Liberdade, escolhas e angústia


Liberdade é um termo que possui diferentes compreensões que variam de acordo com a pessoa, o tempo, a cultura, a vertente filosófica, a religião, os valores e interpretações de cada um.

Na concepção existencialista, liberdade não é o mesmo que fazer o que quiser a hora que bem entender, muito menos ter dinheiro para sair gastando e comprando o que quiser. Segundo o existencialismo, a liberdade é escolher, e, por nunca saber se nossa escolha será boa antes de escolher, essa liberdade nos gera o sentimento de angústia.

"A escolha é possível, em certo sentido, porém o que não é possível é não escolher. Eu posso sempre escolher, mas devo estar ciente de que, se não escolher, assim mesmo estarei escolhendo."
(Jean-Paul Sartre)

Segundo esta vertente, a liberdade não é vista como uma coisa ou um objeto, mas uma escolha que acontece em relação, que envolve outras pessoas e espaços. Neste sentido, a liberdade é justamente a possibilidade de escolha, portanto não há como não sermos livres, pois a todo momento estamos fazendo escolhas, e não há como não fazer. Agora mesmo você está escolhendo ler este texto, mas a qualquer momento pode deixar de fazer isso para se dedicar a outra atividade.

A constatação de sermos livres para fazer escolhas não significa que escolhemos tudo o que queremos. Fazemos escolhas de acordo com uma série de condições e contingências, que possibilitam e limitam o nosso fazer. Além disso, nossas escolhas esbarram em limites, sejam estes internos ou externos, tal como as disposições externas, nossos hábitos, nossas condições materiais, entre outros.

Ao mesmo tempo que somos livres, somos também limitados por nosso próprio corpo, por nosso tempo, pelo espaço, pelas condições sócio-econômicas e pelas outras pessoas, que também estão a todo momento fazendo suas escolhas. Nossa liberdade acontece nas escolhas que fazemos diante de todas as condições em que estamos envolvidos.

Escolher não é uma atividade simples, pois são as nossas escolhas e experiências de vida que constituem a pessoa que somos. Cada pessoa é o resultado do que fizer de si mesma, dentro de um contexto de possibilidades, de acordo com as escolhas que fizer. A liberdade não é como um objeto, que temos num momento e deixamos de ter em outro, mas algo que constitui a nossa existência, somos livres pois estamos a todo momento escolhendo o que vamos fazer de nossa vida.

Nossas escolhas afetam a nós mesmos e também as outras pessoas e os espaços onde vivemos. Por isso somos eticamente responsáveis por nossa existência e, de certo modo, por todo o mundo. Quando escolhemos, mudamos o rumo de nossa vida, e cada uma escolha nos leva a uma nova condição e lugar, onde novamente faremos outras escolhas, num processo contínuo de transformação.

"O covarde se faz covarde, e o herói se faz herói. Existe sempre uma possibilidade para o covarde deixar de ser covarde e para o herói deixar de ser herói."
(Jean-Paul Sartre)

Por nos perceber livres para fazer escolhas, eticamente responsáveis pelas escolhas que fazemos, sem referências de qual escolha será melhor que outra, a liberdade nos gera a sensação de angústia. Nos angustiamos por não saber qual escolha fazer, entre tantas possibilidades, ou porque não queremos ter de arcar com as consequências de nossas escolhas.

Nos angustiamos, pois nem sempre sabemos onde nossas escolhas poderão nos levar, e não temos nenhuma garantia de que alguma de nossas escolhas se concretize do modo como desejamos e imaginamos. Quando fazemos uma escolha, estamos nos escolhendo, a pessoa que vamos nos tornar, de modo que a escolha de nossa existência está sempre a nosso cargo.

Apesar de ser vista popularmente como algo ruim, a angústia faz parte da condição humana e nos coloca realmente presentes diante do que estamos vivendo num momento. Na concepção existencialista, a angústia é uma experiência muito valiosa que ocorre quando tomamos consciência de nossa liberdade, ou de nosso vazio existencial.

A angústia nos coloca diante de nossa própria existência, da dificuldade em fazer escolhas, de nossos desejos, medos e dores de existir. Ela surge justamente do reconhecimento de nossa liberdade de escolher e da dificuldade de nos responsabilizar por nossa existência.

Trata-se de um sentimento de aperto interno, que não conseguimos explicar, que pode nos deixar perplexos, ansiosos, deprimidos, estressados, tristes e raivosos. Nos sentimos angustiados em diversas situações, entre elas:

Quando temos de renunciar algo para fazer uma escolha; constatamos o absurdo da existência, que é dada sem sentido, ou a impossibilidade de reviver o passado ou antecipar o futuro, ou que somos responsáveis pelas escolhas que fazemos; quando percebemos que mesmo não escolhendo já é estamos a escolher; quando convivemos com o outro, o que implica em conflitos de valores e expectativas; quando nos sentimos limitados ou impedidos, seja por nosso corpo ou contexto; ou quando constatamos a imprevisibilidade e inconstância dos fatos e de situações.

Em todos os casos a angústia nos solicita uma ação, que é justamente defrontar com a realidade que está em nossa frente, ao invés de uma evitação ou fuga. Trata-se de uma experiência valiosa que faz parte da existência humana.

Atravessamos momentos de frustrações e decepções em nossa vida e nos desenvolvemos lidando com as situações difíceis, ao invés de tentar evitar. Se não encaramos a nossa angústia, vamos diminuindo nossa capacidade de lidar com nossas dificuldades. Conforme enfrentamos a angústia, ela vai se transformando em possibilidade para ampliar nossos limites e ir além de nossa própria condição existencial.


Por Bruno Carrasco.

Referências:
PENHA, João da. O que é Existencialismo. São Paulo: Brasiliense, 2014.
REYNOLDS, Jack. Existencialismo. 2 ed. Vozes: Petrópolis, RJ, 2014.
SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Petrópolis: Vozes, 2014.