Já não me sinto em casa neste mundo


"Já não me sinto em casa neste mundo" é um filme que conta a história de Ruth, uma auxiliar de enfermagem que vivia sozinha, deprimida, talvez fora dos padrões impostos pela sociedade e que questionava muito a vida e a forma que as pessoas viviam e se relacionavam, por isso se sentia deslocada e cada vez mais distante de tudo. Certo dia roubam sua casa e alguns de seus pertences e sem ajuda da polícia ela se une a seu vizinho Tony para tentar descobrir o autor, porém, acaba se envolvendo em algo perigoso e sofre consequências.

Durante o filme eu me senti aflita e angustiada com os sentimentos de Ruth, em alguns momentos também me identifiquei com a personagem. No inicio me senti angustiada devido o olhar dela sobre a atitude das pessoas e o desejo de que isso fosse diferente de alguma forma, depois por querer fazer justiça com as próprias mãos e na tentativa der ser ouvida se envolve com a gangue que a roubou mesmo sem querer e então me senti aflita pois ela corre sério risco de vida e no final perde seu amigo. Me identifiquei pelo fato de muitas vezes refletir o mundo e como as pessoas agem diante das outras pessoas, sem se importar ou respeitar o espaço do outro, então me senti muito reflexiva sobre isso, o comportamento das pessoas de modo geral na sociedade, que tem sido cada vez mais egoísta. Tem uma fala dela em um momento que diz ser terrível e nojenta a forma com a qual as pessoas se tratam, e isso é um fato nos nossos dias.


Chamaram-me a atenção todos os questionamentos dela a respeito do propósito da vida. Existe uma cena a qual ela esta na casa da amiga, pois sua casa havia sido roubada e ela desabafa com a filha da amiga, uma criança de cinco anos, tamanha angustia dentro dela. Depois, conversando com a amiga conta que naquele dia uma senhora a qual ela cuidava tinha morrido, e então ela se lembra da avó, que fizera tantas coisas boas e que virou cinzas. No seu discurso questionando propósito da vida ela diz que é a única que se lembra das coisas boas que a avó fez, mas que logo ela também virará cinzas e então tudo será perdido e então questiona se vale a pena fazer o bem.

A vulnerabilidade dela a faz tomar atitudes que até então não fazem parte de sua personalidade. Ela se percebe vulnerável diante da vida quando tem sua intimidade invadida (casa) e suas memórias roubadas (prata de sua avó) e ela se sente desprotegida pelo sistema (polícia) e então decide fazer algo por ela mesma.

Isso tudo me chamou a atenção, pois remete a "crise existencial" que é muito falada hoje, por muitas vezes nos sentimos inadequados ao sistema e questionamos muitas coisas, acredito que muitos passam por isso e muitos vão viver, se é que ainda não viveram um dia: uma crise sobre sua existência.

Não precisa que alguém entre na nossa casa necessariamente e nos roube, mas quando passamos por situações de vulnerabilidade nos sentimos desprotegidos, sem apoio muitas vezes, com medo de se expor, enfrentar a situação daí questionamos valores, propósitos e a crise de existência chega.

O ambiente que Beth vivia no próprio trabalho já era algo que estimulava essas reflexões, pois ela estava constantemente diante da morte, o que a deixava mais deprimida. Não estamos preparados nunca para perder (coisas ou pessoas) e então quando acontece é natural vir a tona muitas questões que talvez não viriam por outro caminho a não ser o da perda.

Também me chamou a atenção a cena que ela procura o vizinho para falar do roubo, e ele se mostra muito enfurecido com aquela realidade o que mostra ser ele uma pessoa inconformada com as atitudes das pessoas também e isso os une na busca por respostas. Talvez dentro dele também existam crises e essa situação foi um gatilho para que ele a ajuda-se, então o que os uniu foi a busca e o desejo por mudança.


Posso relacionar o filme com a vertente existencial em vários aspectos. Acredito que o primeiro seja sobre o sentido da vida, a personagem questiona em vários momentos o sentido de sua existência e o real propósito da vida. Ela também traz a valorização das suas emoções, que é uma das características do existencialismo, em vários momentos ela busca expor como se sente diante das situações, da sua vulnerabilidade e o sentimento dela a respeito das outras pessoas.

Beth fez uma escolha ao sair atrás de respostas mesmo contrariada pela polícia e teve suas consequências. O existencialismo fala sobre a liberdade de escolha e a responsabilidade por elas.

Para o existencialismo existem vários modos de ser, cada um tem sua singularidade e subjetividade, no filme, Tody o amigo de Beth, que apesar de terem muito em comum tinham suas particularidades e em um momento de aflição Tody a convida para ir a uma igreja, sinal que para ele aquilo fazia sentido, talvez um propósito, já para ela não. No final aparece ela indo a igreja sozinha, pode ser que em busca de algo ou apenas lembranças do amigo.

O título do filme remete a insatisfação dela a respeito do comportamento egoísta das pessoas de modo geral e sua crise existencial na inadequação a esses comportamentos, da falta de empatia e respeito para com o próximo desde um cocô de cachorro na grama até o roubo de uma casa.

O filme trata de assuntos como angustia existencial, a diferença entre as pessoas, a solidão, valores, morte, sentido da vida, escolhas e consequências de forma muito natural. A proposta existencial do filme se mistura com a comédia e muda completamente no decorrer do filme, passando para um drama/suspense e que termina com um final não tão comum nos filmes, o que faz dele ainda mais excêntrico.


Referência:
Filme: I Don’t Feel at Home in This World Anymore, EUA, 2017 – Direção: Macon Blair.

Texto por:
Lais Mancinelli
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