Atitude Filosófica

A atitude filosófica consiste num posicionamento crítico, reflexivo e questionador diante da realidade. Se difere de uma aceitação passiva dos fatos e dos discursos, buscando investigar os fundamentos do conhecimento, as questões existenciais e os valores que norteiam a vida humana.

De acordo com o psiquiatra e filósofo Karl Jaspers, a filosofia não é uma posse, mas uma busca incessante pelo saber. Essa disposição de constante investigação e questionamento permeia grande parte da tradição filosófica, se mantendo presente até os tempos atuais.

"As perguntas em filosofia são mais essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta."
(Karl Jaspers)

Desde seu início, a filosofia se coloca para o questionamento e a problematização da realidade. Platão, em sua obra "A República", já dizia que a filosofia nasce da admiração e da perplexidade diante do mundo. De maneira semelhante, Immanuel Kant ressaltou que o pensamento filosófico é aquele que não se contenta com respostas prontas, mas investiga suas condições e implicações.

Rejeitando o uso de crenças ou opiniões, a filosofia busca sustentar suas posições com base em argumentos sólidos e coerentes. Aristóteles enfatizava que a essência da filosofia está na argumentação rigorosa e na busca por fundamentos racionais. Essa característica distingue a filosofia de outras formas de conhecimento, como a mitologia, a religião e o senso comum.

"Foi por conta do espanto e do assombro que os homens começaram a filosofar e, pelo mesmo motivo, filosofam até hoje."
(Aristóteles)

A atitude filosófica cotuma desafiar as crenças estabelecidas e desconstruir os conceitos que parecem evidentes, criticando aquilo que parece óbvio, seguro e estável. Friedrich Nietzsche questionou os valores morais tradicionais, realizando uma genealogia da moralidade, propondo uma filosofia que se faz por meio de marteladas contra os ídolos e os valores da tradição.

Outra característica da atitude filosófica é incentivar a autonomia intelectual. René Descartes propõs a dúvida metódica como um exercício de emancipação do pensamento, argumentando que para alcançar o conhecimento é necessário colocar em questão as crenças que recebemos, reforçando a importância da liberdade intelectual e da reflexão sobre o que pensamos que sabemos.

Desde os pré-socráticos, a filosofia tem como intuito compreender a realidade, a vida, e seus fundamentos. Martin Heidegger entendia que o pensamento filosófico era um constante caminhar em direção ao sentido do ser, numa busca pela sentido e a compreensão do ser e do mundo, mesmo sendo esta uma busca inacabada.

A atitude filosófica é fundamental para o pensamento crítico e questionador, bem como para a ampliação da compreensão de mundo de nós mesmos. Questionar, argumentar, desconstruir conceitos e buscar a distintas perspectivas de entendimentos são características da filosofia desde a antiguidade até os dias atuais.

Não se trata de uma mera opinião ou crítica apressada. Mas, antes de tudo, uma disposição de abertura e curiosidade, um processo de compreender mais profundamente aquilo que parece óbvio, comum ou estabelecido. Diferente da crítica leiga, que costuma surgir de juízos rápidos, carregados de preconceitos, a atitude filosófica pressupõe um exercício contínuo de investigação e reflexão.

No senso comum, muitas pessoas julgam as ideias a partir de suas próprias convicções, sem considerar a complexidade do que lhes é dito Essa reação imediata tende a reafirmar seus modos de pensar já estabelecidos, impedindo a possibilidade de diálogo. O filósofo, ao contrário daquele que já "sabe", é aquele que se abre para o que não sabe, buscando conhecer algo distinto.

Suas perguntas não são um sinal de ignorância, mas de disposição e sensibilidade. Toda pergunta filosófica nasce de uma inquietação diante daquilo que se apresenta como certo e pronto. Ela não procura defender suas "verdades", mas justamente questionar as certezas. Ao perguntar, suspendemos o óbvio para nos abrir a uma investigação mais profunda sobre o que pergunta.

A atitude filosófica implica em voltar-se para o pensamento, a pensar sobre o que se pensa, para refletir — no sentido etimológico do termo, que envolve "curvar-se sobre si mesmo". Trata-se de um movimento de retorno, onde o pensamento observa a si mesmo, questionando as próprias bases, premissas e valores. Isso exige não só estudo e dedicação, mas sobretudo uma postura ética de humildade.

"Quando alguém pergunta para que serve a filosofia, a resposta deve ser agressiva, visto que a pergunta pretende-se irônica e mordaz. A filosofia não serve nem ao Estado, nem à Igreja, que têm outras preocupações. Não serve a nenhum poder estabelecido. A filosofia serve para entristecer. Uma filosofia que não entristece a ninguém e não contraria ninguém, não é uma filosofia. A filosofia serve para prejudicar a tolice, faz da tolice algo de vergonhoso. Não tem outra serventia a não ser a seguinte: denunciar a baixeza do pensamento sob todas as suas formas. (...) Fazer, enfim, do pensamento algo agressivo, ativo, afirmativo. Fazer homens livres"
(Deleuze, em 'Nietzsche e a filosofia')

Assumir uma postura filosófica consiste em reconhecer que nossas crenças não são verdades absolutas, mas modos possíveis de ver o mundo. Num mundo marcado por discursos prontos e certezas acabadas, cultivar a atitude filosófica é um ato de resistência e também de criação. Criação de espaços de escuta, de pontes entre modos de pensar, de caminhos para novas compreensões.

Enfim, a atitude filosófica não se trata de uma técnica de saber, mas um modo de ser e se dispor - curioso, atento e aberto. É, sobretudo, um compromisso com a possibilidade de pensar diferente do que se pensa, de se abrir a outras perspectivas possíveis.



Referências:
ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Editora UNESP, 2009.
DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Vozes, 2005.
JASPERS, Karl. Introdução à Filosofia. São Paulo: Cultrix, 1989.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Abril Cultural, 1997.
NIETZSCHE, Friedrich. Além do Bem e do Mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006.

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