Autenticidade e inautenticidade em Heidegger


Martin Heidegger (1889-1976) foi um filósofo alemão que exerceu enorme influência na filosofia existencialista. Em 1927 ele publicou sua obra mais conhecida, Ser e tempo, que o incluiu como representante da filosofia existencialista, apesar dele mesmo repudiar essa associação. Neste livro, ele coloca como problema central da filosofia o 'sentido do ser', por meio do método fenomenológico.

A fenomenologia, enquanto método de estudo e análise do ser, consiste em olhar para as coisas tal como elas aparecem, tal como elas se apresentam de imediato à consciência, deixando entre parênteses qualquer entendimento prévio sobre o que se busca analisar. Segundo Heidegger, para entender o ser, é preciso estudar aquele que se pode perceber o ser, ou seja, o ente.

O ente é o meio pelo qual pode-ser alcançar o ser, pois cada ente se apresenta por um modo possível de aparição do ser. É, portanto, partindo do ser existente, tal como se apresenta, que é possível desvendar o sentido do ser. O filósofo utiliza inclusive uma terminologia específica para descrever a existência humana, que é o Dasein, traduzido por "ser-aí".

É justamente este aspecto que Heidegger mais se diferencia da linha existencialista de Jean-Paul Sartre (1905-1980), enquanto Sartre busca compreender o ser existente e concreto, se limitando a esta condição, Heidegger buscou compreender esta estrutura prioritariamente depois de um certo momento em sua produção filosófica, o entendimento do ser, para o qual o ente é apenas uma possibilidade.

Dasein, ou "ser-aí", é, portanto, o modo como captamos a existência humana, sendo este modo o meio de acesso ao sentido do ser, segundo Heidegger. Em sua obra 'Ser e tempo', o autor descreve a vida cotidiana como uma forma de existência inautêntica, marcada por três aspectos fundamentais, a facticidade, a transcendência e a ruína.

A facticidade é a característica do ser humano ser lançado no mundo, sem escolhas. Nós não escolhemos como e quando chegar ao mundo, simplesmente chegamos num dado momento e local. O mundo envolve uma série de condições históricas, geográficas, sociais, políticas e econômicas, onde cada pessoa está inserida. 

A transcendência corresponde aos modos como cada indivíduo se apropria das coisas do mundo, entendendo que cada ser humano está sempre buscando algo além de si mesmo, identificando seu modo de ser "verdadeiro" como algo que ainda não se tornou o que deseja. Entende o ser como aquele que se projeta para fora de si mesmo, mas que nunca pode ir além das fronteiras do mundo em que está inserido, é um modo de se projetar no e com o mundo.

A ruína seria uma espécie de desvio de cada pessoa de seu modo de ser autêntico em favor das preocupações cotidianas, que distraem as pessoas de suas questões mais fundamentais e perturbam a existência, fazendo com que a pessoa perca suas singularidades em meio a uma coletividade e uma massa, reduzindo a sua existência a um modo de ser comum, deixando de lado sua possibilidade de tornar-se a si mesmo.

"Em suma, para Heidegger, a vida cotidiana faz do homem um ser preguiçoso e cansado de si próprio, que, acovardado diante das pressões sociais, acaba preferindo vegetar na banalidade e no anonimato, pensando e vivendo por meio de ideias e sentimentos acabados e inalteráveis, como ente exilado de si mesmo e do ser."
(Heidegger - vida e obra, em coleção 'Pensadores', 2005)

Para ir de encontro a uma existência autêntica, é necessário confrontar-se com a angústia e a condição de ser-para-a-morte. A angústia, segundo Heidegger, é um sentimento que possibilita o encontro do ser humano em sua totalidade, onde todas as coisas do mundo passam a ser vistas como banais e desimportantes, inclusive a própria existência. A angústia está em tudo, e em lugar algum, ao mesmo tempo.

Deste modo, ela envolve a pessoa a uma estranheza ímpar, possibilitando duas respostas básicas, uma seria a evitação da confrontação, deixando de lado sua dimensão mais profunda, retornando à banalidade da vida cotidiana. A outra resposta seria superar a sua angústia, exercitando sua capacidade de transcender sobre o mundo e sobre si mesmo. Transcender consiste na possibilidade de se atribuir um sentido ao ser.

Porém, o ser humano nunca alcançaria seu acabamento, nem tudo aquilo que poderia ser, por estar sempre diante de uma diversidade de possibilidades, sobre as quais ele se projeta. Está sempre em tensão entre aquilo que está sendo e o que virá a se tornar, essa condição gera o sentimento de inquietação. Trata-se da dimensão fundamental do ser humano, a temporalidade, que o prende ao passado e, ao mesmo tempo, o lança para o futuro.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.

Referência:
Heidegger - vida e obra, em coleção 'Pensadores', 2005