Alienação nas sociedades modernas

Na linguagem comum, costuma-se dizer que alguém é alienado quando está distante da realidade, alheio às questões sociais ou vivendo no "piloto automático", sem refletir sobre sua vida e seu contexto. Porém, esse conceito tem um significado muito mais amplo na filosofia, especialmente, na teoria crítica social desenvolvida por Karl Marx.

Alienação se refere a um estado de separação, distanciamento ou estranhamento que um indivíduo experimenta em relação a si mesmo, ao seu trabalho, à humanidade ou à sociedade. Uma pessoa alienada não possui uma consciência crítica sobre sua condição, seu papel no mundo e suas possibilidades de ação, tornando-se um sujeito passivo diante das condições sociais, econômicas e culturais.

Na sociedade atual, a alienação se manifesta de diversas formas. Vivemos num mundo altamente mercantilizado, onde as relações humanas são mediadas pelo dinheiro, pelo consumo e pelo trabalho. As pessoas muitas vezes se percebem e se sentem reduzidas a funções produtivas, avaliadas por sua utilidade econômica, desempenho ou consumo, se distanciando de relações propriamente humanas.

Marx desenvolve o conceito de alienação em meio a uma crítica à sociedade capitalista. O trabalhador, que deveria se realizar por meio de sua criação, acaba se tornando um mero reprodutor de um processo mais amplo, sendo um meio para a geração de lucro, sem controle sobre o que produz, como produz e para quem produz. Seu trabalho deixa de ser uma atividade livre e criativa, mas uma atividade mecanizada.

"O homem alienado é o homem desprovido de si mesmo. Se a história distancia o homem do animal, a alienação re-animaliza o homem (...) o homem perde não apenas a identidade de si mesmo, a consciência de si, mas passa a pertencer ao objeto, à coisa, ao outro."
(Leôncio Basbaum, em 'Alienação e Humanismo')

Porém, a alienação não se restringe ao ambiente de trabalho, mas se estende às relações sociais, culturais e subjetivas. Na atualidade se expressa, por exemplo, na dependência das redes sociais, no consumo desenfreado de bens e conteúdos, na busca incessante por produtividade e na dificuldade de se conectar de forma autêntica consigo mesmo e com os outros.

Marx identifica quatro dimensões da alienação no trabalho: em relação ao produto do trabalho, onde o trabalhador não se reconhece no que produz e o produto do seu trabalho não lhe pertence; na atividade de trabalho, onde este se torna uma obrigação para sobreviver, enquanto uma atividade forçada; em relação à condição humana, onde o trabalho deixa de ser uma realização e transformação do mundo, reduzido a uma função mecânica; e em relação aos outros seres humanos, onde as relações são constantemente mediadas pelo mercado e pela competição.

"No trabalho, organizado na sociedade capitalista, ocorre uma ruptura, uma cisão, um divórcio entre o produto e o produtor, o trabalhador produz o que não consome, consome o que não produz."
(Wanderley Codo, em 'O que é Alienação')

Na vida cotidiana podemos pensar num operário de fábrica que monta peças repetitivamente, sem entender o sentido do que está produzindo nem usufruir seu produto final. Seu trabalho não expressa sua criatividade, mas apenas cumpre uma função mecânica e parcial no processo total. O processo de consumo também há alienação, onde as pessoas buscam preencher seus vazios emocionais comprando coisas que não precisam, buscando felicidade e realização por meio do consumo.

Nas redes sociais, usuários passam horas buscando validação por meio de curtidas e seguidores, muitas vezes projetando uma imagem de si que não corresponde à sua realidade, desconectando-se de suas experiências próprias. Em escolas, estudantes aprendem conteúdos de forma mecânica, apenas para decorar e passar nas provas ou atender às demandas do mercado, sem reflexão crítica, sem conexão com sua própria vida ou interesses.

"Diz-se ainda que o homem está alienado quando deixa de ser seu próprio objeto para se tornar objeto de outro. Deixa de ser algo para si mesmo. Sua vontade é assim a vontade de outro: ele é coisificado. Deixa de ser homem, criatura consciente e capaz de tomar decisões, para se tornar coisa, objeto."
(Leôncio Basbaum, em 'Alienação e Humanismo')

Para Marx, a superação da alienação só seria possível através da transformação das relações de produção — ou seja, por meio da superação do sistema capitalista. De acordo com suas ideias, a derrubada do capitalismo possibilitaria um novo modelo de vida e trabalho, onde a atividade laboral não seria mais uma imposição, mas uma atividade livre, colaborativa e que expressasse a criatividade e a humanidade de cada pessoa.

Essa transformação não seria apenas econômica, mas também cultural, subjetiva e social, numa busca de recuperar o sentido das relações humanas, da criação, da coletividade e do cuidado com a vida, rompendo com formas de exploração, objetificação e estranhamento, comumente praticadas no modelo capitalista.

A alienação é um fenômeno central para entender como o capitalismo, que configura não apenas a economia, mas também a subjetividade, os valores e as relações humanas. Ao refletir sobre a alienação, abrimos caminho para questionar modos de vida que naturalizamos, que nos apresentam como verdadeiros, de modo a vislumbrar outras formas de existência possíveis, mais libertas e inventivas.


Referências:
BASBAUM, Leôncio. Alienação e Humanismo. São Paulo: Global, 1982.
CHAUI, Marilena S. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1995.
CODO, Wanderley. O Que é Alienação. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.

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