A antipsiquiatria é um movimento que tece críticas à psiquiatria hegemônica e tradicional, propondo alternativas para suas propostas teóricas e práticas. O termo antipsiquiatria foi utilizado pelo psiquiatra David Cooper em 1967, em sua obra "Psiquiatria e Antipsiquiatria", oferecendo uma abordagem provocadora, que questiona e problematiza os fundamentos da psiquiatria tradicional.
Tendo como embasamento as perspectivas do existencialismo de Jean-Paul Sartre e a fenomenologia, a Antipsiquiatria propõe uma visão crítica e desafiadora do modelo psiquiátrico, a partir de pensadores como Ronald Laing, Thomas Szasz e Aaron Esterson, que reprovam o modelo de hospital psiquiátrico, suas práticas e internações involuntárias, considerado coercitivo e desumano.
Uma de suas principais objeções é direcionada à noção de normalidade, que muitas vezes está alinhada a parâmetros morais e ideológicos, encaminhando as pessoas a um modelo de vida "ajustado", deixando pouco espaço para a diversidade. A antipsiquiatria questiona a psiquiatria tradicional que entende as perturbações como meramente fisiológicas, negligenciando os fatores sociais, familiares e históricos.
O uso excessivo de psicofármacos é entendido como uma "camisa de força química", apaziguando as contradições existenciais e encaminhando o sujeito a uma vida sem intensidades. A concepção reducionista sobre a doença mental é duramente criticada pela antipsiquiatria, que busca uma compreensão mais ampla e contextualizada sobre o sofrimento psíquico, levando em consideração aspectos culturais, econômicos, familiares e contextuais.
Este movimento também destaca a violência do sistema psiquiátrico, especialmente contra aqueles que se diferem do modelo "padrão" social esperado, ou aqueles que permanecem em sofrimento mental e emocional. A coerção e o paternalismo são vistos como práticas que agridem a autonomia do paciente, reforçando relações de poder desiguais entre médico e paciente.
Para contrariar tais tendências da psiquiatria tradicional, a antipsiquiatria propõe uma série de mudanças e abordagens alternativas para a prática clínica. Defendendo uma relação mais próxima entre médico e paciente, baseada na compreensão e no diálogo, sem recorrer à coerção, buscando partir da realidade vivida pelo indivíduo, ao invés de enquadrá-lo em categorias diagnósticas muitas vezes redutoras.
A antipsiquiatria não apenas criticou a psiquiatria tradicional, mas também influenciou movimentos sociais: a luta antimanicomial e a reforma psiquiátrica, cujo grande expoente foi o trabalho de Franco Basaglia. Esses movimentos buscam transformar as práticas psiquiátricas, promovendo a desinstitucionalização e a humanização do tratamento, alinhando-se com as propostas da Antipsiquiatria.
A psiquiatria convencional sustenta que as doenças mentais, como o transtorno bipolar, a depressão e a esquizofrenia são causadas por anormalidades biológicas e desequilíbrios químicos. A antipsiquiatria questiona se as doenças mentais são realmente doenças, defendendo terapias mais baseadas na fala, mesmo para condições mais debilitantes, como a esquizofrenia.
Criticando o uso indiscriminado das medicações, a antipsiquiatria dá maior ênfase na rede social mais ampla do paciente, incluindo a sua família e amigos. Em vez de se reunirem com um profissional de saúde mental individualmente, os pacientes lidam com suas questões na companhia de sua família e de uma rede ampliada, entendendo que o caminho para a saúde de cada pessoa é diferente.
De modo geral, a Antipsiquiatria propõe uma corrente de pensamento crítica e contestadora no campo da psicologia e psiquiatria. Ao questionar os fundamentos da psiquiatria tradicional, propõe uma abordagem mais humanizada, contextualizada e respeitosa da diversidade humana, inspirando reflexões e mudanças significativas na forma como compreendemos e lidamos com o sofrimento emocional.
Por Bruno Carrasco, terapeuta e professor, graduado em psicologia, licenciado em filosofia e pedagogia, pós-graduado em ensino de filosofia, psicoterapia fenomenológico-existencial e aconselhamento filosófico. Pensa as questões psicológicas a partir de um viés filosófico, histórico e social. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.
Referências:
COOPER, David. Psiquiatria e Antipsiquiatria. Tradução: Regina Schnaiderman. São Paulo: Editora Perspectiva, 1982.
OBIOLS, Juan. Psiquiatria e antipsiquiatria. Trad.: José Antonio Barata. Rio de Janeiro: Salvat, 1981.