Deleuze e a filosofia como criação


Gilles Deleuze (1925-1995) foi um filósofo francês que se tornou um dos principais nomes da filosofia francesa após o "maio de 1968", movimento realizado por estudantes e trabalhadores na frança que revolucionou os valores em favor da diversidade de gênero, liberdade sexual e melhoria nas condições de trabalho.

Deleuze se caracteriza por trilhar um caminho original em seus estudos, rompendo com as tendências e os autores do momento, tendo se dedicado a estudar filósofos pouco convencionais no cânone da filosofia, como a David Hume ao invés de Hegel, Henri Bergson ao invés de Heidegger. Seu objetivo é retomar os pensamentos esquecidos, buscando outras possibilidades de se fazer filosofia.

Ele viveu na mesma época de Jean-Paul Sartre, Michel Foucault, Jacques Lacan, tendo estudado profundamente suas obras. Em sua filosofia, além de criar novos conceitos e compreensões, também comentou sobre autores como Bergson, Spinoza, Kant, Leibniz e Nietzsche, distorcendo em partes seus pensamentos originais para compor sua própria voz.

Sua obra costuma ser relacionada com a filosofia da diferença ou com o pós-estruturalismo, entendendo a filosofia como um processo criativo, de criação de conceitos. E ele criou diversos conceitos, como 'corpo sem órgãos', 'rizoma', 'desterritorialização', 'máquinas desejantes', 'ritornelo', entre outros. Seu intuito foi explorar as potencialidades ao máximo. Segundo ele, a filosofia deve atravessar a arte, a criação e a experimentação, dialogando com as artes plásticas, a literatura e o cinema.
"Quando alguém pergunta para que serve a filosofia, a resposta deve ser agressiva, visto que a pergunta pretende-se irônica e mordaz. A filosofia não serve nem ao Estado, nem à Igreja, que têm outras preocupações. Não serve a nenhum poder estabelecido. A filosofia serve para entristecer. Uma filosofia que não entristece a ninguém e não contraria ninguém, não é uma filosofia. A filosofia serve para prejudicar a tolice, faz da tolice algo de vergonhoso. Não tem outra serventia a não ser a seguinte: denunciar a baixeza do pensamento sob todas as suas formas."
(Deleuze, em 'Nietzsche e a filosofia', 1987)
O pensamento, segundo o filósofo, se constitui numa relação direta com as experiências, com o mundo, com os processos e intensidades. Não se trata de uma teorização abstrata sobre a vida, mas uma relação direta com a vida e com as atividades. Isso amplia o pensamento para outros caminhos e não aqueles já trilhados, mas para o que aparece e surge em cada momento e circunstância.

Deleuze fez diversas críticas à psicanálise freudiana, tanto a concepção de desejo como busca de preenchimento de uma falta, como o entendimento que o desejo está relacionado ao complexo de Édipo. Ele propõe o entendimento do desejo como criação, possibilitando as 'máquinas-desejantes' criar e preencher o 'corpo sem órgãos'.

Ele busca revalorizar o desejo e o corpo, que foram tradicionalmente excluídos da tradição filosófica. Em oposição à metafísica tradicional que valorizava um entendimento único e constante sobre o ser, ele entende o ser como um processo, utilizando o conceito de "devir" para representar essa característica de ser, como algo que está sempre transformação.
"O devir não é se direcionar para uma forma, é algo inacabado, sempre em curso, o devir sempre está 'entre'."
(Gilles Deleuze, em 'A Literatura e a Vida', 1993)
Entre suas principais obras estão 'Nietzsche e a filosofia', 'A filosofia crítica de Kant', 'Proust e os Signos', 'Nietzsche', 'O Bergsonismo', 'Spinoza e o problema da Expressão', 'Diferença e repetição', 'Spinoza: Filosofia Prática', 'Conversações' e 'Crítica e Clínica'. Escreveu também obras revolucionárias juntamente com o psicanalista Felix Guattari (1930-1992), entre elas 'O Anti-Édipo', 'O que é a Filosofia?' e a série 'Mil Platôs'.
"O verdadeiro charme das pessoas reside em quando elas perdem as estribeiras, quando não sabem muito bem em que ponto estão. Não são pessoas que desmoronam, pelo contrário, nunca desmoronam. Mas se não captar a pequena marca de loucura de alguém, não pode gostar desse alguém. É exatamente este lado que interessa. E todos nós somos meio dementes (...) aliás, fico feliz em constatar que o ponto de demência de alguém seja a fonte do seu charme."
(Gilles Deleuze, 'O Abecedário de Gilles Deleuze', 1989)

Por Bruno Carrasco.

Referências:
COTRIM, G.; FERNANDES, M. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2013.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 1995.
GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. Pequeno Dicionário de Filosofia Contemporânea. São Paulo: Publifolha, 2006.