Terapia tal qual revista Marie Clare


Nasci em 1984. Dedico estas palavras àqueles que também nasceram nos anos 80.

No início da adolescência, assinava a revista Capricho. Às vezes, deixava de almoçar só para comprar a minha outra revista favorita, Querida — comecei a trabalhar aos 11 anos, na imobiliária do meu pai. 

Minha mãe assinava Claudia e Marie Claire. Meu pai e meus irmãos liam o jornal. Não que minha mãe não o lesse — lia, sim. Mas meu pai jamais folheava as revistas femininas. Ele ouvia música. E há algo de libertador no gesto de ouvir uma canção: nela, é possível se reconhecer sem ser guiado, habitar uma história que não é a sua — ou é — sem que se imponha um caminho, sem que se diga como viver. A música não conduz a existência. Ela apenas a acompanha.

As capas das revistas da minha mãe orbitavam entre os temas do romance e da beleza — que, no fundo, são dois nomes para uma mesma coisa. Títulos como “Como salvar seu casamento” ou “Como enlouquecer um homem na cama” surgiam com frequência. Nas minhas revistas adolescentes, o mesmo tema ganhava tom mais suave: “Descubra seu par ideal”.

Recentemente, uma amiga me recomendou um livro que está em alta. Alegam que é o primeiro a tratar da Peri menopausa. Li — e me aborreci. Mais uma narrativa centrada em uma mulher obcecada por um homem. Enquanto isso, meu marido lia um livro sobre as aventuras de Amir Klink.

Mas o que isso tem a ver com terapia?

Atendo, em média, quarenta pessoas por semana. Dessas, noventa por cento são mulheres. E, dessas mulheres, todas — absolutamente todas — falam de seus relacionamentos amorosos ou de como encontrar um. Os homens, por outro lado, falam sobre trabalho, amigos, família, dinheiro ou sobre si mesmos.

Não estou aqui para julgar nem os homens nem as mulheres, mas a mim mesma. Por muito tempo, conduzi meu trabalho baseada na noção de responsabilidade sob a ótica da fenomenologia existencial.

Peço licença aos puristas: não entrarei no terreno do ôntico ou do ontológico. Tampouco pretendo discursar sobre Husserl, Heidegger ou Sartre. O que trago aqui nasce da prática clínica.

Um parêntese — porque já posso ouvir o que você está pensando: “Você vai falar da SUA prática clínica.”

Sim… e não.

Infelizmente, a fenomenologia existencial não é tão autêntica quanto aparenta. Quem participa de grupos de estudo percebe: as falas se repetem, ditas por vozes distintas.

Voltemos.

Quando atuava a partir do olhar da responsabilidade, pensava junto às minhas pacientes o que poderiam fazer para melhorar seus relacionamentos. Para suavizar o tom - machista sem intenção de ser — eu sempre dizia que só havia sentido se o desejo partisse delas mesmas.

Tentava não ser moralista. Analisava com elas as razões sociais, culturais, históricas, familiares ou religiosas que as mantinham em suas relações. 

Entretanto, quando elas se queixavam eu depositava nelas o peso do ajuste. Se a reclamação é sua, o problema também é.

Não te soa como uma manchete das revistas dos anos 2000?

Em minha defesa atesto que aprendi assim. 

Algumas pacientes, em momentos de revolta, me questionavam:

— Mas e ele? Não precisa fazer nada?

E eu respondia:

— Eu gostaria muito que ele fizesse. Mas que poder tenho sobre isso? Não é ele quem está aqui. É você. De que adianta o que penso sobre ele ou sobre o que ele deveria fazer?

E encerrava com a frase emblemática que terapeutas adoram repetir:

— Estamos aqui para falar sobre você, e sobre o que lhe cabe.

Uau. Se você faz terapia, com certeza já ouviu essa máxima — tão precisa quanto limitadora.

Outro princípio da abordagem que me guiava é o da não condução. Cabe ao paciente trazer o que deseja abordar. Ainda gosto dessa ideia. Mas isso também implica que eu jamais diria a um paciente homem:

— E aí, o que você tem feito para melhorar o seu relacionamento?

Se ele não toca no assunto, não serei eu a aborda-lo.

Não sei exatamente quando comecei a desgostar deste modelo e a acha-lo parcial. Lembro da minha amiga antropóloga me dizendo que os homens são autorizados a existir. Pensei muito sobre isso.

E então voltamos ao ponto de partida: o que fazer?

Comecei a trazer meu ponto de vista para as sessões. Mostrei como o discurso que até então eu acreditava me parecia injusto. Arrisquei: E se nós, mulheres, começarmos a sustentar nossos desejos com a mesma naturalidade com que os homens sustentam os deles? 

A intenção não é promover um mundo de egocêntricos ou egoístas. Mas permitir que a terapia não seja mais um espaço de ajustamento feminino. Que possa haver escuta e acolhimento sem depositar uma cobrança ou uma saída- que não garante sucesso.

É arriscado. 

Uma paciente me disse, com convicção:

— Mas relacionamentos exigem abdicação.

Não discordei. Perguntei:

— E o que seu parceiro tem abdicado?

Ela silenciou.

Talvez você pense que o parceiro abdica de coisas que ela não vê ou não reconhece. Pode ser.

Se for este o caso, o parceiro não terá dificuldade em apontar seus ajustamentos, certo? 

A proposta não é vociferar contra os homens. É autorizar as mulheres. Veremos o que acontece a partir daí

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