Um pouco... - Tiago Ranieri

Creio que minha inquietude vem desde a fecundação, tenho certeza que não sou o espermatozóide mais rápido e eficiente que encontrou aquele óvulo, mas aquele que chegou 3 horas antes do início da cópula! Sim, carrego desde sempre comigo características do homem do meu tempo: sou ansioso, sem tempo e busco mostrar eficiência todo tempo! Como disse César: “Não basta ser honesto, tem que parecer honesto!”.

Na gestação não foi diferente. Lembro como se fosse hoje a fome por novidades, a vontade de sair logo para esse mundo novo, estava repleto de projetos, metas e expectativas de alta produtividade!; lembro também do tédio que sentia por estar alí, naquele lugar escuro, sem wifi e sem visibilidade. 

Para alegria dos astros, dos diretores das novelas da época, da psicanalise, do Kardecismo e porque não de Nietzsche, ao nascer,  me deram o nome de Tiago, sem “h”, não reconheço os com “h”, embora seja a massa, detesto “coletivos”. Alguém já conheceu alguma criança “angelical” chamada Tiago? Se sim, mandem me as informações de endereço “in box”, conduzo um grupo de pesquisa sobre essa possibilidade. 

A astrologia por meio dos signos busca classificar, catalogar, “diagnosticar”, normalizar comportamentos e condutas dos homens, sobretudo a partir do Renascimento. A Astrologia, nas profundezas e certezas das suas verdades, jamais concebeu vir ao mundo um “ariano” chamado Tiago. Somos a corporificação do “daimon” dos infernos de Dante! 

Então, no fim de abril do último ano da década de 70 veio ao mundo esse Tiago que vos escreve. Eu juntamente, com centenas de milhares de “Tiagos”, quantidade que talvez corresponda a soma multiplicada por 10 de todos os municípios baianos e mineiros. Obvio que esse fenômeno se deu pela presença de um ator da novela da época! Meio de comunicação que hipnotizava as mães daquele momento da ditadura militar, sobretudo, com a chegada da TV colorida! Então, a inquietude, a energia ilimitada, as traquinagens dos “Tiagos” não é TDH, nem característica do nome, mas consequência da falta de atenção e controle na educação doméstica das mães, que não “despregavam” os olhos da novela! Não nos dopem com ritalina!

Mas na tentativa de romancear minha “jornada” (nome que junto com energia e gratidão nos tornam pessoas melhores) e “cristianizar” minha vinda ao mundo, posso dizer e construir uma narrativa mítica e mística  dizendo que cheguei num momento da “jornada” dos meus pais para trazer felicidade e “vontade de vida” para eles, já que eles estavam vivendo um  processo de sofrimento muito grande com meu irmão mais velho e enfermo, de 3 anos, que veio a falecer 6 meses depois que “caí daquela placenta” na madrugada do dia 20 de abril. Enfim, já nasci com esse peso de ser uma pessoa boa, projetada e metrificada para produzir felicidade! Todos sabem que não há limite para felicidade, não é? Concluam vocês então!

A psicanálise de Freud e Lacan explicam essa minha energia não pelos astros ou pelo nome, mas pela repressão da minha sexualidade. Essa potência e força de coragem, embora repleta de muito medo, de vontade inquieta de transformar e lidar com as experiências da vida, esconde uma vontade, uma “potência de morte”, uma busca inconsciente pela finitude da vida, um comportamento destrutivo para com essa forma de vida com o intuito que essa existência tenha logo um desfecho rápido, pois é fruto de uma individualidade e subjetividade construída sozinha, solitária, em silêncio e “calada”, num momento histórico positivista, cientificista, classificatório, judaico-cristão, moralizante, normalizante e excludente, onde qualquer comportamento ou “desejo” que destoasse do padrão hétero-binário cristão era adjetivado de pervertido, pecador, doentio, “homossexual” (até a década do meu nascimento esse termo era reconhecido pela ciência como uma doença). Não gosto dessa historinha, conto apenas por vaidade e para mostrar erudição no meu texto. 

Como quero ir para o céu, pois sou homem ocidental impregnado pela doutrina “cristologizante”, mas não posso abandonar o sujeito neoliberal que me constituí, e, por isso, no auge da minha divindade, editei e gourmetizei (meus amigos sofisticados usam essa palavra) meu próprio dogma: criei meu “Kardecismo light” by ranieri e passo logo a receita com suas especiarias:  pitadas de Darwin, pois adoro a teoria da evolução das espécies e meu peito se enche de entusiasmo (in theos - cheio de Deus) quando digo que sou um ser em “evolução”. Pitadas de “budismo tibetano” (acho hipster essa pegada oriental limítrofe ao Butão), mas desde que se pratique  meditações de no máximo 5 minutos, pois a vida é curta demais e não vou gastá-la esvaziando minha mente! Pitadas, também, de Kardecismo, pois embora morra de medo de “espíritos” e de “vultos de almas perdidas” essa facção (sim, todos os tipos de religiões são facções e milícias de abutres da fé) explica melhor, para mim, minha sexualidade, pois ela afirma que eu não vou para o inferno e que sou assim nessa vida para evoluir e consertar algo de ruim que fiz para os “homossexuais” na vida passada. Por isso, vou viver SIM esse modo de vida dos “Gays”, pois meu “deus” darwinista, tibetano, kardecista e neoliberal quis assim e sou fiel a ele!

No entanto, apesar de contar todas essas historinhas acima, pois o homem precisa SIM de historinhas para tentar acreditar que a vida tem sentido e para diluir e suportar suas dúvidas, angústias e sofrimentos nessa existência, prefiro Nietzsche, esse alemão que me deixou louco! Eu falo de Nietzsche e não do alzheimer! Talvez, pelo meu narcisismo e pela minha fome egóica, a idéia que esse pensador defendeu me conforte mais (talvez seja também a historinha que preciso contar para mim como disse acima). Assim, os “Tiagos” e todos os possíveis outros nomes carregam consigo não a “potência de morte”, da psicanálise, mas a “potência de vida”, o “poder de vida”, que tem um viés destrutivo sim, mas uma vontade de destruição de toda “moral” limitante, excludente, normalizadora, “cristologizante”, “psicologizante”,  classificatória, “diagnosticante” ou com prefixo “neo”, sobretudo “neopentecostal”,  “neoliberal”, “neotanatologizante” que tem limitado, construído e editado individualidades e subjetividades mortas, apáticas, “autômatas”,  tristes, opacas e sem sentido. Nietzsche nos chama e nos convoca,  todos nós “Tiagos” e quem mais quiser acreditar nessa historinha, a “transvaloração dos valores” a construção de uma nova “moral”, sim precisamos de um certo grau de “moral”, pois não da para organizar um mundo com corpos absolutamente livres e vivendo como se “pavões” fossem. Por óbvio  que se abomina aqui também a moral do poder pastoral, a moral do messias, a moral do fraco (sim, o rico também pode ir para o paraíso e é muito mais fácil ir do que passar um camelo no buraco de uma agulha), a moral do escravo (não precisamos integrar uma massa passiva ou sermos sujeitados  por um “senhor”interno e externo para para sermos corpos dóceis, produtivos e felizes nessa vida) e a moral cristã (que ama a humanidade, mas não suporta o próximo!). Essa “moral” da nossa contemporaneidade não cabe mais nesse mundo, pois ela está morta!, juntamente com seu “deus”, criado, construído e “batizado” a imagem e semelhança do homem moderno/contemporâneo, com toda sua ira e vícios, e fomos nós que o matamos! uma vez que não nos suportamos mais  e muito menos qualquer tipo de “deus” que nos diga o que fazer. Precisamos retornar às origens, as experiências fenomenológicas primeiras, talvez o único caminho para não extinção do  homem seja voltar a sentir, sentir o primeiro, o primário, seu próprio corpo!


Por Tiago Ranieri.