Esquizoanálise é uma perspectiva e prática criada por Gilles Deleuze e Félix Guattari, que propõe uma maneira distinta de conceber o desejo, a subjetividade e as relações. Ela surgiu como uma crítica à psicanálise freudiana e lacaniana, que enxergavam o desejo a partir da falta, da estrutura familiar e do complexo de Édipo. Em vez disso, a Esquizoanálise encara o desejo como uma força criativa e produtiva que transborda, que não se caracteriza pela carência de algo, mas pelas conexões que estabelece e pelo fluxo constante.
Ao invés de um sujeito fixo ou uma "identidade" permanente, a Esquizoanálise utiliza a noção de "devir" (vir-a-ser), entendendo a subjetividade composta por multiplicidades e movimentos, que estão sempre mudando em fluxo, sem um ponto de partida ou chegada definidos. O desejo se manifesta por meio de agenciamentos, combinações temporárias de forças que se formam e se desfazem, sem uma direção fixa ou uma hierarquia que os ordene.
Devir é o movimento constante que não possui um ponto de partida ou de chegada fixo, muito menos um estado final. Em vez de um sujeito estático ou um eu centralizado, a Esquizoanálise olha para as multiplicidades, uma pluralidade de forças e desejos que se conectam de forma não hierárquica. Trata-se de uma ruptura com a ideia de uma "trajetória" ou "continuidade", concebendo o sujeito em constante processo e transformação.
Inclusive, não se trata apenas uma teoria, mas uma prática de vida e um engajamento político. Em "O Anti-Édipo" (1972), Deleuze e Guattari confrontam as forças que aprisionam e capturam o desejo: a política centralizadora, os sistemas psicanalíticos que interpretam o desejo de forma limitada, os micro-fascismos do cotidiano, o poder que captura do sujeito e a tendências a reproduzir estruturas de poder. Trata-se de uma proposta para libertar o desejo dos sistemas que o aprisionam, para explorar a vida de maneira criativa e expansiva.
O desejo é entendido como um campo de fluxos contínuos e mutáveis. Se diferencia da visão psicanalítica ortodoxa, que o entende em termos de carência ou falta, analisando a partir de um sistema binário de lei e castração. A Esquizoanálise rompe com a concepção psicanalítica ao entender o desejo como uma força produtiva, que se acopla aos elementos do mundo em diferentes agenciamentos, sempre expandindo e possibilitando novas experiências, ao invés de buscar satisfação em um objeto perdido.
No "Anti-Édipo", os autores confrontam o que consideram os “três inimigos” da Esquizoanálise: o ascetismo político, que reduz a política a uma ordem fixa e estática; os técnicos do desejo, tal como os psicanalistas que capturam o desejo e o restringem à interpretação de uma falta; e o fascismo, entendido como não só uma ideologia política, mas também uma força que nos coloca contra nós mesmos, nos levando a desejar nossa própria submissão. Ao comentar a obra, Michel Foucault a entende como uma disposição "para uma vida não-fascista".
Para além de uma prática clínica, a Esquizoanálise propõe uma ética de vida, nos convidando a confrontar as estruturas que capturam o desejo em nós, concebendo a existência como um processo em fluxo em permanente transformação, visando possibilitar a proliferação do desejo e a experimentação de outros modos de vida, sem a necessidade de um "eu" unitário, uma identidade fixa ou ideal. Ao invés de buscar uma cura ou uma solução definitiva para os conflitos, nos propõe a explorar as intensidades do desejo, contrariando o poder externo e interno.
Deleuze e Guattari entendem que somos compostos por três tipos de linhas: as linhas duras, que estabelecem dualidades sociais e estratificações; as linhas maleáveis, que permitem variações e desestratificações relativas; e as linhas de fuga, que rompem com as limitações das estratificações estabelecidas. Nas "linhas de fuga", o trajeto é traçado conforme o movimento ocorre, criativamente, elas não preexistem como caminhos rígidos.
É essencial identificar essas linhas, pois elas podem seguir diferentes formas. Algumas fortalecem a vida e a criação, enquanto outras, nos levam à destruição e ao colapso. O desejo é encarado como uma força que cria e transforma. A cartografia dos desejos consiste em traçar mapas das forças que nos atravessam e nos constituem, de modo a identificar e combater as estruturas que nos aprisionam, possibilitando o encontro de caminhos para a expressão do desejo e a experiência de novos modos de existência.
Deleuze e Guattari criticam o capitalismo como um sistema que explora e captura o desejo, propondo uma análise que está para além das dicotomias tradicionais, possibilitando novas configurações de organização social. A Esquizoanálise é, portanto, uma ferramenta para a resistência e luta por novas maneiras de subjetivação e convivência social, que nos convida a explorar as complexidades da vida e a buscar novas possibilidades de existência.
Referências:
AMARAL, Leonardo. Trechos selecionados da aula Anti-Édipo e outras reflexões. Fractal: Revista de Psicologia, v. 28, n. 1, p. 160-169, jan.-abr. 2016.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Trad. de: Luiz Orlandi. São Paulo: Ed. 34, 2010.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Entrevista sobre o Anti-Édipo. Em: DELEUZE, G. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
FOUCAULT, Michel. Para uma vida não fascista. Prefácio em: DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia, New York, Viking Press, 1977, pp. XI-XIV. Traduzido por Wanderson Flor do Nascimento.