O ser humano é natural ou cultural?


A palavra natureza vem do latim natura, que significa qualidade essencial, disposição inata, curso das coisas e do próprio universo. Natura é a tradução para o latim da palavra grega physis, que em seu significado original faz referência à forma inata que crescem espontaneamente plantas e animais. 

A natureza corresponde, então, a uma organização universal e necessária dos seres, regida pelas leis naturais, onde há uma regularidade de fenômenos e fatos, constância e repetição de situações. Se opõe ao artificial, a criação humana, ao tecnológico, pois se faz e se desenvolve sem qualquer interferência humana.

Já a palavra cultura é de origem latina, vem do verbo colere, que significa cultivar, ocupar-se, realizar, praticar. A cultura corresponde a criação de ideias, símbolos e valores de um grupo de pessoas, que define para si mesmo o que é bom ou mau, belo ou feio, justo ou injusto, verdadeiro ou falso, etc.

Não há somente uma cultura, mas várias culturas diferentes que coexistem no mundo. Olhar para a cultura envolve estudar os processos simbólicos do que cada coisa significa para um certo povo e a quais sentimentos que se remetem às coisas e situações.

O ser humano é natural ou cultural? O que diferencia os seres humanos dos animais? Por que os índios possuem diferentes hábitos dos nossos? O que é certo e o que é errado, é igual para todos? É natural que algumas pessoas exerçam autoridade sobre outras? Por que os seres humanos são diferentes entre si?

A natureza é governada por leis de causa e efeito, já a cultura é uma construção própria dos seres humanos. A principal diferença entre os animais e os seres humanos consiste que animais são seres naturais, os humanos são seres culturais, que possuem hábitos e desenvolvem diferentes significados.

Aprendemos na relação com os outros o nosso modo de falar, o idioma, a maneira como nos alimentamos, o que utilizamos como alimento, o modo como andamos, corremos e brincamos, como nos relacionamos entre nossos familiares, amigos e colegas, inclusive o modo como nos emocionamos ou não com algum fato, ou situação.

Todo esse complexo de significados que permeiam nossas relações sociais são nos transmitidos pela cultura na qual estamos inseridos, e tudo o que o homem cria é cultura, o que envolve modos de ser, agir, sentir, emocionar, julgar e valorar.
A língua que aprende, a maneira de se alimentar, o jeito de se sentar, andar, correr, brincar, o tom da voz nas conversas, as relações familiares, tudo, enfim, se acha codificado. Até na emoção que nos parece uma manifestação tão espontânea, ficamos à mercê de regras que educam a nossa expressão desde a infância.
(ARANHA; MARTINS, 2009, p. 49).
Como um produto humano, a cultura é desenvolvida por conta de uma ou mais necessidades, onde as pessoas criam e recriam o que querem e desejam para suas vidas. O ser humano é criador e transformador da cultura, o mundo cultural é um conjunto de símbolos carregados de significados de como se portar, como agir e reagir em cada situação, como conversar com outra pessoa, tom da voz, etc.

A cultura não é algo estático, onde as pessoas se submetem para apenas repetir os modos de ser, somos produtos da cultura e também a produzimos. A cultura é um processo, onde temos a possibilidade de modificar os costumes, ações, modos de ser, agir e sentir para o que desejamos.

O ser humano não nasce com suas capacidades desenvolvidas, é por meio das relações com os outros que elas se desenvolvem ao longo de sua vida. Todo ser humano nasce com a possibilidade de aprender e de ensinar, recebendo conhecimentos, mas também produzindo, transmitindo, e modificando os saberes e a cultura.

A cultura é o que diferencia o trabalho humano daquele realizado por outros seres vivos. Diferente dos outros animais, que vivem instintivamente, a característica do ser humano é projetar, conceber o trabalho antes de realizá-lo e de modificar sua concepção durante a realização. É por meio da cultura que o homem altera a natureza e a si mesmo, por consequência.

A cultura é basicamente uma realidade instrumental criada para satisfazer as necessidades do homem, de uma maneira que vai muito além de uma adaptação direta ao meio ambiente. A cultura transforma indivíduos em grupos organizados, seus modos de se organizar assumem uma forma diferente em cada cultura.

A cultura modifica profundamente as disposições inatas do ser humano e não gera somente benefícios, mas também impõe obrigações. Aprendemos os valores e as regras de uma sociedade, sua tradição, seus hábitos, sua linguagem e seus símbolos por meio da cultura.

Embora a cultura tenha a sua origem na satisfação das necessidades biológicas, ela transforma o ser humano em algo extremamente diferente de um mero organismo animal, que reage por impulsos natos. É por meio da cultura que os seres humanos estabelecem novos valores e conceitos para as coisas, desenvolve modos específicos de viver e de como se utilizar cada objeto, cria e recria sentidos conforme o tempo e local.

Alguns exemplos de atividades culturais são escutar música (seja rock, sertanejo, pagode ou pop), usar pulseira, relógio, brinco, tatuagem, piercing, etc., ir ao shopping ou sair para festas, usar o banheiro para fazer necessidades de urinar e evacuar, preparar macarronada ou omelete para se alimentar, sentar na cadeira para almoçar, se divertir jogando video-game, assistir peças teatrais, filmes, televisão, ficar triste quando seu time perde o jogo, esperar ansiosamente o próximo capítulo da novela, acreditar em Papai Noel ou Duende.

Somos seres naturais que nos transformamos consoante a cultura e o ambiente onde vivemos. Evacuar é natural, agora como, quando e onde evacuar é cultural. Se alimentar é uma necessidade natural, mas o que comer, quando comer, onde comer e como preparar a comida é uma ação cultural. Dormir é uma necessidade natural, mas onde dormir, como dormir, com quem dormir, quanto tempo dormir, é uma prática cultural.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
ARANHA; MARTINS. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2009.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2002.
SANTOS, José Luiz. O que é Cultura? Editora Brasiliense: São Paulo, 2006.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um Conceito Antropológico. Jorge Zahar Editor: Rio de Janeiro, 1988.