Porque não existe emoção errada!

Na perspectiva fenomenológica, a emoção não é algo que “apenas sentimos”, como se fosse um elemento externo que nos invade e precisa ser corrigido. Ela é, antes de tudo, uma forma de nos relacionarmos com o mundo, um modo de existir e significar a realidade a partir daquilo que vivemos.

Quando sentimos medo, alegria, raiva ou tristeza, não estamos “errando”: estamos respondendo, de maneira autêntica, ao modo como o mundo se mostra a nós naquele instante. A emoção é um movimento da existência, ela revela tanto a situação que nos atravessa quanto o modo como nos situamos diante dela.

Heidegger (1927/2012) já apontava que as tonalidades afetivas, como a angústia, a alegria, a tristeza, não são acidentes da vida, mas modos fundamentais de revelação do ser-no-mundo. A angústia, por exemplo, não é falha, mas abertura para perceber o vazio de garantias e, com isso, nossa liberdade diante das possibilidades. Nesse sentido, sentir não é errado: é existencial.

A ideia de “emoção errada” surge quando tentamos enquadrar a vida em normas rígidas de como deveríamos reagir. Mas a experiência fenomenológica nos convida a olhar para cada emoção como um sinal, uma abertura para compreender algo de nós mesmos. O choro não é fraqueza; a raiva não é defeito; a alegria não é excesso. Cada afeto carrega uma verdade sobre a nossa forma de estar no mundo, e só pode ser entendido dentro do contexto da experiência vivida.

Assim, reconhecer que não existe emoção errada é reconhecer a dignidade de toda vivência. É legitimar o sentir como parte do existir, sem hierarquizar sentimentos em bons ou ruins. Todas as emoções são convites ao encontro consigo mesmo e ao desvelar do sentido que habita cada situação.


Na fenomenologia, não se trata de “consertar” o que se sente, mas de acolher, compreender e ressignificar. Porque, ao final, as emoções não são desvios da nossa humanidade, elas são a nossa humanidade em movimento.

Merleau-Ponty (1945/1999) rompe com a visão dualista que separa mente e corpo, afirmando que somos seres encarnados: não pensamos “de um lado” e sentimos “de outro”, mas existimos sempre no entrelaçamento do corpo com o mundo. Nesse sentido, a emoção não é um “estado psicológico interno”, isolado da realidade externa; ela se manifesta e ganha sentido no corpo vivido  Quando sentimos tristeza, por exemplo, não a vivenciamos apenas como uma ideia subjetiva, mas como algo que se expressa em nossa corporeidade: no peso dos ombros, na lentidão dos gestos, no tom de voz mais baixo, no olhar que se desvia. O corpo não apenas “mostra” a emoção, ele é a própria maneira pela qual a emoção se realiza no mundo.

Para Merleau-Ponty, a emoção é um modo de percepção e de abertura. Ela altera a forma como vemos as coisas, como nos relacionamos com os outros, como ocupamos o espaço. Uma pessoa alegre percebe o mundo de maneira expansiva, luminosa, e se abre para possibilidades; já uma pessoa ansiosa vive o espaço como apertado, o tempo como acelerado. Ou seja, o mundo não é o mesmo quando estamos alegres ou tristes: a emoção muda o sentido do mundo vivido. Assim, na perspectiva merleau-pontyana, julgar uma emoção como “certa” ou “errada” é negar a própria condição encarnada da existência. O que importa não é eliminar a emoção, mas compreendê-la como abertura para si mesmo, para os outros e para o mundo.


Sartre (1939/2002), em Esboço para uma Teoria das Emoções, propõe que a emoção não é algo que simplesmente “acontece” conosco, como um reflexo automático do corpo. Ao contrário, ela é uma maneira de nos relacionarmos com o mundo quando as situações se tornam difíceis de suportar ou de resolver pela via racional. Assim, a emoção é sempre uma forma de ação, ainda que não seja consciente ou planejada.

Para Sartre, quando o mundo nos aparece como insuportável, a emoção funciona como uma transformação da realidade. Se não posso mudar a situação objetivamente, eu a transformo subjetivamente. Por exemplo: o medo diante de um perigo pode me paralisar, mas, ao mesmo tempo, ele “dissolve” o mundo, alterando a forma como as coisas se apresentam e me obrigando a lidar com elas de outra maneira.

Nesse sentido, a emoção é criativa, porque nos permite construir uma nova maneira de estar diante do mundo. A raiva, por exemplo, pode ser vista como uma tentativa de romper um limite que parece intransponível; a alegria como a forma de intensificar a presença e o vínculo com os outros; a tristeza como um recolhimento que ressignifica a perda e abre para novas compreensões. Nenhuma dessas respostas é um erro: são maneiras possíveis de enfrentar aquilo que não conseguimos resolver apenas pela razão.

Outro ponto essencial em Sartre é que a emoção não é apenas passividade, mas também expressão de liberdade. Embora as emoções não sejam escolhas deliberadas ou refletidas, ao reagirmos com medo, raiva ou entusiasmo, estamos revelando um modo de assumir o mundo, uma atitude fundamental da nossa liberdade. As emoções, portanto, são escolhas implícitas, não porque sejam deliberadas, mas porque refletem nossa maneira singular de estar no mundo e de lidar com nossas possibilidades.

Assim, ao invés de serem vistas como “desvios”, as emoções, em Sartre, são caminhos legítimos de construção de sentido. Elas não corrigem o mundo, mas o ressignificam, oferecendo ao sujeito novas formas de viver aquilo que lhe acontece.

 

Quem é o Ser-com? 

O Ser-Com é formado pelos psicólogos Patrício Lauro (CRP 18/03237) e Kimberlyn Melo (CRP18/05145), profissionais dedicados ao cuidado em saúde mental a partir da abordagem existencial-fenomenológica. Nosso propósito é oferecer um espaço de acolhimento e escuta, onde cada pessoa possa se apropriar de sua própria história e existir de forma mais autêntica.

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Referências

Heidegger, Martin (1927/2012). Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes.

Merleau-Ponty, Maurice (1945/1999). Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes.

Sartre, Jean-Paul (1939/2002). Esboço para uma Teoria das Emoções. São Paulo: Nova Cultural.

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