Vontade criadora em Nietzsche

A filosofia de Nietzsche concebe a vida como uma vontade criadora, a partir de uma apreciação artística que entende a existência como um contínuo devir, em movimento e transformação. Contrário a busca da essência e do verdadeiro, sua perspectiva afirma a importância da multiplicidade, da transitoriedade e da aparência como elementos fundamentais da experiência humana.

Segundo Nietzsche, a vida se desdobra numa alternância entre criação e destruição, alegria e sofrimento. Ele propõe a transmutação dos valores, para ir além das dicotomias convencionais de bem e mal. A vontade de potência, entendida como o princípio plástico das avaliações, representa a força criadora de novos valores, desafiando as forças de adaptação e conservação.

A vida, para o filósofo alemão, é caracterizada como uma força criadora, uma vontade de potência artística e plástica, em processo e transformação constantes. Contrapondo-se à atitude conservadora, que busca estabilidade e permanência, a vontade criadora é constantemente autoinventora, privilegiando a atividade e a mudança em detrimento da manutenção.

Seu propósito não é buscar verdades objetivas e absolutas, mas interpretar a realidade e avaliar segundo sua força, a partir do que amplia e potencializa a existência em contraste com o que a diminui e paralisa. O perspectivismo nietzschiano, expresso em sua máxima "não há fatos, apenas interpretações" se direciona para possibilidade de buscar interpretações mais salutares e interessantes.

A noção de criar, derivada do latim "creare" sugere crescimento, desenvolvimento e geração. Para Nietzsche, criar é uma atividade contínua e ininterrupta de produção da própria vida, uma afirmação constante de novos modos de vida, transpondo valores e perspectivas. A vida é criação constante, não é algo dado, mas algo a ser criado. Sem criação não há nada.

O ideal, para Nietzsche, é uma fraqueza que empobrece a existência, pois impede a capacidade de criar em favor da manutenção. A criação, em contrapartida, não se esgota num ato único, mas é uma atividade permanente, ela impede que a existência se fixe, evitando que se torne mera conservação. A vontade criadora é contrária à vontade de permanência, pois afirma o presente e se autoinventa constantemente.

"não há um ser por trás do fazer, do atuar, do devir; (...) a ação é tudo"
(Nietzsche, em Genealogia da Moral)

Na filosofia nietzschiana se destaca o esquecimento, ressaltando a importância de deixar passar, esquecer, para que novas possibilidades surjam. O criador assimila o passado não para conservá-lo, mas para transfigurá-lo. A memória, sendo uma faculdade passiva e conservadora, é contrastada com a força ativa e regeneradora do esquecimento.

A vontade criadora, para Nietzsche, é uma atividade que se relaciona com o devir, reconhecendo que não há começo nem fim, pois tudo está em constante criação e destruição. Ela se opõe ao pensamento conservador, valorizando o fluxo do tempo e da vida, libertando a existência do ressentimento e do desejo de vingança, característicos dos fracos.

O criador não guarda para si o que cria, ele cria para destruir, para se possa criar outras coisas novamente. Quando criamos algo, isso não vai durar para sempre, pois a criação não é eterna, mas algo que o tempo vai se encarregar de destruir, para que novas criações sejam possíveis.

"A criação intervém no presente, modifica o futuro e recria o passado."
(Rosa Dias, em 'Nietzsche, vida como obra de arte')

Entre as características da vontade criadora estão tender a um aumento de potência, crescer e expandir-se, afirmando a temporalidade, num constante recomeçar. Por isso, ela precisa da destruição, pois sem destruição não há criação, a destruição é tão importante e necessária quanto a criação. A vida é entendida como algo que está sempre por fazer, nunca concluído, onde tudo está sujeito a se perder e a desfazer.

Deste modo, a realidade é entendida como uma constante mudança e transitoriedade, rejeitando a noção de ser em favor da impermanência do devir. Afirmar o devir é afirmar o querer, dizendo sim à vida, reconhecendo que não há nada fixo, mas que sempre há algo para criar e destruir. O criar possibilita fazer as pazes com o presente, aceitando o acaso e encorporando a plasticidade artística na vida.

Diferente do ressentido, que é o ser da memória, que não consegue se desembaraçar da vida, impedindo o desconhecido, o inesperado e sua capacidade criativa, o criador vive o esquecimento como uma força ativa, regeneradora e curativa, ele sabe esquecer, não leva muito a sério seus contratempos, cicatrizando suas feridas e reparando suas perdas, vivendo ativamente o presente.

"Um homem bem logrado advinha meios de cura contra danos, utiliza acasos ruins em sua vantagem: o que não o derruba torna-o mais forte. Está sempre em sua companhia, quer esteja com livros, homens ou paisagens."
(Nietzsche, em 'Ecce Homo')

Nietzsche propõe uma concepção de vida como uma vontade criadora, reconhecendo a transitoriedade e a temporalidade como aspectos intrínsecos da existência. A vontade criadora opera em favor do tempo, libertando o homem da fixidez, impulsionando a vida em direção a uma constante inconstância. A vontade criadora reconhece a transitoriedade da vida e se afirma nela.

Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e questionador, graduado em psicologia, licenciado em filosofia e pedagogia, pós-graduado em ensino de filosofia, psicoterapia fenomenológico existencial e aconselhamento filosófico. Nos últimos anos se dedica a filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referências:
DIAS, Rosa Maria. Nietzsche, vida como obra de arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. Nietzsche. São Paulo: Publifolha, 2000.
MACHADO, Roberto. Nietzsche e a Verdade. 3 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2017.
NIETZSCHE, Friedrich. A Genealogia da Moral. Petrópolis: Vozes, 2017.
NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.