamente, o método dodecafônico consistia em utilizar os doze graus da escala cromática sem qualquer relação hierárquica entre eles. Prescindia-se das relações do sistema tonal. Os doze graus eram apresentados em forma de uma série de doze sons, dodecafônica, que constituía um esquema formal básico, que atuava como princípio organizador do tema. As doze notas da escala apareciam melodicamente na série e numa ordem determinada que se mantinha inalterável ao longo de toda obra. Para evitar que um dos graus se sobrepusesse aos demais, nenhum deles podia ser repetido antes que a série tivesse sido apresentada em sua totalidade. A série de sons podia servir indistintamente de base a uma obra curta ou a uma obra de grandes dimensões, e podia ainda ser utilizada numa mesma obra de maneiras diferente: em sua forma fundamental ou em três formas dela derivadas. Por sua vez, como cada uma destas formas podia ser transportadas aos restantes onze sons da série, resultava que o compositor podia servir-se de um total de quarenta e oito permutações da série utilizada.
ARNOLD SCHOENBERG (1874-1951)
O jazz foi descoberto pelos músicos europeus depois da Primeira Guerra Mundial. O que maior interesse despertou nos compositores foi sua riqueza rítmica, sua exploração da matéria sonora e a forma como os virtuosos do jazz tocavam os instrumentos de sopro clássicos, como se eles pretendessem imitar as inflexões da voz humana, ou seja, a maneira africana de tocar os instrumentos europeus.
Além de ter suscitado novas formas de tocar os instrumentos clássicos, dos quais os músicos de jazz extraem timbres refinadíssimos, o jazz criou instrumentos novos, como o flexaton, utilizado, entre outros, por Schönberg nas Variações, op. 31 e em suas duas últimas óperas. O saxofone foi integrado em obras de Berg e de Webern, graças ao desenvolvimento que atingira no repertório do jazz. Frequentemente as obras modernas em que se encontram elementos de jazz têm esteticamente um valor semelhante aos arranjos que os especialistas de jazz fizeram de obras barrocas e clássicas.
IGOR STRAVINSKY (1882-1971)
O conhecimento e reavaliação da música folclórica teve grande importância na produção da música erudita durante a primeira metade do século XX. Iniciaram o caminho da redescoberta folclórica Debussy e Ravel, seguidos por Stravinsky e Falla e, mais sistematicamente, pelo tcheco Janacek e pelos húngaros Kodály e Bartok. O interesse pela música popular e por sua integração nas composições atuais contribuiu para a criação de obras notabilíssimas também na América. Alguns destes compositores alternaram a linguagem popular com a experimentação lingüística tão própria de nosso século. Outros realizaram uma síntese entre o folclore e as técnicas de música erudita.
MÚSICA DIRIGIDA
Foi na União Soviética que nasceu e se desenvolveu uma tendência que afetaria a arte em geral e a música em particular. As obras artísticas e os problemas estéticos que apresentam são objeto de deliberações e de planificação. A arte é considerada uma arma política para ser utilizada conscientemente. Nos primeiros anos que se seguiram a Revolução Russa de 1917, os compositores puseram-se em contato com as correntes musicais europeias e adotaram as técnicas de vanguarda, nomeadamente a linguagem atonal.
SERIALISMO
O método dodecafônico abrira aos compositores um caminho que supria o vazio deixado pelo esgotamento da tonalidade. Os músicos tinham à sua disposição uma linguagem coerente que lhes permitia organizar os sons ao longo de uma obra musical. Webern aplicou ao princípio da série não só à altura dos sons como também à sua duração (mais ou menos longos), à sua intensidade (mais ou menos fortes), e ao timbre (diferente para cada tipo de instrumento).
MÚSICA CONCRETA E ELETRÔNICA
O serialismo deparou com grandes dificuldades nas limitações dos instrumentos musicais tradicionais. Era necessário encontrar novas técnicas e novos instrumentos. Os princípios da série foram aplicados na música concreta e na música eletrônica surgidas em 1950. A música concreta incarnou o conceito de que nem só os sons musicais são música, e que é possível transformar ruído em música. O principal objetivo dos seus criadores, Pierre Schaeffer e Pierre Henry, em 1950 deram a conhecer suas experiências sonoras em Paris, foi o de enriquecer a música com as novas possibilidades técnicas da época. Esta experiência foi possível graças ao aperfeiçoamento que haviam atingido os gravadores e reprodutores de som, com destaque para a fita magnética. A denominação de “concreta” provém do fato de o material sonoro utilizado ter como origem a realidade concreta dos fenômenos sonoros já existentes. As fontes sonoras são os sons provenientes de instrumentos tradicionais e exóticos, a voz humana e os ruídos da vida diária da Natureza. Estes sons são transformados e posteriormente reproduzidos por meios eletro-acústicos.
A segunda manifestação das chamadas músicas eletro-acústicas foi a música eletrônica, iniciada em Colônia em 1950, contemporânea da música concreta parisiense. A fonte sonora primordial da música eletrônica são os sons produzidos pelos geradores elétricos, ondas sinusoidais, ruído branco, etc. Outra possibilidade da música eletrônica é a de reproduzir os sons dos instrumentos tradicionais através de instrumentos elétricos.
MÚSICA ALGORÍTMICA
Em 1950 apareceu outro estilo de compor música, em que o papel mais ou menos importante é confiado a máquinas eletrônicas com várias finalidades. Não se trata de uma tendência estética, mas de um modo de composição. A introdução do pensamento matemático e dos métodos que dele derivam na composição musical permitiu a prospecção de novas formas musicais baseadas em leis matemáticas. O computador permitiu o compositor francês, Pierre Barbaud (1911), estabelecer um controle das estruturas sonoras e penetrar melhor na natureza da criação musical. Este tipo de música dá grande importância ao papel da análise na composição e a convicção de que a arte musical não é outra coisa se não uma combinação algébrica.
MÚSICA DADAÍSTA
Outro método de composição que nasce também em 1950 é o que utiliza o acaso como princípio construtivo. À música em que o compositor integrou o azar (indeterminação) deu-se o nome de música aleatória. O acaso numa obra pode ser incorporado ao nível do compositor ou ao nível do intérprete. Em algumas das obras aleatórias, certos fragmentos são confiados ao improviso pessoal ou coletivo dos intérpretes, Também nestes casos se exige do intérprete um contributo e participação na criação. Existem obras que se encontram simultaneamente uma expressão que nasce de um impulso interior e estruturas racionais.
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Fonte:
Livro "A Música Contemporânea", de Albert Montserrat
Biblioteca Salvat de Grandes Temas, 1975.